Doleiro de Cabral era assessor no gabinete da presidência do Tribunal de Contas do Estado
O principal doleiro da “organização criminosa” de Sérgio Cabral Filho estava no coração do Tribunal de Contas do Estado (TCE), o órgão que fiscaliza o governo. Renato Hasson Chebar, que operava para o ex-governador desde 2002, foi nomeado em 1º de junho de 2007 como assistente no gabinete da presidência do TCE, então exercida por José Maurício Nolasco, (de 2007 a 2010), citado em colaboração premiada por recebimento de propina na obra de reforma do Maracanã. A nomeação de Chebar no gabinete da presidência do TCE ocorreu já em pleno funcionamento do esquema, exatos cinco meses depois da chegada ao poder de Cabral em seu primeiro mandato como governador do estado, iniciado em 1º de janeiro de 2007. Sob a matrícula 02/3357/0-6, Renato Chebar permaneceu lotado como assessor da presidência até 11 de abril de 2008.
Exatos dois meses depois da nomeação no gabinete de Nolasco, no dia 2 de agosto, Renato Chebar abriu, em parceria com o irmão Marcelo, a offshore Waderbridge Development no paraíso fiscal do Panamá. A teia de relações dos irmãos Chebar atravessou o centro do mercado financeiro brasileiro, chegando até a sociedade com dirigente do esporte brasileiro.
No entanto, a passagem de Renato Chebar em cargo comissionado no gabinete do então presidente do TCE não foi mencionada no acordo da colaboração premiada que os irmãos celebraram com os membros do Ministério Público Federal (RJ) que integram a Força-Tarefa da Lava Jato.
As relações entre José Maurício Nolasco e Sérgio Cabral, bem retratadas na foto que ilustra a reportagem, foram delatadas em colaboração premiada de Clóvis Renato Primo, ex-executivo da construtora Andrade Gutierrez. Pelo depoimento de Primo, o então secretário de governo de Cabral, Wilson Carlos, pediu que 1% do valor da obra fosse pago para a presidência do TCE, órgão que fiscaliza as irregularidades nas contas do governo do estado. Hoje conselheiro do TCE, Nolasco era o presidente. No depoimento, Primo afirma que “pelo que se recorda, a propina seria destinada ao então presidente do TCE”. E que autorizou o pagamento mas desconhece se o repasse foi feito.
De acordo com reportagem publicada no Globo, (Juliana Castro e Chico Otávio), dos 22 processos relativos à reforma do Maracanã, 21 ficaram parados, sendo que 11 na gaveta de Nolasco. E que só agora voltaram a andar.
A expressão “organização criminosa” para designar o esquema de Sérgio Cabral foi utilizada tanto pelo MPF como pelo juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal do Rio.
O principal operador de um esquema de corrupção que se revelou um dos maiores da história do país estar plantado dentro do gabinete da presidência do órgão fiscalizador não é a única proeza dos irmãos Chebar e a teia de relações de ambos.
Envolvendo milhões de dólares, a operação passava por uma rede de empresas offshores e ainda relacionamento íntimo com o topo do mercado financeiro do país.
A rede de offshores era composta por 10 empresas abertas em paraísos fiscais. Sempre com intermediárias, compondo uma dupla camada, como indicam os clássicos esquemas lavagem de dinheiro. A já citada Waderbridge Development era intermediada pela Global Line Asset Management, que consta intermediando 17 empresas, como mostram os documentos do Panama Papers. Entre elas, a Lexton, controlada pela família dos acionistas da Tamoyo, empresa de viagens que é a maior parceira do Comitê Olímpico Brasileiro (COB) desde a entrada de Carlos Arthur Nuzman na presidência, como mostrou reportagem publicada em 4 de agosto de 2016 (in Lúcio de Castro, UOL: “Família da maior parceira do COB tem offshore ligada a Panama Papers”). A reportagem mostrava ainda que a Global Line, de Laerte Mazza Filho, com endereço no Leblon, Rio de Janeiro, teve seus documentos encontrados em apreensão na 22ª fase da Operação Lava Jato, a Triplo X, realizada em 27 de janeiro, e que tinha como alvo investigados ligados à Mossack Fonseca suspeitos de abrir offshores no exterior para ocultação de propinas.
Laerte Mazza Filho vem de longa tradição familiar entre os doleiros. O pai, Laerte Mazza, da Mazza Corretora, aberta na Rua da Assembleia, centro do Rio, em 1971, notabilizou-se como indiciado por ser operador do esquema que desviou cerca de R$ 2 bilhões do INSS no fim da década de 80, e foi, de acordo com os inquéritos e noticiários da época, o principal responsável pelo envio ao exterior da verba desviada por Jorgina de Freitas, a Jorgina do INSS.
Carlos Arthur Nuzman trabalhou como advogado da Mazza Corretora. Na ocasião da reportagem, foi perguntado ao presidente do COB, através da assessoria de imprensa, se na época ele tinha conhecimento das práticas de Laerte Mazza. “As relações entre advogado e cliente são, por garantia legal, sigilosas”, respondeu então Nuzman.
Além das empresas abertas em paraísos fiscais relatadas na colaboração junto ao MPF, a Agência Sportlight de Jornalismo Investigativo encontrou mais uma: a Inca Tucanas Investment, aberta por Marcelo Chebar na Flórida (EUA), em 17 de junho de 2011, em sociedade com Márcia Chebar. Mesmo depois da assinatura da colaboração premiada, Chebar segue operando a empresa de Miami. A última assinatura de renovação foi na semana passada, dia 9 de março.
A rede de relacionamentos no mercado financeiro nacional também foi vasta. E estabeleceu pontes com figuras de ponta deste mercado. E outros pontos de contato com dirigentes de entidades ligadas ao esporte nacionalA rede de relacionamentos no mercado financeiro nacional também foi vasta. E estabeleceu pontes com figuras de ponta. E outros pontos de contato com dirigentes de entidades ligadas ao esporte nacional. Em 1999, Marcelo Chebar aparece como diretor da Equity CP Corretora de Valores e Câmbio, e acionista com 1,43% das ações. O controlador é Maurício Tadei Barthel Manfredi, com 57,14% das ações. Em 2002, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), impõe uma punição a Equity e a Marcelo Chebar, por irregularidades praticadas no mercado. No ano seguinte os irmãos Chebar começaram a operar para Sérgio Cabral.
De acordo com o depoimento dos irmãos ao Núcleo de Combate à Corrupção do MPF-RJ, da “Força Tarefa Lava Jato”, já nos anos 90, quando tiveram contato com Cabral, o então deputado estadual fazia compras de dólar para viagens ao exterior com Renato Chebar. E, no carnaval de 2002 ou 2003, não se recordando com exatidão, solicitou ajuda para a primeira transação de vulto, a movimentação de US$ 2 milhões da conta “Eficiência”, no Israel Discount Bank of New York.
Maurício Manfredi foi eleito membro da Assembleia Geral do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), presidido por Carlos Arthur Nuzman, em 2009. E foi presidente da Confederação Brasileira de Hipismo (CBH) no biênio 2007 e 2008, em conturbada eleição.
Manfredi tem laços com outro membro do COB no Banco Equity de Investimento e no Banco Prosper: Edson Menezes, ex-presidente da Bolsa de Valores do Rio, homem forte das finanças do comitê, já tendo sido Diretor Financeiro do Conselho Executivo e atualmente diretor estatutário. Com presença forte também no Comitê Organizador Rio-2016, também presidido por Nuzman, onde Edson Menezes ocupou a 1ª Vice-Presidência do Conselho Diretor, abaixo apenas do comandante.
O Banco Prosper foi citado na CPI dos Bingos por supostamente acomodar assessores do então ministro Antonio Palocci suspeitos de operar no caso Waldomiro Diniz. Em troca, o banco teria recebido financiamentos do BNDES.
De acordo com reportagem publicada na Folha de São Paulo em 8 de novembro de 2005, em gravações realizadas a pedido do Ministério Público de São Paulo em 2004 e que foram para a CPI dos Bingos, ficaram registradas articulações entre os dois assessores para que Menezes e Palocci tivessem um encontro. As atribuições de dirigente no COB estavam atrapalhando o encontro, e os assessores reclamavam que “as coisas estavam paradas” em razão da estada de Menezes na Grécia por 40 dias. Em Atenas, Edson Menezes ocupou o cargo de “Subchefe de Missão” na delegação brasileira durante as Olimpíadas.
Uma gravação do dia 8 de setembro registra a volta ao Brasil do banqueiro. “O Edson chegou da Grécia, ficou 40 dias, e algumas coisas ficaram truncadas”, conversam os assessores, que foram monitorados entre maio e setembro daquele ano. As Olimpíadas na Grécia foram entre os dias 13 e 29 de agosto de 2004. Em outro diálogo está dito que “o chefe quer falar direto com o Edson”. O encontro por fim aconteceu no dia 10 de outubro. Posteriormente, Palocci diria que recebeu Menezes no Ministério da Fazenda porque este comandava a Bolsa de Valores do Rio.
Em setembro de 2012, o Banco Central decretou a liquidação do Prosper, além de tornar indisponíveis os bens dos administradores e ex-controladores da instituição. A liquidação se deveu por “sucessivos prejuízos que vinham expondo seus credores a risco anormal, deficiência patrimonial e descumprimento de normas aplicáveis ao sistema financeiro”. Em janeiro de 2016 o Banco Central anunciou o fim da intervenção no Prosper, saindo assim o caso da esfera do banco e indo para a justiça.
Reportagem publicada em 5 de agosto de 2016, (in Lúcio de Castro, UOL: “Homem forte das finanças do COB tem empresa offshore no Panamá”), foi mostrado que Edson Menezes abriu uma offshore no Panamá em 5 de abril de 2013, a Remo Investments. Na ocasião, ouvido pela reportagem através da assessoria de imprensa do COB, Menezes afirmou que a Remo Investments está devidamente declarada em seu Imposto de Renda.
OUTRO LADO:
- A reportagem tentou contato com os irmãos Chebar, sem sucesso.
- As questões abaixo foram enviadas para o ex-presidente e atual conselheiro do TCE, José Maurício Nolasco, através da assessoria de imprensa do órgão. Depois de reiterados pedidos de resposta, a assessoria disse que as questões foram repassadas ao gabinete do conselheiro e respondeu que “a assessoria do conselheiro Maurício Nolasco informou que até o momento não conseguiu contato com ele para responder às suas perguntas”.
As perguntas eram:
1- Em 2007, Renato Hasson Chebar, matrícula 02/3357/0-6, foi nomeado assistente no gabinete do então presidente do TCE, José Maurício Nolasco. Qual a razão para a nomeação, que, pressupõe-se, tenha sido escolha do próprio então presidente.
2- Quem levou Renato Hasson Chebar para o TCE?
3- As atividades fora do TCE de Renato Hasson Chebar eram conhecidas?
4- Se o conselheiro poderia comentar sobre as declarações de Clóvis Renato Primo, ex-executivo da construtora Andrade Gutierrez, em delação premiada para a justiça sobre eventual recebimento de propina por parte do conselheiro quando este era o presidente do TCE.
- A reportagem perguntou para Maurício Manfredi se conhecia as atividades desempenhadas por Chebar, reveladas na colaboração premiada do mesmo junto ao Ministério Público Federal. Transcrição literal da resposta: “Na época que trabalhava na Equitycp, era trader de mercado de ações e opções. Saiu da Equity a pelo menos 16 anos, acredito que em 2000 ou 2001, passou por outras instituições financeiras e segundo li em reportagens, apenas após a morte do Pai foi trabalhar com irmão nessa nova atividade que revelada nas delações”, respondeu Manfredi.