Exclusivo: Dinheiro público entrava na CBV, ia até empresa de braço direito e era sacado em espécie ou “transferências sem justificativa”
Uma completa radiografia do modus operandi por trás do caminho de dinheiro público recebido pela Confederação Brasileira de Vôlei (CBV) na gestão de Ary Graça, patrocinada pelo Banco do Brasil e também beneficiária de milhões em convênios com o Ministério do Esporte. E de como escoava depois de sair da CBV e ir para a S4G, empresa do braço direito do dirigente e para quem ia. É o que está no “Relatório de Inteligência Financeira” (RIF), feito pelo COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), órgão da Receita Federal. O Raio-X aponta para vultosos e seguidos “saques em espécie”, “movimentação incompatível”, além de”transferências para terceiros sem justificativa”. Que eram empresas de parentes e pessoas ligadas a entidade. Entre outros “indícios de atipicidade nas transações”, de acordo com o RIF.
movimentação de recursos incompatível com o patrimônio, a atividade econômica ou a ocupação profissional e a capacidade financeira do clienteFábio Azevedo, fiel escudeiro do então presidente da CBV e atual presidente da Federação Internacional de Vôlei e que segue com ele na condição de secretário-geral da FIVB, sacou mais de um milhão de reais em espécie na caixa de uma agência bancária em um período de seis meses no ano de 2012, ainda durante o mandato de Ary Graça.
A movimentação fora de padrão chamou a atenção do COAF. O RIF-15458, que foi enviado do órgão da Receita Federal para o Ministério Público Federal (MPF) e Polícia Federal (PF), apontou “indícios de atipicidade” nas transações.
As anormalidades descritas pelo órgão da Fazenda vão além: “movimentação de recursos incompatível com o patrimônio, a atividade econômica ou a ocupação profissional e a capacidade financeira do cliente” e “recebimento de recursos com imediata compra de instrumentos para a realização de pagamentos ou de transferências a terceiros, sem justificativa” também compõe a peça, cujas minúcias relacionam diretamente a S4G, empresa em que Azevedo consta como proprietário, e a CBV, esta como depositante absolutamente majoritária. Também existem registros de transferências para membros da diretoria da CBV, assim como para empresa de familiar de Ary Graça.
O saque em espécie de valores acima de R$ 100 mil foi uma regra nas contas da S4G durante os anos de relação da empresa com a CBV. A cronologia está relatada no Relatório de Inteligência Financeira do COAF:
Saques em espécie realizados por Fábio Azevedo na agência bancária da conta S4G:
4/4/2012- 100.000,00
10/4/2012 – 340.500,00
14/5/2012 – 100.000,00
31/8/2012 – 120.000,00
28/9/2012 – 140.000,00
28/5/2013 – 240.640,00
Saque em espécie realizado por Alessandra Dias, secretária de Fábio Azevedo, na agência da conta S4G:
24/10/2012 – 386.157,00
Os fatos detalhados no relatório, (cuja existência foi revelada em primeira mão pelo jornalista Juca Kfouri em seu blog, no UOL) que compõe tal atipicidade, vão muito além dos saques em espécie feitos por Azevedo e pela secretária dele, Alessandra Dias. Em duas contas na agência nº 5579 (Barra da Tijuca), respectivamente da S4G Gestão e Marketing e outra da S4G Planejamento e Marketing, ambas de Azevedo, cerca de R$ 4,5 milhões foram movimentados apenas em três meses, de 5/7/2013 a 31/10/2013. Uma terceira conta na mesma agência, em nome de Azevedo e de sua mulher, Flávia Morato Azevedo, recebia transferências também das duas contas.
De acordo com o relatório, na conta nº 17*68**, a S4G Gestão de Negócios movimentou, entre 7/8/2013 e 31/10/2013, R$ 3.451.087,00 (três milhões, quatrocentos e cinquenta e um mil e oitenta e sete reais). Desses, R$1.736.862,33 (um milhão, setecentos e trinta e seis mil, oitocentos e sessenta e dois reais e trinta e três centavos) foram creditados na conta. Esmagadoramente pela CBV, sendo R$1.036.879,94 (um milhão, trinta e sei mil, oitocentos e setenta e nove reais e noventa e quatro centavos) depositados pela entidade e R$699.982,39 (seiscentos e noventa e nove mil, novecentos e oitenta e dois reais e trinta e nove centavos) remetidos também pela CBV.
Já a S4G Planejamento e Marketing movimentou,na mesma agência, a conta nº 1*0** no período de 5/7/2013 a 31/10/2013 o montante de R$989.296,00, (novecentos e oitenta e nove mil, duzentos e noventa e seis reais). Nessa movimentação, o total a crédito foi de R$494.648,00 (quatrocentos e noventa quatro mil, seiscentos e quarenta e oito reais). Maioria absoluta do valor creditado na conta pela CBV, num total de R$494.048,16 (quatrocentos e noventa e quatro mil, quarenta e oito reais e dezesseis centavos).
A terceira conta na agência, de nº 1*05**, conjunta entre Fábio Azevedo e Flávia Azevedo, movimentou R$3.132.337,00 (três milhões, cento e trinta e dois mil, trezentos e trinta e sete reais) no período entre 1/8/2013 a 13/3/2014, sendo crédito R$1.788.316,00 (um milhão, setecentos e oitenta e oito mil e trezentos e dezesseis reais). Desses, que R$1.550.302,68 (um milhão, quinhentos e cinquenta mil, trezentos e dois reais e sessenta e oito centavos) repassados pela própria S4G Gestão de Negócios.
Chamou a atenção do COAF e foi destacada no relatório a cadeia de transferências: da conta da S4G Gestão de Negócios, saiu a verba acima descrita para a conta conjunta de Fábio Azevedo e Flávia Azevedo (nº 1*05**). E desta, de um total de R$1.344.021,00 (um milhão, trezentos e quarenta e quatro mil reais e vinte um centavos) de débitos, R$1.015.016,73 (um milhão, quinze mil reais, dezesseis reais e setenta e três centavos) foram destinados para quitação de 38 TED´s, transferências e depósitos em contas.
Além dos saques em espécie descritos anteriormente, os destinatários das 38 transferências, TED’s e depósitos da conta conjunta do casal também chamam atenção. O RIF fala em “transferências para terceiros sem justificativa”. Constam no relatório R$56 mil para a Eco Graphics Serviços, do irmão de Fábio Azevedo, que também prestava serviço para a CBV. Ou R$ 157.500,00 para a S4C Comércio Vestuários, onde Flávia Azevedo consta como sócia. Para a Figtree Produções e Eventos, empresa de Cristiana Graça Figueira, sobrinha de Ary Graça, foi feita transferência de R$24.645,33. E R$125 mil em uma conta para a própria Flávia Azevedo, entre outros TED’s.
O período relatado pelo COAF é o de maior movimentação nas contas e se deu logo após a rescisão dos contratos da S4G na CBV, em 30/6/2013. Internamente, os contratos assinados com Ary Graça com empresas constituídas por seus antigos colaboradores sofreram fortes questionamentos. Pela rescisão de seis contratos, Ary Graça, ainda na presidência da entidade, pagou a S4G de Fábio Azevedo R$ 1.232.608 (um milhão, duzentos e trinta e dois mil, seiscentos e oito reais). Como o COAF mostra, é após esse período em que os contratos são questionados e a rescisão é paga que se intensificam as transferências e movimentações nas contas da S4G.
A maior parte dos citados no RIF do COAF é personagem de outro escrutínio: o Relatório 201407834 da Controladoria Geral da União (CGU), que, em 2014, analisou os diversos contratos da CBV na gestão de Ary Graça e encontrou as seguintes irregularidades: “contratação de empresas de consultoria sem que se consiga verificar a efetiva contraprestação do serviço como no caso de consultorias contratadas para assessorar a CBV na negociação de patrocínios; contratação de empresas sem estrutura física e de pessoal; contratação de empresas cujos proprietários são ou foram ligados à CBV, seja como empregados, seja como parentes de dirigentes; contratação de empresas do mesmo proprietário que executa e audita a prestação de serviço; pagamento de notas fiscais sequenciais que demonstram que a empresa comandada prestava serviço somente para a CBV; pagamento de notas fiscais com descrição genérica do objeto contratado, como ‘comissionamento’ ou ‘assessoramento”.
A S4G, de Fábio Azevedo, relatada com seus diferentes CNPJs no RIF do órgão da Receita Federal, COAF, teve suas relações com a CBV durante a gestão Ary Graça demonstradas na série de reportagens “Dossiê Vôlei”, publicadas e exibidas na ESPN Brasil em 2014 e 2015. Na ocasião, mostrou-se que a empresa tinha dois contratos com a confederação, totalizando dez milhões de reais a serem pagos de 15 de abril de 2011 a 30 de junho de 2017 por comissão de “serviços prestados”, entre eles “vendas de patrocínio, negociações junto às agências de publicidade, agências de promoção, anunciantes”. Em 2013, o teor dos contratos gerou crise interna na CBV e os pagamentos foram suspensos.
Sobre a relação S4G e CBV, a CGU afirmou: “proprietário era funcionário da CBV meses antes da empresa ser contratada; emissão de notas sequenciais para a CBV; endereço de empresa é o mesmo de uma das empresas do ex-presidente da CBV; contador da empresa também é contador das empresas pertencentes ao ex-presidente da CBV à época da contratação da S4G”.
O relatório da CGU diz, entre outras coisas, que a empresa foi criada três dias antes da assinatura de contrato e o fato das notas fiscais da S4G com a CBV terem ordem sequencial. Além do questionamento sobre a natureza dos contratos, também o favorecimento nos pagamentos, que deveriam ser mensais, para a empresa de Fábio Azevedo é citado: “A CBV adiantou todos os pagamentos de 2011 à S4G Gestão de Negócios, que emitiu todas as notas fiscais entre 28 e 30/11/2011”. Está destacado também o pagamento de R$ 2 milhões para a S4G em 2012 “sem a comprovação da contraprestação do serviço”. As notas fiscais 00024 e 00025, de R$ 1 milhão foram emitidas em 19/7/2012. Outros dois contratos, também de dez milhões de reais a serem pagos entre 2011 e 2017 com empresa de outro ex-dirigente foi assinado e da mesma forma suspenso em 2013: a SMP, de Marco Antônio Pina. O relatório da CGU foi contestado pela S4G mas reafirmado em sua exatidão pela instituição federal.
As negociações da CBV com o Banco do Brasil (BB) relativas aos contratos de patrocínio e a criação da S4G com seus diferentes CNPJs coincidem com o período da presidência de Aldemir Bendine no banco (17 de abril de 2009 a 6 de fevereiro de 2015). Nos seis anos de sua gestão, foram assinados os dois maiores contratos de patrocínio entre BB e CBV, além de sete aditivos em outros contratos. Bendine está citado na colaboração premiada da Odebrecht por solicitação de propina no valor de 1% em contratos entre a instituição e a Odebrecht. Ouvido pela imprensa sobre o caso, Bendine nega a prática.
Os vultosos saques em espécie apontados pelo órgão da Fazenda provavelmente não chegaram a ser um problema para a S4G em no que diz respeito a questões de segurança. Não foi preciso sair pelas ruas com grandes quantias de dinheiro. Apesar do endereço da S4G na base de dados da Receita Federal constar como de Saquarema, no mesmo prédio onde Ary Graça também aparece com uma empresa, há no relatório referência de sala comercial da S4G no mesmo prédio da agência bancária das contas citadas no RIF do COAF. No mesmo prédio, de acordo com a base de dados da Receita Federal, existe ainda uma empresa de um genro de Ary Graça, outra de uma filha e ainda uma terceira que faz parte de uma sociedade em uma outra empresa onde o dirigente consta como sócio.
OUTRO LADO:
A Agência Sportlight de Jornalismo Investigativo enviou uma série de questões para Ary Graça e Fábio Azevedo. Questionou ao proprietário da S4G, Fábio Azevedo, a razão para os seguidos saques em espécie relatados no RIF, assim como citou e nomeou as transferências realizadas, pedindo para que comentasse a razão para elas. Para Ary Graça, perguntou se ele tinha conhecimento das movimentações financeiras da S4G, qualificadas pelo COAF como “atípicas”. Através de assessoria de imprensa, ambos enviaram resposta conjunta.
RESPOSTA:
“Em relação a seu pedido de respostas para as perguntas relacionadas ao citado relatório do Coaf devo dizer que o relatório não é de conhecimento do Fábio. O Coaf não o informou de nada e não solicitou qualquer esclarecimento. Dessa forma, não há como responder perguntas, extraídas de um documento que o órgão mencionado não enviou ou deu ciência de sua existência. Não tenha dúvidas de que acontecendo isso ele terá então as respostas.
O presidente Ary Graça também não tem conhecimento do relatório mas a resposta a sua pergunta é não. Não haveria razão para que ele tivesse conhecimento de movimentação financeira interna da S4G ou qualquer outra empresa prestadora de serviços”.
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