Juninho Paulista dribla o código de ética da CBF e se mantém em negócios no futebol sendo coordenador da seleção
Com um drible no Código de Ética da CBF, Juninho Paulista assumiu cargo de alto executivo da entidade sem deixar os negócios pessoais ligados ao futebol para trás.
Valendo-se de uma estratégia para mudar de função no papel, o ex-jogador, atual coordenador da seleção brasileira, não deixou por completo a possibilidade de lucros em duas empresas em que tinha participações, responsáveis pelo gerenciamento do futebol do Ituano FC, que disputa a primeira divisão do campeonato paulista.
Pelo Código de Ética da CBF, o campeão mundial de 2002 teria que deixar qualquer atuação nas empresas, por “constituir situação de conflito de interesse ter participação em direitos de atletas, clubes, empresas e ativos e bens que possam vir a sofrer valorização direta ou indireta pela atuação da respectiva entidade”. O agora cartola arrumou uma forma de driblar esse artigo 13 do código e assim seguir nas duas frentes, tanto na CBF como mantendo os pés nos negócios em um clube que recebe verba da entidade maior do futebol através de premiações e cujos atletas podem se valorizar se convocados para a seleção. Com um ato na Junta Comercial, deixou de constar como sócio para virar “usufrutuário”.
Foi um drible sutil. Dessa forma: o futebol do Ituano é gerido pela “JP Gerenciamento de Futebol” e pela “Dimache Participações Esportivas” desde 2009, como mostram os balanços financeiros do clube. Ambas com participação de Juninho Paulista. Nos balanços, está dito que tais contratos foram ampliados e prorrogados em 2015 e especifica que a Dimache seguirá gerindo o Ituano até 2030.
Em 9 de abril de 2019, o responsável pela gestão do futebol do Ituano assume como “diretor de desenvolvimento de futebol” da CBF, cargo que já o obrigaria a deixar a participação nas empresas.
Três meses depois, 8 de julho, recebe promoção e é anunciado como o novo coordenador da seleção principal. No lugar de Edu Gaspar, que no dia seguinte é apresentado oficialmente pelo clube inglês Arsenal como diretor técnico.
O cargo na CBF exige a saída de uma empresa que tem negócios ligados ao futebol, como mostra o estatuto. A Dimache, gestora do Ituano, tem dois sócios: a JP Gerenciamento de Futebol e a Oxi Esportes e Entretenimentos.
Em 30 de julho, 22 dias depois de Juninho assumir a coordenação da seleção principal, a Dimache entra no protocolo da Junta Comercial de São Paulo (Jucesp) para comunicar que o ex-atleta deixava a função de gestor da empresa para dar lugar a Paulo Silvestri. Em 7 de agosto o ato é publicado. Com o ato, Juninho deixa o cargo de gestor da Dimache como pessoa física mas a sua “JP Gerenciamento de Futebol” prossegue na empresa.
O drible no estatuto se completa em 7 de dezembro do mesmo 2019. Se já tinha saído da “Dimache” mas a “JP Gerenciamento de Futebol” permanecia, faltava deixar a empresa que leva suas iniciais.
É quando, na “JP Gerenciamento de Futebol”, no lugar da saída como determinaria o Código de Ética, o dirigente da CBF lança mão de uma artimanha muitas vezes usada para mascarar a participação de pessoas públicas com conflitos de interesse: a “JP Gerenciamento de Futebol” comunica a saída de Oswaldo Giroldo Júnior, o Juninho Paulista, da empresa, transferindo sua parte por R$ 992.000,00 (novecentos e noventa e dois mil reais) para Edney Arakaki.
E no ato seguinte, a JP Gerenciamento de Futebol estabelece que Juninho Paulista passa a ser “usufrutuário” do capital desse mesmo Edney Arakaki.
Pelo sistema jurídico do direito civil, o usufrutuário tem posse naquela parte mas não a sua propriedade. E pode assim, mesmo sem constar na sociedade, “obter os seus frutos, tanto naturais como civis”. Assim, para todos os efeitos, o usufrutuário, não tem mais participação acionária na empresa mas pode se beneficiar dos ganhos.
Dessa forma, em resumo, a “Dimache”, administradora do Ituano, tem a “JP Gerenciamento de Futebol” na sociedade mas esta, no papel, não teria mais Juninho, evitando conflito de interesse. Salvo se não tivesse deixado de ser acionista para ser “usufrutuário”. A reportagem mostrou o caso para diversos profissionais da área do direito que foram unânimes em afirmar, ao lerem os documentos, que nessa condição, Juninho Paulista pode vir a receber eventuais ganhos em transações do Ituano e das empresas.
No conselho executivo da Dimache estão ainda o pai de Juninho Paulista, o senhor Oswaldo Giroldo, e também Edney Arakaki, de quem é usufrutuário.
Na história recente do Brasil, o mais famoso usufrutuário foi Eduardo Cunha, o ex-líder da Câmara dos Deputados atualmente preso por corrupção. Em tentativa desesperada para se livrar da perda de mandato, em entrevista ao Fantástico em 2015, afirmou que não era dono das contas no exterior atribuídas a ele e sim “usufrutuário”. Posteriormente, precisou se retratar em sessão da Comissão de Ética do Congressso pela falsa versão, mas alegou que a condição de usufrutuário não representava patrimônio e sim “expectativa de direito”, e portanto não era beneficiário. No fim acabou cassado pela farsa e posteriormente preso.
Saída de Gabriel Martinelli do Ituano para o Arsenal coincide com data da ida de Edu Gaspar para Londres e chegada de Juninho na CBF
Julho de 2019 foi especialmente movimentado em relações comuns e coincidentes entre Edu Gaspar e Juninho Paulista.
Ao mesmo tempo em que Gaspar deixava a seleção para assumir a direção do Arsenal, na Inglaterra, onde foi apresentado no dia 9, Juninho Paulista pegava o lugar dele na CBF, oficializado no dia 8. Uma semana antes, no dia 2, o jovem atacante Gabriel Martinelli, de 18 anos, foi anunciado no clube londrino para onde estava indo Edu Gaspar, em transação, segundo o site Transfermarket, tradicional do mercado do futebol, de 6,70 milhões de euros. O jovem foi revelado no Ituano, gerido por Juninho Paulista e suas empresas, e estava na mira de diversos clubes da Europa.
Cronologia da negociação de Gabriel Martinelli entre Ituano e Arsenal :
2/7/2019: Gabriel Martinelli é anunciado pelo Arsenal
8/7/2019: O ex-gestor do Ituano mas ainda usufrutuário Juninho assume na CBF como coordenador no lugar de Edu Gaspar
9/7/2019: Edu Gaspar deixa o posto de coordenador na CBF e assume o Arsenal
A reportagem enviou questões para Edu Gaspar, Juninho Paulista e o Arsenal, perguntando por quem a transação foi conduzida entre as partes. Se Juninho Paulista e Edu Gaspar participaram, mesmo estando ainda na CBF. Através da sua assessoria de imprensa pessoal, a mesma do Ituano, Juninho Paulista afirmou que paticipou do início da transação mas “já não fazia mais parte da administração do Ituano” no momento da venda. (Ver outro lado ao fim da reportagem).
Gabriel Martinelli está tendo um início arrasador na Premier League inglesa. A avaliação é de que esteja valendo já o triplo do que custou. Com o jovem especulado até para o Real Madri, o Arsenal acena com também triplicar o salário daquele que já marcou 10 gols em 21 jogos e já é o jogador mais jovem da história do clube londrino a fazer gol na estreia como titular na primeira divisão ao empatar o jogo contra o West Ham, no encerramento da 16ª rodada.
Apenas como exemplo de possível interesse de conflitos entre eventual obtenção de lucros como “usufrutuário” da participação na gestão de um clube e a condição de dirigente da CBF: o Arsenal não informa os termos da transação (ver em “outro lado”). Mas no modelo de transações atuais, é comum que entre as metas esteja a remuneração do clube vendedor em caso de convocações do atleta para seleção nacional. Assim, se Gabriel Martinelli vier a ser convocado, hipoteticamente, havendo essa cláusula, o Ituano poderia lucrar com isso. E ainda no campo das hipóteses, a empresa gestora também, tendo o Coordenador da seleção brasileira e também usufrutuário dos ganhos. O jogador já foi convocado uma vez para amistoso da sub-23, atuando na derrota do Brasil para a Argentina por 1×0, em Buenos Aires, no dia 17 de novembro de 2019. Na ocasião, os documentos da “JP Gerenciamento de Futebol” apontam Juninho ainda entre os sócios, já que a mudança para a condição de usufrutuário está registrada apenas no dia 7 de dezembro.
A Berlain Team: Juninho nega relação com empresa em paraíso fiscal que tem documentos em nome de Oswaldo Giraldo JúniorA reportagem encontrou registros de uma empresa em nome de Oswaldo Giroldo Júnior no paraíso fiscal do Panamá, a Berlain Team, aberta em 14 agosto de 2007 no equivalente a Junta Comercial daquele país.
Na documentação, o endereço que consta como de Oswaldo Giroldo Júnior é Banque Safdié AS, em Genebra, Suíça. O dirigente da CBF negou conhecer tal empresa. (ver “outro lado” abaixo).
Ter offshore não é crime, desde que a existência seja comunicada a Receita Federal do Brasil.
Oswaldo Giroldo Júnior, o Juninho Paulista, nega conhecer a Berlain Team, offshore em paraíso fiscal em que consta um “Oswaldo Giroldo Júnior” :
Outro lado:
Juninho Paulista:
A reportagem enviou as questões abaixo para Oswaldo Giroldo Júnior, o Juninho Paulista, através da assessoria de imprensa da CBF, que reencaminhou para a assessoria pessoal de Juninho Paulista, que é a mesma que a do Ituano.
Perguntas:
1- Depois de assumir o cargo de Coordenador da Seleção Brasileira, foram verificadas movimentações nas empresas responsáveis pela gestão do Ituano Futebol Clube nas quais o senhor tinha sociedade, como a JP Gerenciamento de Futebol e a Dimache Participações Esportivas. No entanto, através dessas movimentações, é possível se constatar que o senhor ainda tem algum vínculo com elas, na condição de “usufrutuário”. Também os representantes que entraram em seu lugar nas empresas são os mesmos que assumiram responsabilidades e cargo no Ituano.
2- Gostaria de saber se o senhor não considera que pode haver conflito de interesse e descumprimento do “Código de Ética” da CBF em manter a possibilidade de ganhos com as empresas gestoras de um filiado da CBF.
3- A venda do jogador Gabriel Martinelli do Ituano para o Arsenal se concretizou no exato período em que o senhor assumia o cargo de coordenador no lugar de Edu Gaspar, que foi para o clube inglês. Gostaria de saber se a negociação por parte do Ituano teve sua participação.
4- Em caso negativo, se o senhor não tomou parte, quem conduziu as negociações por parte do Ituano? As empresas JP e Dimache não obtiveram dividendos com a venda? Em caso positivo, o senhor não considera que pode ter existido conflito de interesses em função do cargo ocupado na CBF?
5- O senhor abriu a Berlain Team no Panamá em 2007. A empresa está registrada no Brasil?
Resposta:
“Desde o início do mês de abril de 2019, quando fui oficializado como Diretor de Desenvolvimento da Confederação Brasileira de Futebol, eu deixei a administração do Ituano Futebol Clube.
Sobre a negociação do atleta Gabriel Martinelli com o Arsenal, fui o responsável pelas primeiras conversas no final de 2018 até o acordo em março de 2019. A venda só se concretizou em junho de 2019, quando o atleta completou 18 anos de idade. Quando o contrato foi formalizado, já não fazia mais parte da administração do Ituano. Por fim, desconheço a existência da empresa Berlain Team”.
Arsenal e Edu Gaspar:
A reportagem enviou, através da diretoria de comunicação do Arsenal, questões para Edu Gaspar e para o próprio clube. A assessoria mandou apenas uma resposta para os dois. Ver questões e respostas abaizo:
Para Edu Gaspar:
1. A compra do jogador Gabriel Martinelli se concretizou exatamente no momento em que o Sr deixava o cargo na CBF e ia para o Arsenal. Em seu lugar, ficou o ex-jogador Juninho Paulista, ex-dirigente do Ituano, clube de Martinelli. Gostaria de saber se a negociação do jogador já foi feita pelo senhor, então ainda ocupando cargo na CBF?
2. Em caso negativo, se o senhor não tomou parte alguma, quem conduziu as negociações por parte do Arsenal? Em caso positivo, se não acha que existia conflito de interesses sendo diretor da CBF em negociar o jogador.
3. Em caso de ter participado das negociações, quem era o representante do Ituano nas negociações?
Para o Arsenal:
1. Quem foi o representante do Arsenal nas negociações com o Ituano para contratação de Gabriel Martinelli?
2. Quem era o representante do Ituano nas negociações?
3. Qual foi o preço final? Houve comissão para intermediários? Se houve, quanto?
Resposta:
“A transferência de Gabriel Martinelli foi concluída antes que Edu se juntasse a nós. Não divulgamos pagamentos por transferência nem detalhes específicos sobre transações de transferência para nenhum jogador.”
Grande reportagem! Essa dá uma demissão muito mais embasada que do Coração Valente sofreu. Porém, nas grandes emissoras as reportagens investigativas com denúncias estão escassas. Parabéns Lúcio, sou fã!
Golaço, Lúcio!
Parabéns pela reportagem, Lúcio! Muito boa!
Grande matéria!
Sportlight é uma delícia, mas as tramóias que apontam dão azia. Que bom! Continuem denunciando!
Parabéns Lúcio, continue com esse trabalho sensacional!!!
To acompanhando vcs sempre lá no “Muito mais que futebol”, gosto demais do Podcast!!!
Parabéns Lúcio, mais uma grande matéria, mostrando que o jornalismo independente e de qualidade é cada vez mais necessário.
Sempre mandando super bem!!!
Brilhante, sério e investigativo como sempre! Parabéns!!
Parabéns, Lúcio! Grande trabalho!
Boa tarde,Lucio. Te acompanho no MMQF ,aqui neste site,admiro suas reportagens,análises,opiniões,enfim,acompanho sempre… Pois bem,se puder gostaria que me respondesse na lata. Pq suas reportagens, apesar de extremamente relevantes nao são pautas na mídia,o que realmente acontece ,a chamada grande mídia realmente manipula informações ao gosto de seus interesses? Tem isso? Não só no futebol, mas tb na política,economia, enfim, o que realmente acontece nas editorias de veículos de comunicação no Brasil? Forte abraço -!!!
Lúcio, você é um dos poucos que mantém o jornalismo sério deste país de pé! Parabéns. Mantenha o pique!
Otima matéria, mais profundo do que o oceano raso do Globoesporte
Perfeita a amarração dos fatos feitas nessa reportagem, devo parabenizar a equipe de jornalismo investigativo que tão brilhantemente confeccionou tal reportagem. Por reportagens deste nível, ainda continuo acreditando no trabalho jornalistico isento e imparcial. Parabenizo toda a equipe e principalmente a Lúcio de Castro, de quem sou fã.
Que falta você faz à ESPN Brasil. Que matéria espetacular. Isso sim é jornalismo, e não infinitos debates com viés de polêmica e audiência.
Eu já desisti de encontrar um sopro de vento fresco no Brasil. Pelo excelente trabalho que fez no Ituano, o Juninho parecia ser. Como disse o Casagrande ontem, falando do caso Ronaldinho: o que é legítimo se fala em voz alta.
https://veja.abril.com.br/placar/convocacao-tem-incomodo-sobre-flamengo-polemica-com-juninho-e-ate-barraco/
A informação é perfeita. Mas, precisamos c ok mbinar que, “código de ética da CBF”, é piada. A entidade pode até ter um “código”. Agora, ética, nenhuma.
Muito boa matéria.
Está aí o real motivo pra convocação do Martinelli lada copa do mundo