Exclusivo: saiba como Aldemir Bendine e Ary Graça fizeram uma frase valer R$ 180 milhões no contrato entre o Banco do Brasil e CBV
R$ 180.000.000,00.
Por extenso: cento e oitenta milhões de reais. Pagos por propriedades intangíveis. E por uma frase. Muito mais do que uma frase. Por trás do dinheiro pago pela posse dessas poucas palavras, o segredo para se entender todo o escândalo que marcou o vôlei brasileiro nos últimos anos.
São cento e oitenta milhões de reais por uma propriedade que não exige posterior prestação de contas. Pagos pelo uso do título abaixo:
Foi esse o valor pago pelo Banco do Brasil para a Confederação Brasileira de Vôlei (CBV) para ter o naming rights e usar o título “Patrocinador Oficial do Vôlei Brasileiro” por cinco anos de contrato, entre 2012 e 2017. É o que está no relatório 201407543 da Controladoria Geral da União (CGU), obtido pela reportagem.
Um valor muito acima e fora do mercado nacional, sem paralelo ou fundamentação em qualquer outra entidade ou modalidade do esporte, incluído aí o futebol. Respaldado em ¨estudos de uma reconhecida agência de marketing”, de acordo com o Banco do Brasil.
Dois dos personagens dessa história que movimentou inéditos milhões no esporte brasileiro e cujo súbito aumento do volume de dinheiro desembocou na sequência em um dos maiores escândalos de todos os tempos envolvendo a CBV são conhecidos: de um lado, Aldemir Bendine, ex-presidente do Banco do Brasil, preso por corrupção e lavagem de dinheiro. Do outro, Ary Graça, cuja gestão na Confederação Brasileira de Vôlei (CBV) foi apontada pela Controladoria Geral da União (CGU) por diversas irregularidades.
Um terceiro nome, o responsável pelos estudos que respaldaram o Banco do Brasil nessa mesa de negociações que resultaram no montante sem paralelo por propriedades intangíveis no esporte brasileiro será revelado mais abaixo.
Antes, vale conhecer alguns números de antes e depois da negociação entre as gestões de Aldemir Bendine e Ary Graça que, ao se encontrarem, estabeleceram esse recorde.
Aldemir Bendine assumiu a presidência do banco em 17 de abril de 2009. Na ocasião, ainda eram vigentes dois contratos de patrocínio com a CBV fechados pelo antecessor, Antônio de Lima Neto, com duração até 2012. Um de vôlei de quadra e outro para vôlei de praia, relativo ao Circuito Banco do Brasil. Somados, os dois últimos acordos da gestão de Lima Neto davam R$ 140.680.000,00 (cento e quarenta milhões, seiscentos e oitenta mil reais) por quatro anos de vigência.
No primeiro contrato da gestão de Aldemir Bendine com a CBV, veio o aumento acima de qualquer índice de inflação e do próprio mercado, como mostram os números obtidos pela Agência Sportlight de Jornalismo Investigativo junto ao Banco do Brasil através da Lei de Acesso à Informação.
Os dois contratos (quadra e praia) entre BB e CBV dispararam 134,5% de aumento na gestão Bendine, passando para R$ 329.962.177,95 (trezentos e vinte nove milhões, novecentos e sessenta e dois mil, cento e setenta e sete reais e noventa e cinco centavos), com aumento de um ano na duração, passando de quatro para cinco anos e indo até 30 de abril de 2017.
O segredo para chegarem a um aumento tão substancial foi a negociação de propriedades intangíveis como o título de “Patrocinador Oficial do Vôlei Brasileiro”.
As gestões de Bendine e Graça, como está no relatório da CGU, chegaram ao acordo de que a frase “Patrocinador oficial do vôlei brasileiro”, valia R$ 180.000.000,00 (cento e oitenta milhões de reais), sendo metade R$ 90.000.000,00 (noventa milhões de reais) para o vôlei de quadra e a outra metade para o vôlei de praia, por cinco anos de contrato (2012/2017).
Valor pago pelo BB não tem paralelo no mercado mesmo considerando propriedades do futebolUm número que não encontra paralelo em qualquer outra venda do tipo no esporte brasileiro.
Divididos por cinco anos, os R$ 180.000.000,00 (cento e oitenta milhões de reais) pagos pelo BB para a CBV ficam em R$ 36.000.000,00 (trinta e seis milhões de reais por ano).
Breves exemplos para se entender a dimensão do quanto o número de R$ 36.000.000,00 (trinta e seis milhões de reais por ano) foi acima de qualquer parâmetro de mercado:
– Palmeiras: recebeu pelos naming rights “Allianz Park”: R$ 15.000.000,00 (quinze milhões de reais) anuais por 20 anos, total de R$ 300.000.000,00 (trezentos milhões de reais) em vinte anos de contrato.
– Atlético Mineiro teve proposta de R$ 60.000.000,00 (sessenta milhões de reais) por 10 anos de contrato com a MRV Engenharia, seis milhões por ano para batizar um futuro estádio do clube.
– Atlético Paranaense recebia em 2008 da Kyocera Mita América R$ 5.200.000,00 (cinco milhões e duzentos mil reais) anuais pelo nome do estádio.
Todos clubes populares de futebol e com propriedades negociadas mais baratas do que as da CBV para o BB.
Voltamos aqui ao ponto da reportagem em que se relatou a existência de um estudo que respaldou o BB a fechar tal número sem paralelo no mercado pelo uso das propriedades e da frase “Patrocinador Oficial do Vôlei Brasileiro” que mudou o vôlei brasileiro de patamar e deu início ao processo que desencadeou uma série de escândalos na CBV.
BB contratou empresa do ex-treinador José Carlos Brunoro para estudos sobre propriedadesComo se chegou a esse valor recorde?
Na gestão Aldemir Bendine, o BB contratou uma empresa de marketing esportivo. Missão: realizar o estudo que daria os subsídios para se bater o martelo quanto ao valor do patrocínio.
Nome do estudo: “Avaliação Econômica e Estratégica do Projeto Vôlei Brasil”.
As entidades sempre citaram que “uma renomada empresa de marketing” foi contratada, sem jamais citar qual.
Através da Lei de Acesso à Informação, a Agência Sportlight de Jornalismo Investigativo obteve tal informação.
Foi a Brunoro Sports Business Marketing a autora do estudo que respaldou tal valor.
Pertencente a José Carlos Brunoro. Ex-jogador e treinador de vôlei, contemporâneo nas quadras do então presidente da CBV, Ary Graça.
A reportagem perguntou ao BB, através da assessoria de imprensa, se a instituição não considerou que existia um impedimento ético para que a empresa de Brunoro fosse a autora de tal estudo, devido a proximidade dele com a modalidade e sendo ex-companheiro de Ary Graça, então presidente da CBV, nas quadras. O BB negou tal impedimento (ver íntegra da questão e resposta abaixo em “Outro Lado”).
A mesma pergunta sobre não haver um impedimento ético para que Brunoro fosse o autor de tal estudo foi feita ao próprio. José Carlos Brunoro negou ter relações pessoais com Ary Graça apesar dos anos de convivência. Negou ainda que o estudo realizado por sua empresa tenha chegado ao número estabelecido posteriormente por BB e CBV, afirmando ter entregue o estudo com valor bem menor mas não saber a qual valor BB e CBV chegaram em seguida. (ver íntegra da resposta de José Carlos Brunoro abaixo em “outro lado”).
Há uma divergência de tempo entre a abertura da Brunoro Sports Business Marketing e a assinatura do contrato entre Banco do Brasil e CBVUm outro fato chama atenção nesta ação entre as gestões de Aldemir Bendine, Ary Graça e o estudo de Brunoro: há uma divergência de tempo entre a abertura da Brunoro Sports Business Marketing e a assinatura do contrato entre Banco do Brasil e CBV. A empresa de marketing foi oficialmente aberta no dia 1º de agosto de 2012. E o contrato entre Banco do Brasil e CBV data de 20 de abril de 2012, portanto quatro meses antes da abertura da empresa.
Em um primeiro contato telefônico, questionado sobre tal diferença nas datas, Brunoro pediu um tempo. “Vou verificar isso. Não me lembro dessas datas”. Posteriormente, enviou cópia do registro na Receita Federal da empresa BSB Marketing Esportivo, aberta em 13 de fevereiro de 2006, CNPJ 07.906.678.0001-87, com a afirmação de que “Este é o CNPJ da empresa”.
A reportagem enviou nova questão, lembrando que o contrato para o estudo com o BB foi feito pela Brunoro Sports Business Marketing, CNPJ 16.813.731/0001-96 e não com a BSB. Brunoro respondeu que iria “verificar novamente”. Em nova resposta, afirmou que “esta situação ocorreu há 6 anos atrás, com mudanças de controle expressivas. Nesta ocasião inclusive eu já não era majoritário.Inclusive funcionários saíram da empresa e o que liderou este estudo. Quanto possivelmente eu ter aberto outra empresa não significa que eu tenha cometido qualquer ilícito”, afirmou.
O relatório da CGU questiona também o fato de que, apesar da venda milionária da propriedade do título de “Patrocinador Oficial do Vôlei Brasileiro”, a CBV não observou tal direito ao BB com exclusividade e voltou a vender o título, com pequena variação, para outra empresa. Relatório da CGU:
“Por fim, verificou-se que a CBV não deu a devida atenção ao princípio da boa fé e do respeito ao pactuado (pacta sunt servanda) ao negociar com outro patrocinador título com teor semelhante àquele garantido com exclusividade ao Banco do Brasil. Considerando que estava acordado entre as partes (Cláusula contratual Oitava- Obrigações da Patrocinada): “I. Respeitar a exclusividade no segmento financeiro do patrocínio ora instituído, bem como da utilização do título de ‘Patrocínio oficial do vôlei brasileiro’ vedada a utilização deste por qualquer outra pessoa ou empresa no Brasil ou no exterior…”
…”II. Conceder ao Patrocinador o título de ‘Patrocinador Oficial’ e exclusivo no segmento financeiro, para os eventos estabelecidos na cláusula primeira, objeto do presente contrato”. A Confederação Brasileira de Voleibol assegurou em contrato a este outro patrocinador o direito de utilizar títulos que caracterizavam qualidades do produto com voleibol brasileiro. Claro está que o Banco do Brasil não poderia prever em contrato todas as combinações e trocas de palavras e expressões que poderiam resultar em títulos como estes que a CBV concedeu ao outro patrocinador, mas a intenção dos contratantes não pode ser desconsiderada. Também não pareceu razoável verificar que apesar da disparidade de valores, os patrocinadores foram equiparados de forma simplista, permitindo ao outro patrocinador catalisar seus ganhos em cima do nome, da imagem e dos investimentos do Banco do Brasil”.
“Também deve ser pontuado que a entidade patrocinada concedeu o uso do nome “Banco do Brasil” (nos títulos “Protetor Solar Oficial do Circuito Banco do Brasil” e “Parceiro Oficial do Circuito Banco do Brasil”), ainda que se tratasse de parte do nome do campeonato, ao outro patrocinador, sem qualquer consulta ou permissão do BB”, diz o relatório.
Questionado pela reportagem, Ary Graça, atual presidente da FIVB e presidente da CBV na época da assinatura do contrato com o BB, afirmou através da assessoria de imprensa que “de acordo com o contrato de patrocínio da CBV com o Banco do Brasil assinado em 2012, o título de Patrocinador Oficial do Vôlei Brasileiro era exclusivo no segmento financeiro”.
As reportagens do “Dossiê Vôlei”, em 2014 e 2015, mostraram que a CBV pagou para empresas de ex-funcionários pela participação na renovação dos contratos com o BB. Na ocasião no entanto, o banco afirmou que os contratos foram negociados diretamente entre as partes.
Em 19 de abril de 2017, reportagem da Agência Sportlight de Jornalismo Investigativo mostrou que “Relatório de Inteligência Financeira” (RIF) feito pelo COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), órgão da Receita Federal. apontou para vultosos e seguidos “saques em espécie”, “movimentação incompatível”, além de “transferências para terceiros sem justificativa”. Que eram empresas de parentes e pessoas ligadas a entidade. Entre outros “indícios de atipicidade nas transações”, de acordo com o RIF. Empresas como a S4G, de Fábio Azevedo, braço direito na gestão de Ary Graça. O relatório mostra como o dinheiro escoava depois de sair da CBV e ir para a S4G.
Outro lado:
Banco do Brasil:
1- Na renovação de contrato entre Banco do Brasil e CBV em 2012, R$ 180.000.000,00 (cento e oitenta milhões de reais), sendo R$ 90.000.000,00 (noventa milhões de reais) para praia e a outra metade para quadra, foram pagos pela propriedade de utilização do título de “Patrocinador oficial do vôlei brasileiro”.
Na ocasião, o banco, presidido então por Aldemir Bendine, contratou uma empresa de marketing esportivo, que realizou o estudo a avaliar o patamar do novo contrato e valor. Estudo chamado “Avaliação Econômica e Estratégica do Projeto Vôlei Brasil”.
Esta empresa era a Brunoro Sports Business Marketing, de José Carlos Brunoro, contemporâneo nas quadras de vôlei do então presidente da CBV, Ary Graça. Gostaria de saber se o banco não avaliou existir impedimento ético na contratação de uma empresa de pessoa com notório envolvimento com a outra parte. E qual foi o critério para contratar tal empresa?
Resposta: “A contratação da empresa seguiu rigorosamente a legislação que regulamenta os processos de compras e contratações”.
José Carlos Brunoro:
1- Sua empresa, a Brunoro Sports Business Marketing, foi contratada pelo Banco do Brasil para a realização do estudo “Avaliação Econômica e Estratégica do Projeto Vôlei Brasil”, estudo esse que foi a base para que o BB chegasse ao patamar de patrocínio para a CBV em 2012, elevado em mais do que o dobro do anterior e com valorização recorde no esporte brasileiro pela utilização de uma propriedade como o título de “Patrocinador Oficial do Vôlei Brasileiro”. Sobre tal estudo, gostaria de saber:
Resposta – “A minha empresa foi contratada pelo Banco do Brasil para uma avaliação exclusivamente técnica sobre o valor de Mercado do patrocínio do voleibol. Este estudo foi bastante minucioso sobre rígidos parâmetros técnicos. Quanto ao valor , não podemos divulgar em função do contrato de confidencialidade. Mas essas afirmações acima citadas na sua pergunta são de sua responsabilidade e todas as propriedades foram analisadas e não apenas uma. Quanto ao valor pago pelo Banco não tomamos conhecimento, pois é uma situação exclusiva do Cliente.
A) O valor alcançado com respaldo no estudo acabou sendo acima do patamar de qualquer outro similar no esporte brasileiro por propriedade do tipo. Qual a razão para tal conclusão?
Resposta – “Não sabemos o valor negociado pelo Banco”.
B) Gostaria de saber se não se considerou impedido eticamente de realizar tal estudo devido as relações anteriores a este trabalho de décadas com o presidente da CBV, Ary Graça, seu contemporâneo no vôlei brasileiro
Resposta – “Não tenho e nunca tive amizade com Ary Graça. Amizade significa algo muito próximo que jamais aconteceu. Fomos contemporâneos como atletas, inclusive nunca jogamos na mesma equipe. (nota da reportagem: os dois foram adversários em equipes e jogaram juntos na seleção brasileira). Tenho uma relação normal com todos do vôlei. Deixei o voleibol em 1992 e raríssimas vezes voltei a pisar na CBV, muito menos tive qualquer relação comercial com a entidade.
Ary Graça:
1- Na renovação do patrocínio da CBV com o BB de 2012, a entidade assegurou ao banco a exclusividade no uso do título de “patrocinador oficial do vôlei brasileiro”. No entanto, a CBV fez contrato cedendo o título a outro patrocinador, ainda que com variação semelhante nas palavras. Gostaria que comentasse.
Resposta – “De acordo com o contrato de patrocínio da CBV com o Banco do Brasil assinado em 2012, o título de Patrocinador Oficial do Vôlei Brasileiro era exclusivo no segmento financeiro”.
Aldemir Bendine: A reportagem não obteve contato com a defesa do ex-presidente do BB, preso atualmente em Curitiba.
Fico surpreso de como esses contratos não foram auditados ou questionados na época. Mas, antes tarde do que nunca.