“Amigos do Rei” (parte 2): transação entre Rodrimar e JBS/Eldorado começou com utilização de empresa fantasma
Foi usando uma empresa fantasma que começou a já célebre transação entre a Rodrimar e a Eldorado Celulose (JBS) abençoada por Michel Temer com a frase “vou ver o que posso fazer”. Em depoimento prestado à Polícia Federal horas depois de ser preso na última quinta-feira, 29, Antônio Celso Grecco (foto acima), presidente da Rodrimar, afirmou que “montou a empresa Rishis para comprar uma área da empresa Estrada” (Estrada Transportes). Na sequência, a Rishis foi vendida para a Eldorado. No entanto, ao contrário do que afirmou no depoimento, Grecco não “montou” a Rishis.
Constituída em 14 de junho de 2010, a Rishis teve como fundadores Ivan Santos Freire e Valdison Amorim dos Santos. A presença dos dois na constituição do negócio é indicativo de um modo de atuação incomum e que, de acordo com policiais federais, contadores e especialistas em direito administrativo e tributário, pode apontar negócio fraudulento e propiciar lavagem de dinheiro. A dupla é velha conhecida das páginas de escândalos e fraudes financeiras que tiveram um mesmo modus operandi: a montagem de empresas que passaram a ser chamadas de “fantasmas”, e cujo objetivo era a venda logo em seguida para outras maiores. (ver abaixo. Reportagem segue depois da arte:)
Entre 2007 e 2010, Ivan e Valdison criaram cerca de 50 empresas, todas com capital de R$ 100 e dias depois venderam para grupos maiores.
No meio de todas essas operações há um caso mais célebre nas empresas de R$ 100 abertas pela dupla Ivan Santos Freire e Valdison Amorim dos Santos e vendidas logo em seguida, similares a Rishis: o que desembocou no escândalo do Banco Panamericano, no fim da década passada.
Em 2009, dois diretores do banco, controlado pelo grupo Silvio Santos, compraram a Antillas Empreendimentos e a Razak Empreendimentos, ambas abertas pelos dois poucos dias antes. Os dois diretores do Panamericano arremataram as empresas de Ivan Santos Freire e Valdison Amorim dos Santos uma semana depois da Caixa Econômica Federal anunciar a compra de 35,54% do banco, por R$ 739,3 milhões. (aproximados R$ 1,209 bi hoje, de acordo com o IGP-M). Em 2011, o Panamericano foi vendido para o BTG Pactual. Em 2017, a Polícia Federal instaurou a Operação Conclave, que investiga a atuação de agentes públicos responsáveis diretos pela assinatura dos pareceres, contratos e documentos para a compra e venda de ações do Banco Panamericano para a Caixa e a posterior negociação do Panamericano para o BTG Pactual.
A operação da Rishis citada por Grecco no depoimento à Polícia Federal obedeceu a esse mesmo padrão. Apenas duas semanas depois de constituída a Rishis (14 de junho de 2010) por Ivan Santos Freire e Valdison Amorim dos Santos, os dois deixaram a empresa, como está registrado em “assembleia” do dia 1º de julho (ver documento abaixo). Na ata, a Rishis “aceita o pedido de renúncia dos atuais diretores da companhia, os srs Valdison Amorim dos Santos e Ivan Santos Freire, agradecendo-os desde já pelos serviços prestados”. E completa: “tendo em vista a renúncia dos atuais diretores da companhia”, nomeia para diretor-presidente Antônio Celso Grecco. O objeto muda de “outras participações em sociedades” para “transporte rodoviário de carga”. E dos R$ 100 de sempre das sociedades abertas pela dupla Ivan e Valdison, o capital pula para R$ 600.000,00 (seiscentos mil reais).
A sequência da história da Rishis, montada a partir de empresa fantasma e logo em seguida assumida por Antônio Celso Grecco com a intenção, como está no depoimento do próprio dono da Rodrimar, de comprar a Estrada e botar a mão em mais áreas do Porto de Santos, é marcada permanentemente por uma marcha paralela: as autorizações de expansão obtidas pela Estrada, a compra desta pela Rishis e a entrada em cena da Eldorado como acionista da nova empresa de Grecco.
No entender do Ministério Público Federal(MPF) emitido na época da denúncia do escândalo da escuta que ligou Michel Temer ao Porto de Santos, a negociação envolvendo Rodrimar e JBS na Rishis foi uma “cartada de mestre”. Junto com a autorização para a Estrada operar um terminal, a Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp) dá o aval, no mesmo aditivo, para o arrendamento a terceiros. Em paralelo, a Rishis é criada como empresa fantasma por Ivan Santos Freire e Valdison Amorim dos Santos e logo assumida por Grecco. Um ano depois, em 2011, a Rishis compra esta área do terminal pertencente a Estrada Transportes, que passa a ser chamada de “Área Rishis”. E ao mesmo tempo, o grupo JBS, que abria uma fábrica de celulose, a Eldorado, com objetivo de exportação e com necessidade de área no Porto de Santos para escoar a produção, compra, em agosto de 2011, 46% das ações da Rishis. (ver cronologia ao fim desta reportagem)
Ricardo Saud, o “homem da mala” da JBS, está entre os diretores da empresa envolvida na transação Rodrimar/EldoradoEm 2014, a Eldorado arremata o resto das ações e fica com 100% da Rishis, pagando parte do valor em espécie para a Rodrimar. No dia 14 de janeiro de 2014, Grecco deixa a Rishis. E quatro meses depois, em 29 de maio, um dos homens da JBS a assumir a Rishis, como mostram os documentos da empresa, é exatamente Ricardo Saud, protagonista do “escândalo da mala”, no qual entrega R$ 500 mil para o “faz-tudo” de Michel Temer, Rodrigo Rocha Loures. Ricardo Saud assume cargo na Rishis como “diretor sem designação”. Mais tarde, uma das designações de Saud a qual se teve conhecimento era a de “homem da mala” do grupo JBS. (reportagem segue depois do documento abaixo:)
Imediatamente após se tornar proprietária da Rishis, a Eldorado iniciou obras no terminal adquirido do Porto de Santos. A Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp) embargou a construção e exigiu mais documentos.
A Codesp é reconhecida área de influência de Michel Temer. Somente entre 1995 a 2000, três de seus indicados ocuparam o cargo: Marcelo Azeredo (1995-1998), Paulo Fernandes do Carmo (1998-1999) e Wagner Rossi (1999-2000), preso também na última quinta-feira.
Com o embargo, o “homem da mala” da JBS ligou para Michel Temer, como está em delação do próprio Ricardo Saud e foi à Brasília. Antônio Celso Grecco também foi até Temer, como contou no depoimento prestado na última quinta-feira. E, ao pedir uma solução para o embargo, ouviu do amigo: “Vou ver o que posso fazer”. Diferentemente do que falou em depoimento no mês de dezembro, quando afirmou não ter tratado sobre o porto com Temer. No último depoimento, Grecco informou que o problema ainda não foi resolvido.
Na noite do último sábado, 31, Grecco e os demais presos dois dias antes na Operação Skala foram soltos após parecer de Raquel Dodge, Procuradora Geral da República, pela soltura e a decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal, Luis Roberto Barroso, referendando o parecer.
Se o desfecho do escândalo envolvendo os “amigos do rei” ainda é desconhecido e eventual denúncia contra Michel Temer acatada pelo Congresso ainda é uma incógnita, já se sabe ao menos como começou esta história: com o uso de uma empresa fantasma.
CRONOLOGIA:
2002- Estrada Transportes arrenda área de 5.653 metros quadrados no Porto de Santos que incluía os armazéns 13 e 18.
2005- um aditivo dobra a área.
2010 – a Estrada Transportes é transformada em operadora de terminais e autorizada pela Codesp a juntar áreas adjacentes sem viabilidade de serem licitadas separadamente e, no mesmo aditivo, autorizada a arrendar sua própria área para terceiros.
2010- Simultaneamente, é criada a Rishis por Ivan Santos Freire e Valdison Amorim dos Santos, envolvidos em outros escândalos de criação de empresas fantasmas. Duas semanas depois renunciam e Antônio Celso Grecco aparece como diretor-presidente da Rishis.
2011- A Rishis compra a área do terminal pertencente a Estrada Transportes, que passa a ser chamada de “Área Rishis”.
2011- O grupo JBS abre a Eldorado, fábrica de celulose, com objetivo de exportação. Com a necessidade de área no Porto de Santos para escoar a produção, a JBS/Eldorado compra, em agosto de 2011, 46% das ações da Rishis.
2014- A JBS/Eldorado arremata o resto das ações e fica com 100% da Rishis, pagando parte do valor em espécie para a Rodrimar.
Outro lado:
Antônio Celso Grecco – a reportagem enviou pedido de resposta para Grecco através da defesa, sem resposta.
Ivan Santos Freire e Valdison Amorim dos Santos – a reportagem não conseguiu encontrar os dois. Caso algum contato seja feito, a devida resposta será publicada aqui.
Atualização, terça, 3/4/2018:
Nota da reportagem:
A JBS, através da assessoria de imprensa, enviou o pedido de correções (ver abaixo). No pedido, informa que a JBS jamais teve negócios com a Rodrimar e que a Eldorado é fundada e controlada pela J&F e que ela jamais teve negócios com a Rodrimar. A reportagem informa que foi o próprio Ministério Público Federal que considerou a “a negociação envolvendo Rodrimar e JBS na Rishis foi uma cartada de mestre”.
A nota contesta Ricardo Saud identificado como “homem da mala da JBS”, afirmando que ele era Diretor de Relações Institucionais da holding J&F e que “O executivo não tem qualquer cargo na JBS”. Não contesta a informação sobre Ricardo Saud ter sido nomeado diretor da Rishis em 29/5/2014, como estão nos documentos obtidos pela reportagem. Na verdade, a informação relevante do texto.
Quanto a contestação de Ricardo Saud ser chamado de “homem da mala da JBS”, o título de “homem da mala da JBS” não é apenas da reportagem. Na “CPMI da JBS”, em 2017, Ricardo Saud compareceu como do grupo JBS, optando em ficar calado. Na delação premiada que fez, o acordo firmado era de delação entre JBS e PGR. Desde então, é chamado por toda a imprensa como “Homem da mala da JBS”, o responsável por operar o suborno em nome do grupo.
De qualquer forma, a Agência Sportlight de Jornalismo Investigativo a partir de hoje passará a chamar Ricardo Saud como o “homem da mala da J&S” e não mais o “homem da mala da JBS”. E também como o “Homem da mala” da J&S ter sido diretor da Rishis. Seguem as informações enviadas pela assessoria da JBS:
Enviado pela JBS:
“Em vários trechos a Eldorado Celulose é identificada erroneamente como sendo uma empresa que pertence à JBS. A Eldorado Celulose jamais pertenceu à JBS. Na realidade, a Eldorado é uma empresa fundada e controlada pela holding J&F”.
“A JBS jamais teve negócios com a empresa Rodrimar, como consta no trecho: “No entender do Ministério Público Federal(MPF) emitido na época da denúncia do escândalo da escuta que ligou Michel Temer ao Porto de Santos, a negociação envolvendo Rodrimar e JBS na Rishis foi uma cartada de mestre”.
“Ricardo Saud, identificado no texto como “homem da mala da JBS”, na realidade, era Diretor de Relações Institucionais da holding J&F. O executivo não tem qualquer cargo na JBS”.