DOSSIÊ RENCA (1): Relatório que embasou MP de extinção foi feito por servidora nomeada poucos dias antes. Ministro anunciou primeiro para investidores estrangeiros
Um mês. Foi o tempo necessário para que uma servidora nomeada por representante da “Bancada da Mineração” para o Ministério das Minas e Energia (MME) no dia 25 de outubro de 2016 finalizasse um relatório técnico que embasou a decisão da extinção da Reserva Nacional do Cobre e Associados (RENCA).
O veredito relâmpago que considerava primordial a revisão do decreto que constituiu a RENCA deixava bem claro a motivação: “criar um ambiente favorável à atração de novos investimentos para o setor na perspectiva de contribuir para alavancar a retomada do crescimento econômico do país”, como está na peça obtida pela reportagem através da Lei de Acesso à Informação. E que, três meses depois, em março de 2017, deu o tom na viagem do titular da pasta ao Canadá, ministro Fernando Bezerra Coelho Filho, anunciando no exterior o negócio de ocasião antes de qualquer palavra sobre o tema por aqui.
A cronologia de execução do estudo técnico que viabilizou o “ok” para extinção da Renca chama atenção. Assim como a responsável pela assinatura e o tempo do vínculo com o MME.
A nota técnica foi produzida pela Secretaria de Geologia, Mineração e Transformação Mineral (SGM) do MME. Com data de 7 de dezembro de 2016 e com a conclusão de que a “extinção da Renca é a medida que se impõe” depois de analisar os diversos aspectos da área sob os pontos de vista geológicos, minerais, de localização e jurídicos.
Da nomeação até a entrega do relatório, foram 42 dias. Descontados os 12 dias entre sábados e domingos do 25 de outubro da publicação da nomeação da funcionária no Diário Oficial da União ao 7 de dezembro em que a nova servidora da Secretaria de Geologia, Mineração e Transformação Mineral do MME entregou o relatório, sobraram exatos 30 dias úteis. Um mês. Foi tempo suficiente para entrega das conclusões de estudo, análise e proposta de solução jurídica.
Antes do MME, Sônia Maria Costa Greco passou um ano e cinco meses como Superintendente de Política Mineral da Secretaria de Desenvolvimento Econômico (SEDE), em Minas Gerais. Entre março de 2015 e julho de 2016.
Mas a maior parte da carreira da nova secretária do MME foi construída na iniciativa privada, justamente em uma mineradora canadense, a Jaguar Mining, onde ocupou cargos de gerência até chegar a Diretoria de Direito Minerário, Meio Ambiente e Relação Institucional, onde ficou até março de 2015.
Sônia Maria Costa Greco veio de Minas Gerais, assim como o responsável por sua indicação para o MME. É de Leonardo Quintão, deputado federal pelo PMDB-MG o poder das indicações para os cargos estratégicos do Ministério de Minas e Energia. Assim foram as indicações feitas no governo Temer, já de olho nas novas diretrizes do setor. Além da responsável pela assinatura do parecer técnico que extinguia a RENCA, Quintão emplacou a nomeação de Victor Hugo Froner Bicca para o cargo de diretor-geral do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM). O DNPM é nada menos do que o órgão responsável pelas fiscalizações e autorizações do setor.
Deputado responsável pela nomeação da autora do parecer pela extinção da RENCA tem mineradoras entre maiores doadoras de campanhaLigado a Eduardo Cunha quando o presidiário era o presidente da Câmara, Leonardo Quintão foi o relator do “Novo Código da Mineração” em seu primeiro mandato parlamentar, na legislatura que se iniciou em 2010. Seu então líder, Eduardo Cunha, foi o campeão em emendas para o novo Código da Mineração, com 90 emendas. Reportagem da Agência Pública, realizada a partir da prestação de contas da câmara dos deputados, mostrou que o deputado mineiro, de 42 anos, multiplicou seu patrimônio em 56 vezes entre 2002 e 2014. Dos R$ 315 mil para R$ 18 milhões.
Quintão renovou o cargo de relator ao ser reeleito em 2014. O mais completo trabalho sobre o setor, referência de consulta por sua amplitude e nível de detalhamento, o “Quem é quem nas discussões sobre o novo código de mineração 2014”, feito anteriormente em 2013 e atualizado após as eleições de 2014 com os novos mandatos, de autoria da pesquisadora Clarissa Reis Oliveira, mostra impactantes números sobre o envolvimento do deputado Leonardo Quintão (foto abaixo) e as empresas de mineração.
De acordo com o estudo, para o primeiro mandato, “em 2010 ele recebeu R$ 400 mil de empresas ligadas a mineração, cerca de 20% do total de sua campanha”.
Na reeleição em 2014, já como relator do novo código de mineração, o estudo revela dados autoilustrativos sobre o viés da “Bancada da Mineração”. Está lá sobre as doações ao deputado: “Nas eleições de 2014 o valor total subiu de forma significativa: pouco mais de R$2 milhões, aproximadamente 42% do financiamento da campanha do deputado que sempre se apresentou como o defensor do setor mineral”.
Clarissa Reis Oliveira mostra ainda o conflito de interesses entre o cargo de relator e as doações de mineradoras, constituindo uma ilegalidade, de acordo com o Código de Ética da Câmara dos Deputados. “O inciso VIII do Art. 5º do Código de Ética da Câmara afirma que fere o decoro parlamentar ‘relatar matéria submetida à apreciação da Câmara dos Deputados, de interesse específico de pessoa física ou jurídica que tenha contribuído para o financiamento de sua campanha eleitoral”.
O Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração “apresentou representação pela retirada do relator junto à Mesa Diretora da Câmara. O então presidente da Casa, Dep. Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) prontamente arquivou o processo”.
O caso foi levado ao Supremo Tribunal Federal (STF), onde um mandado de segurança pedia a retirada imediata de Quintão do cargo de relator do novo código. O processo não foi julgado e acabou arquivado pelo Ministro Luiz Eduardo Fux.
Foram doadores dos 42% dos R$ 4.953.956,40 (quatro milhões, novecentos e cinquenta e três mil, novecentos e cinquenta e seis reais e quarenta centavos) recebidos como doação por Leonardo Quintão no pleito de 2014 as seguintes empresas do setor de mineração: Phenix Mineração e Comércio Ltda.; Votorantim Siderurgia S.A.; Vallourec Tubos do Brasil S.A.; LMA Mineração Ltda.; Mineração Polaris Ltda.; Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração; FLAPA Mineração e Incorporações Ltda.; AngloGold Ashanti Córrego do Sítio Mineração S/A; Arcelor Mittal Brasil S.A.; Magnesita Refratários S/A; KINROSS Brasil Mineração S/A; Companhia Metalúrgica Prada; Usina Siderúrgica de Minas Gerais – USIMINAS; Vale Mina do Azul S/A; Gerdau Aços Especiais S.
Com a nomeação de Sônia Maria Costa Greco feita por Leonardo Quintão e a tarefa do parecer técnico pela extinção da RENCA cumprida em tempo recorde, o Ministro das Minas e Energia pode ir ao encontro dos grandes grupos transnacionais do setor levar as boas novas antes mesmo de que por aqui se soubesse.
Fernando Bezerra Coelho Filho, 33 anos, é o primogênito do ex-ministro da Integração Nacional e representante de uma das oligarquias de presença mais barulhenta nos sertões nordestinos, com base em Petrolina (PE), administrada de mão em mão pela família há meio século. Donos de um império que começou com o Coronel Quelê, composto hoje por fazendas, indústrias e meios de comunicação da região. Eleito deputado federal desde os 22 anos, até assumir o MME, com Michel Temer ainda interino, em maio de 2016. Notícia vista com bons olhos desde o primeiro momento pelos investidores estrangeiros.
Foi com esse currículo e o parecer técnico de extinção da Renca no bolso que embarcou para o Canadá para a convenção da área da mineração “Prospectors and Developers Association of Canada” (PDAC). O titular do MME do Brasil abriu o pregão da Bolsa de Valores de Toronto, no Canadá no dia 6 de março, saudando o “Dia da Mineração Brasileira” e dando a boa nova aos investidores estrangeiros: uma nova ordem no setor se inaugurava, como mostram os documentos do Ministério das Relações Exteriores (MRE), obtidos pela reportagem através da Lei de Acesso à Informação (LAI).
O tema foi recorrente nos eventos que se seguiram, dando razão a euforia dos investidores canadenses presentes. Como ficou claro já na mesma manhã, quando a comitiva seguiu para a Camâra de Comércio Brasil-Canadá (BCCC na sigla em inglês), sediada no escritório de advocacia “McCarthy Tetrault”, gigante que cuida do interesse das principais mineradoras daquele país. Durante o “Café da Manhã da Mineração” promovido pela BCCC, as palavras do Ministro Fernando Bezerra Coelho Filho soaram como música aos anfitriões.
Um tom providencial para acalmar os anfitrões canadenses, país líder em exploração mineral mundial. Pouco antes, o país tivera publicamente suas orelhas puxadas pelo presidente da BCCC, Frederico Marques, membro do McCarthy Tetrault e presidente da BCCC). De acordo com os documentos do Ministério das Relações Exteriores (MRE), o ex-diretor de uma mineradora “concitou (incitar, instigar, estimular, in dicionário Aurélio) o país a revisar seu código de mineração e a ampliar incentivos à exploração mineral”.
Na turnê marcada por encontros com investidores da área de mineração, como em jantar para 120 CEOs, investidores, consultores e imprensa especializada, Fernando Bezerra Coelho Filho deu todas as garantias da nova ordem vigente no setor.
Relatório do Itamaraty mostra compromisso do ministro aos investidores estrangeiros: “Uma terceira medida tendente a dinamizar o setor de mineração do País seria a abertura de novas áreas para exploração, nomeadamente a ‘Reserva Nacional do Cobre e Associados’ (RENCA)E foi na convenção “Prospectors and Developers Association of Canada” (PDAC) que o ministro entregou a joia da coroa das medidas a serem adotadas, confirmadas depois em entrevista ao jornal local ‘Globe & Mail’. Se no Brasil nenhuma palavra ainda tinha sido dada sobre o tema, aos investidores estrangeiros não fez por menos: anunciou que uma das medidas a serem tomadas na nova ordem do setor no país seria a abertura da “Reserva Nacional do Cobre e Associados”, a RENCA, para exploração. Como está no relatório da embaixada brasileira:
“Uma terceira medida tendente a dinamizar o setor de mineração do País seria a abertura de novas áreas para exploração, nomeadamente a ‘Reserva Nacional do Cobre e Associados’ (RENCA), criada em 1984, e a região da faixa de fronteira que corresponde a 27% do território nacional, facilitando sua ocupação e desestimulando atividades ilegais. A região bloqueada pela RENCA, na fronteira entre o Pará e o Amapá, tem expressivo potencial para o desenvolvimento de jazidas de ouro, zinco, fosfato e terras raras, entre outros minérios”.
No dia 9 de junho, três meses depois da visita ministerial que anunciou a boa nova que soou como música ao ouvido dos investidores estrangeiros, Frederico Marques, presidente da Camâra de Comércio Brasil-Canadá e anfitrião do titular do Ministério das Minas e Energia, botou o compromisso do governo Michel Temer no papel, escrevendo sem meias palavras sobre os futuros passos. No artigo “Mineração na América Latina: uma visão geral das leis de mineração na Argentina, Brasil, Chile e Peru”, publicado no site do próprio escritório de advocacia “McCarthy Tetrault”, em parceria com Etienne Ravilet Guzman, esmiuçou como seriam as novas medidas e leis do setor e a extinção da RENCA. Não sem antes dar o crédito ao ministro Fernando Bezerra Coelho Filho e a possibilidade aberta pós-impeachment:
“Foi só depois do impeachment e estabelecimento de um novo gabinete que o recém-nomeado Ministro das Minas e Energia, Fernando Coelho Filho, começou a revisar as discussões de um novo quadro regulatório para o mineral brasileiro
indústrias de exploração e mineração. Mais recentemente, o Sr. Coelho Filho informou durante uma apresentação na 11ª edição do Brasil Canadá no evento PDAC 2017, um evento organizado pela Câmara de Comércio Brasil-Canadá e realizado em Toronto, Canadá, durante a Convenção Internacional PDAC 2017, que o novo governo federal brasileiro o governo retirará o Código de Mineração de 2013 e atualizará o atual quadro legal da indústria de mineração”.
E didaticamente anunciou no artigo publicado no site do escritório que cuida do interesse das mineradoras as medidas prometidas pelo governo Temer, que se confirmariam, em parte dois meses depois, no decreto que extinguia a RENCA. Inclusive avisando que a extinção da RENCA se daria por uma canetada presidencial. Está lá:
1) Submeter ao Congresso Brasileiro uma medida provisória para criar um agência de mineração (um processo rápido para poder substituir o DNPM por uma agência independente com maior autonomia e menos influência política).
2) Colocar um par de contas para tratar mudanças no código de mineração atual, royalties governamentais, mineração na zona fronteiriça brasileira e subsídios da indústria (essas alterações serão separadas em duas ou mais contas).
3) Um decreto presidencial para atualizar o regulamentos atuais do código de mineração e extinção da reserva nacional de cobre nacional (RENCA).
Anuncia outras áreas a serem liberadas:
“O governo brasileiro também planeja realizar um processo de licitação on-line para mais de 20 mil áreas que Já realizou algum nível de exploração. A primeira rodada de licitação deve ocorrer na segunda metade de 2017”.
Antes de concluir, volta a exaltar os novos rumos do setor a partir do governo Temer em outras passagens:
“Felizmente, o Brasil avançará rapidamente na implementação do novo regulamento, a fim de minimizar seu impacto na competitividade do Brasil, e criará condições para atrair mais investimentos estrangeiros para essa indústria”.
Até tratar como um “sopro de esperança” os novos rumos tomados a partir do governo Temer: “A abordagem que o novo governo brasileiro está tomando para melhorar o quadro legal para as indústrias de exploração mineral e mineração é um sopro de esperança para que o país finalmente finalize dez anos de discussões e se dirija na direção certa, desde que o novo regulamento não aumente o imposto ou crie outras condições para a concessão de recursos minerais direitos não existentes em outros lugares. Grande geologia do Brasil, mercado interno e força de suas instituições coloque o Brasil como uma das principais jurisdições para exploração mineral e mineração na região”.
A promessa do ministro não era para estrangeiro ver. O silêncio sobre o tema “RENCA” no Brasil era só no âmbito público. Nos bastidores, as medidas internas que respaldavam o discurso para investidores no exterior e as desregulamentações e possibilitariam a flexibilização das leis já vinham sendo tomadas há meses pelo governo Michel Temer, como mostram os atos acima descritos.
Em silêncio, no dia 22 de agosto o governo Michel Temer publicou no Diário Oficial da União o decreto 9.142/2017, que retirava status de reserva nacional de algumas áreas da antiga Renca. Cerca de 30% do total poderia ser explorado.O anúncio foi no dia seguinte, com o fato consumado.
Uma imensa repercussão negativa ganhou o mundo. A mobilização assustou o governo, que seis dias depois tentou amenizar, revogando o decreto mas lançando uma pinguela no lugar, e publicando no dia 28 de agosto um novo decreto, o 9.147, com novo texto, onde tentava atenuar alguns pontos mas fundamentalmente mantinha a extinção da RENCA.
Não foi suficiente. A repercussão mundial seguiu. Até que no dia 26 de setembro Michel Temer recua e revoga o decreto que extinguia a RENCA, publicando o 9.159.
OUTRO LADO:
Ministério das Minas e Energia:
A reportagem tentou contato e enviou questões ao Ministério das Minas e Energia por diversas vezes, sem resposta, assim como para Sônia Maria Costa Greco.
Deputado Federal Leonardo Quintão (PMDB-MG):
A reportagem enviou questões para o deputado Leonardo Quintão, sem resposta.
Lúcio, seu trabalho me inspira e atenua essa insistente sensação de terra arrasada.