Nepotismo e falta de transparência com uso de verba pública. O que os documentos revelam sobre o novo presidente do COB
Éuma história de nepotismo e falta de transparência no uso da verba pública.
Empregou irmão e filho. Teve contratos milionários com empresa de diretor da própria entidade ao arrepio da lei que impede tal prática. Contrato com empresa denunciada por fraude em licitação. Irmão participando do processo da escolha de prestadora. Gastos com escritório longe da sede e na cidade de domicílio.
Foram 15 anos no comando da Confederação Brasileira de Judô (CBJ).
Uma caixa-preta que ainda precisa ser aberta para que se possa entender quem é e os princípios e práticas que regem a gestão do novo presidente do Comitê Olímpico Brasileiro (COB).
No discurso, ao assumir o lugar de Carlos Arthur Nuzman, após a prisão do antigo mandatário do esporte nacional, Paulo Wanderley Teixeira foi veemente. Em artigo publicado no jornal O Globo no dia 2 de janeiro, “transparência, meritocracia e austeridade” eram a nova ordem.
“Desde que assumi a presidência do Comitê Olímpico do Brasil, no dia 11 de outubro passado, três conceitos passaram a nortear todos os passos da entidade: transparência, meritocracia e austeridade. E esses conceitos vão além do discurso…A experiência que tive à frente da Confederação Brasileira de Judô, a partir de 2001, me faz acreditar que as mudanças implementadas no COB trarão mais credibilidade…”.
As primeiras palavras ao assumir o COB em 11 de outubro de 2017 tinham sido já bem incisivas. “Quem não está dentro da conformidade tem que estar. É governança, transparência, compliance, outra realidade. Sou adepto disso. Se não se encaixar está fora”, afirmou.
No entanto, o exame de documentos relativos a gestão do dirigente na CBJ, obtidos através da Lei de Acesso à Informação, mostram que tal discurso de transparência não se casa com a prática. No meio desta divergência entre a fala e a prática, estão milhões em verba pública que financiaram a entidade vindas do Ministério do Esporte, da Infraero e da Petrobras.
Milhares de documentos que cruzados permitem recontar um pouco desses 15 anos. E encontrar um caminho bem diferente do propagado e não contestado durante todo esse tempo:
Edson Wanderley Teixeira (foto acima), irmão do então presidente Paulo Wanderley Teixeira, ocupou a função de “assistente financeiro” da CBJ entre 2010 e 2015. Em Vitória (ES), embora a sede da CBJ seja no Rio de Janeiro. Com ônus para a confederação, que manteve um escritório na cidade. A reportagem questionou tal fato para a CBJ, que através da assessoria de imprensa, afirmou “Vitória foi, de 2009 a 2015, uma base logística para equipamentos de competições da CBJ em virtude de sua posição estratégica para todos as regiões do país. O custo mensal de manutenção do escritório era de R$ 1.840,00”. O fim do escritório de Vitória foi pauta da Assembleia Geral em 1º de novembro de 2016, um ano depois da data alegada pela CBJ. A sede da CBJ, patrocinada pela Infraero, é no Rio e fica no Aeroporto Internacional, dispondo de amplos espaços.
Edson Wanderley foi o olho do irmão também em assuntos estratégicos da entidade. Em 22 de dezembro de 2014, Edson Wanderley Teixeira participou, na função de “membro da equipe de apoio”, como consta da ata e como assina o documento de um pregão de licitação para equipamentos e suporte na área de informática, cujo martelo, para concorrente único, no valor de RS 82.720,00, ganho por empresa do Espírito Santo, onde os irmãos são radicados. (ver documento abaixo)
O nepotismo da gestão Paulo Wanderley Teixeira foi além do irmão. O filho, Sandro de Oliveira Teixeira (foto abaixo) também exerceu cargo remunerado na entidade.
Depois de encontrar diversos documentos da entidade assinados pelo filho do presidente, tais como contratos de seguros de vida para atletas, bilhetes aéreos emitidos em nome de Sandro Teixeira e plano de saúde pago pela entidade, a reportagem questionou a CBJ, que respondeu ter o filho de Paulo Wanderley Teixeira ter exercido entre “1/7/2012 a 2/12/2015 o cargo de Gerente Administrativo”.
Na relação dos beneficiários com plano de saúde da entidade, consta ainda a mulher de Sandro Wanderley Teixeira, Sabine Froes Teixeira como dependente do marido (clicar documento abaixo). Na rede social da mulher de Sandro é possível encontrar no currículo da nora do atual presidente do COB passagem pelo Comitê Rio-2016 no ano de 2016, alocada na área de protocolo. Paulo Wanderley foi eleito vice-presidente do COB, na chapa com Nuzman, em 4 de outubro daquele ano.
Dois meses antes da eleição, em 17 de agosto, o filho de Paulo Wanderley foi nomeado pelo ministro de esporte, Leonardo Picciani, como assessor da Autoridade Brasileira de Controle de Dopagem (ABCD), comandada pelo ex-judoca Rogério Sampaio, como mostrou reportagem de Daniel Brito, no UOL, em 27 de outubro de 2016.
O discurso de compliance e governança também não impediu que poucos meses antes de deixar a CBJ para ingressar no Comitê Olímpico Brasileiro (COB), uma contratação de Paulo Wanderley Teixeira chamasse atenção.
Uma empresa de Serra, município do Espírito Santo, terra onde era radicado o dirigente, recebeu pagamento no valor de R$ 43.352,60 para serviços de limpeza, jardinagem e portaria. Empresa e sócio com registros de envolvimentos em escândalos.
A Fibra Serviços, de Claudio Farina Lopes, tem um rastro de denúncias contra ela ao longo dos anos em fraudes e licitações.
Em 2004, o Grupo de Repressão ao Crime Organizado (GRCO) do Ministério Público Estadual (MPE) de Alagoas ofereceu denúncia contra o ex-presidente da Assembléia Legislativa José Carlos Gratz e mais dois deputados por irregularidades no contrato de prestação de serviço firmado com a empresa Fibra Negócios e Serviços Ltda para execução de serviços de conservação e limpeza do prédio da Assembléia Legislativa.
O contrato de R$ 62 mil mensais foi feito sem licitação e prestação de contas, segundo a denúncia do MPE na ocasião.
Em 2012, o relatório final da “Operação Pixote”, no Espírito Santo, apontou um esquema de desvios de recursos públicos do Instituto de Atendimento Socioeducativo do Espírito Santo (Iases) que teria tido, de acordo com a denúncia
comandada pelo delegado Rodolfo Laterza, da Polícia Civil (ES), participação do juiz Alexandre Farina, irmão de Claudio Farina Lopes, também envolvido no esquema.
Reportagens da Agência Sportlight de Jornalismo Investigativo, demonstraram que Maurício Carlos dos Santos, braço-direito de Paulo Wanderley Teixeira na CBJ recebeu verba pública através de sua empresa para o programa “Minas Gerais Territórios Esportivos”, realizado entre os dias 6 de março a 29 de maio de 2016, repetindo o projeto e o modus operandi no “Bahia Territórios Esportivos”, que chegou a receber R$ 1.818.000,00 (um milhão, oitocentos e dezoito mil reais) em convênio do Ministério do Esporte. Através de notas fiscais e contratos, pode se demonstrar que algumas empresas prestadoras de serviço do contratante eram empregados da própria empresa de Maurício Carlos dos Santos.
Outras reportagens do site mostraram que a confederação realizava seus pagamentos pelo marketing por uma empresa de nome RDH da qual Maurício Carlos, apresentado como diretor de marketing, não constava. Com o artifício, driblavam um impedimento legal em se pagar para dirigentes. Embora nas respostas sempre tenha dito que Maurício Carlos não ocupava cargo, o mesmo foi apresentado em diversos documentos da entidade como diretor de marketing.
Após as reportagens, a entidade passou a pagar o serviço de marketing pela MCS, de Maurício, como mostrou reportagem do site no último dia 30 de janeiro. A CBJ no entanto, seguiu negando que o sócio da MCS tenha cargo.
Outro lado:
NEPOTISMO: 1- Qual era o cargo exercido por Sandro de Oliveira Teixeira na CBJ, filho de Paulo Wanderley Teixeira, durante a gestão do pai?
R- O sr. Sandro de Oliveira Teixeira exerceu, de 01/07/2012 a 02/12/2015, o cargo de Gerente Administrativo.
2- Sabine Froes Teixeira trabalhou na Rio 2016 no ano de 2016, quando Paulo Wanderley Teixeira já era vice-presidente do COB. Se o dirigente gostaria de comentar tal fato.
R- Não houve resposta.
3- A CBJ emprega o irmão de Paulo Wanderley Teixeira, o senhor Edson Wanderley Teixeira, na função de “gestor administrativo” no setor financeiro. Se tal prática não constitui nepotismo no entender da entidade.
R- O Sr Edson Teixeira trabalhou na CBJ no período de 01/11/2010 a 03/11/2015 na função de Assistente Financeiro.
4- O senhor Edson Wanderley Teixeira atuou como responsável pelo escritório de Vitória da CBJ, fechado no ano passado. Qual a razão para existência de tal escritório e os custos do mesmo?
R- Vitória foi, de 2009 a 2015, uma base logística para equipamentos de competições da CBJ em virtude de sua posição estratégica para todos as regiões do país. O custo mensal de manutenção do escritório era de R$ 1.840,00.
5- O senhor Edson Wanderley Teixeira participou diretamente da avaliação de processos de licitação de prestadores de serviço da CBJ. Se tal fato não compromete a lisura dos processos, devido ao parentesco com o presidente?
R- Os únicos pregoeiros certificados para as avaliações dos processos de licitações são os Gestores Financeiro e de Projetos da CBJ, não tendo o Sr Edson Teixeira ocupado tais cargos.
Sobre a contratação da empresa Fibra:
A reportagem questionou a CBJ, através da assessoria de imprensa, sobre a razão da escolha de uma empresa do Espírito Santo para tais serviços na sede da confederção, que respondeu que “a CBJ realizou um processo de tomada de preços e optou pela contratação da empresa Fibra Serviços, uma vez que apresentou a melhor proposta”.
A CBJ foi questionada também sobre tal empresa, a Fibra Serviços, ter um histórico corrido repleto de escândalos, com o sócio Claudio Farina Lopes denunciado em fraudes de licitação por essa empresa em diferentes prestações de serviço. E, se, ao contratar tal empresa, a CBJ conhecia esse histórico. Se não conhecia, como fez tal contratação?
A CBJ respondeu apenas “que realizou um processo de tomada de preços e optou pela contratação da empresa Fibra Serviços, uma vez que apresentou a melhor proposta”.
A reportagem tentou contato com os responsáveis pela Fibra Serviços, sem sucesso.