Empresário preso na Lava Jato por negócios com organização criminosa de Cabral tem time de futebol no Rio de Janeiro
Depois de cruzar com o esporte olímpico através de Carlos Arthur Nuzman, a Lava Jato tem um encontro marcado com o futebol.
Jorge Picciani, ex-presidente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (ALERJ), é sócio de dirigentes de futebol em empresas denunciadas pela Força Tarefa da Lava Jato do Ministério Público Federal-RJ por lavagem de dinheiro.
Um deles é Carlos César da Costa Pereira, dono da Artsul Tubos e Concretos, que tem um time de futebol com o mesmo nome, o Artsul Futebol Clube, um pequeno clube da segunda divisão do Rio que somente entre 2009 e a atual temporada, entre chegadas e saídas, movimentou 35 transações de jogadores, sendo que 5 negociações internacionais. Em 2016, na gestão de Eurico Miranda, o Vasco fechou parceria com o clube da baixada, levando as categorias de base para que usassem as estruturas do Artsul e fornecendo em troca jogadores não utilizados pelo time de São Januário. Carlos César foi preso na “Operação Cadeia Velha”, em 14 de novembro último.
O outro é Plínio Serpa Pinto, homem forte do futebol rubro-negro nos tempos de Kleber Leite até recentemente, quando foi vice-presidente de gabinete da presidência na atual gestão de Eduardo Bandeira de Mello. (ver reportagem “Ex-dirigente do Flamengo é sócio de Jorge Picciani. Empresa está citada na Lava Jato por lavagem de dinheiro e corrupção”).
Plinio Serpa Pinto e Carlos Cesar são sócios de Picciani na Empresa de Mineração Coromandel ltda. Citada na denúncia que desencadeou a Operação Cadeia Velha, em 14 de novembro do último ano, que levou Jorge Picciani e o próprio Carlos Cesar para a prisão. A Coromandel é apontada pela Força Tarefa da Operação Lava Jato do Ministério Público Federal-RJ, como uma das “pessoas jurídicas vinculadas diretamente envolvidas nos atos de corrupção e as que se relacionam com a lavagem de ativos”. (ver mais detalhes sobre a Coromandel na reportagem sobre Plínio Serpa Pinto).
Desde 2010, Carlos Cesar passou a ter R$ 25 milhões em contratos com o governo do estado, ainda sob a gestão de Sérgio Cabral, através da Artsul Tubos e Concretos. Teve a prisão preventiva decretada por ter sido um dos favorecidos pela “organização criminosa” (ORCRIM) de Cabral, Picciani, Paulo Melo e Edson Albertassi, como está na denúncia:
“A percepção da importância e influência no estado do Rio de Janeiro dos deputados estaduais JORGE PICCIANI, PAULO MELO e EDSON ALBERTASSI, todos do mesmo partido do ex-governador SÉRGIO CABRAL e ocupantes dos mais elevados e influentes cargos no legislativo fluminense, que motivou as empresas favorecidas indevidamente pela ORCRIM a manter relações com esses políticos tendentes a favorecê-los. As vantagens indevidas recebidas pelos deputados estaduais em troca de atos de ofício de favorecimento aos empresários consistem desde a entrega de dinheiro diretamente a eles ou a seus representantes até a doações de campanhas de forma oficial e não oficial, como maneira de devolução ou adiantamento das benesses já recebidas ou por receber. Passa ainda, por meios mais sofisticados como a associação comercial a setores que se beneficiam direta (contratos) ou indiretamente (isenções) de atos do poder público”.
O nome de Carlos César apareceu na delação de Marcelo Traça, ligado a Fetranspor. De acordo com o relato, “foi responsável pelo recente recebimento de parte da propina oriundo da FETRANSPOR”.
O empresário é sócio ainda do filho de Jorge Picciani, Felipe, também preso, na Tamoio Mineração, onde consta ainda Walter Faria na sociedade, sendo este o dono da Cervejaria Petrópolis, envolvida em diversos escândalos na Lava Jato. De acordo com o MPF, Carlos César consta como comprador da Tamoio, tendo feito investimentos de dez milhões de euros, já com a família Picciani na sociedade. Numa operação apontada pela força tarefa como típica de lavagem de dinheiro, a Tamoio fez diversas transações com a Agrobilara. Foi pela Tamoio ainda que, de acordo com a denúncia, a Odebrecht fez diversos pagamentos para Jorge Picciani.
Carlos César, diz o MPF, “participou da aquisição de gado em conjunto com a Agrobilara , sendo possível que arcasse com o custo total da compra, o que possibilitaria acréscimo patrimonial a Picciani”.
Os tentáculos do sócio de Picciani no futebol se relacionam com a empresa envolvida no escândalo. Fundado como clube empresa em 2001, o Artsul Futebol Clube tem um moderno centro de treinamento ao lado da empresa Artsul Tubos e Concretos. Disputou as diversas divisões do futebol do Rio até 2008, quando se licenciou, voltando no ano seguinte.
Time do sócio de Picciani fez 35 transações internacionais entre 2009 até aquiNa base de dados da Receita Federal, os três sócios do Artsul Futebol Clube ltda compõe uma empresa familiar, como na concreteira: além de Carlos César da Costa Pereira, estão Cristiano da Costa Pereira e o majoritário, Nivaldo Pereira, presidente e que dá o nome ao estádio, conhecido como “Nivaldão”.
No site do clube, a transparência é exaltada como a virtude da instituição: “O Artsul FC, fundado em 19 de junho de 2001 por seu presidente Nivaldo Pereira, empresário conceituado da Indústria da Construção Civil, de origem humilde, enxergou no futebol (sua principal paixão), através de um trabalho sério e transparente, uma maneira de ajudar crianças e jovens com talento a se desenvolverem”.
O site “Transfermarket”, referência para consultas de transações entre clubes do mundo inteiro, assinala 35 transações, entre entradas e saídas do Artsul Futebol Clube entre 2009 até aqui. Algumas como a de Geovane Maranhão, chamam atenção pela rotatividade e datas das transações. Tendo chegado em 1/3/2009, saiu em 1/1/2010 para o Vasco, voltando em 30/6/2010 para o Artsul, e no dia seguinte ido para o Duque de Caxias. Voltou para o Artsul em 1/5/2011 e dois meses depois, em 1/7 foi para o Belenenses, de Portugal. Seguiu rodando, passando por Resende, Madureira, Botafogo, Portuguesa, até chegar ao Al Hilal Ondurman, do Sudão, onde está. O site aponta o valor de mercado em 250 mil euros.
Das divisões de base do Vasco também saiu o meio de campo Hugo Lavouras, que fez apenas uma breve escala entre 1/1/2016 até 1/7/2016 no Artsul, indo nesta data para o Thalwil, da quarta divisão suíça, onde jogou, desde então, 283 minutos. De acordo com o site, a custo zero.
O Artsul Futebol Clube não está citado na denúncia da “Operação Cadeia Velha” como instrumento para lavagem de capitais, mas outras empresas de Carlos César da Costa Pereira estão entre as “pessoas jurídicas vinculadas diretamente envolvidas nos atos de corrupção e as que se relacionam com a lavagem de ativos” que constam da peça.
Se a equipe do sócio de Picciani não está denunciada no processo de lavagem como as demais empresas, de maneira geral o futebol é há décadas apontado como um dos principais instrumentos que podem possibilitar lavagem de capitais.
Na Colômbia, desde os anos 70 existem apontamentos para tal prática pelo futebol. O presidente do Nacional entre 1970 e 1984, Hernán Botero Moreno foi extraditado para os Estados Unidos, onde foi condenado pela lavagem de ativos. No ano de 1983, o então Ministro da Justiça, Rodrigo Lara Bonilla, denunciou o Atletico Nacional, o Santa Fé, o Milionarios, o Deportivo Medellin, o Deportivo Pereira e o América de Calli por lavagem de dinheiro. Em 2008, o Atlético Bucaramanga, Real Cartagena y Depor foram suspensos de competições pelos crimes de lavagem de dinheiro. As grandes organizações criminosas colombianas, ligadas ao narcotráfico, se valeram das maiores equipes para tal fim. Na década de 90, o América de Cáli chegou a fazer parte da “Lista Clinton”, na qual os Estados Unidos marcavam instituições usadas para lavar dinheiro em serviço ao narcotráfico e terrorismo.
No México, o futebol não é diferente e amplos registros dão conta do uso do futebol por lavagem de dinheiro. Assim como em diversos países da Europa, onde mesmo grandes clubes, protagonistas de Liga dos Campeões, são citados com tal uso.
GAFI enumera inúmeras razões para que o futebol seja cobiçado para lavagem de capitaisPeriodicamente, a Força Tarefa de Ação Financeira (FATF) do GAFI (Grupo de Ação Financeira) intergovernamental, de caráter mundial, se reúne e avalia questões de lavagem de dinheiro ligadas ao futebol. Entre tantas razões e tópicos, aqui extremamente sintetizados, foram enumerados pela Força Tarefa para uso do futebol em lavagem de dinheiro:
– Mercado é fácil de penetrar
-Falta de profissionalismo na gestão
-Complexidade do setor e interdependência entre os diferentes atores
-Diversidade de estruturas legais
-Somas consideráveis envolvidas, caráter irracional do somas envolvidas e imprevisibilidade sobre resultados futuros
-Variedade de fluxos de dinheiro envolvendo várias transações financeiras aumentando o risco de lavagem de dinheiro
-Investimentos em clubes de futebol podendo se integrar facilmente a dinheiro de origem ilegal
– Status que o futebol pode conceder a criminosos (“os “sugar daddy”)
Casos em que empresas são financiadoras de um clube próprio, na maioria dos casos de pequeno porte também foram os mais anotados pela Força Tarefa, que deixou o seguinte testemunho sobre tal mecanismo:
Não são apenas os grandes clubes que tem capacidade de lavanderia. As formas de financiamento de pequenos clubes de futebol, sejam amadores ou profissionais também são vistas potencialmente como focos de lavagem:
“Após a recepção de aviso feito por um contador, uma federação européia investigou um caso sobre o financiamento de uma equipe amadora de futebol. As contas do clube estavam em déficit e foram equilibradas no final da temporada por pagamentos excepcionais de um empresário através de várias empresas. O empresário era o presidente do clube. Contudo, seus investimentos apareceram suspeitos pelas seguintes razões:
o financiamento foi feito sem qualquer compensação negociada, nem financeira nem esportiva. O financiamento foi feito através das empresas do próprio investidor: os montantes aplicados no clube foram extremamente desproporcionais às possibilidades financeiras das empresas”.
“A investigação posterior da federação revelou que a informação contábil de algumas das empresas não tinham sido corretamente registradas como exigido pela lei. Então não era possível verificar as capacidades financeiras exatas dessas empresas. Finalmente, a análise financeira revelou lacunas entre os documentos contábeis, mostrando a fuga dos vários pagamentos para financiar o clube e os fluxos financeiros observados no banco de contas das várias empresas do investidor em questão, o presidente do clube. Por retirada excessiva de fundos do tesouro de suas empresas sem justificação econômica e de forma que comprometa o equilíbrio financeiro da empresas, e uso ruim dos ativos da empresa, o que é uma ofensa criminal, os fundos derivados desta infração são ilegais e seu uso para financiar o clube de futebol constituem uma ofensa. O caso foi transmitido ao público pelo promotor com base em um processo pelo uso indevido de ativos da empresa e lavagem de ativos da empresa”.
Embora ainda falte a apuração do papel de inúmeros dirigentes e confederações regadas por dinheiro público vindo de estatais, o mundo olímpico já foi atravessado pela Lava Jato através de seu principal comitê e com o número um chegando a ser preso e denunciado por parte de organização criminosa. Mas a Lava Jato ainda não penetrou nos clubes de futebol, potenciais máquinas de lavagem de dinheiro. No entanto, pessoas físicas e empresas ligadas ao futebol começam a aparecer.
Outro lado:
A reportagem tentou contato com o Artsul Futebol Clube, assim como com a empresa Artsul Tubos e Concretos, por diversas vezes, por diferentes formas, sem sucesso. Caso os contatos sejam respondidos, a publicação será atualizada com a resposta.