Tribunal americano é palco de disputa que envolve peso pesado do cinema brasileiro e conhecido investidor
Uma disputa entre dois brasileiros está em curso nos tribunais dos Estados Unidos.
Com todos os ingredientes de blockbuster. E fôlego para agitar os bastidores do cinema nacional.
Na meca do cinema e roteiro com ingredientes de Hollywood: acusações de fraude, pirâmide financeira e calote. Milhões envolvidos. Tudo o que compõe os melhores filmes está no processo aberto na “Corte do Distrito Central da Califórnia”.
De um lado está Rodrigo Teixeira, o produtor nacional mais conhecido e com trânsito nos grandes estúdios mundiais, que esteve à frente de “Me chame pelo seu nome”, vencedor do Oscar de melhor roteiro adaptado em 2017 e, entre muitos outros, “Tim Maia”, “O cheiro do ralo”, “Wasp”, “Heleno”, “Alemão” e séries para a TV. Membro da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, votante no colégio eleitoral do Oscar. Rodrigo Teixeira tem como marca maior da carreira a aquisição de direitos autorais de livros para transformá-los em filmes. Em diversas reportagens, apresentações ou festivais, é encontrado como “o nome do cinema brasileiro”.
AUTOR DA AÇÃO TEM CONDENAÇÃO POR CRIME FINANCEIRO
O oponente na contenda internacional é Luiz Mussnich, advogado, mais conhecido como influente homem do mercado financeiro. O relacionamento com o mundo das artes veio bem antes do contato com Rodrigo Teixeira e o cinema. Colecionador de arte, descrito no meio como “incentivador de artistas brasileiros”, foi presidente do Instituto de Arte Contemporânea (IAC), fez parte do núcleo contemporâneo do Museu de Arte Moderna de São Paulo, figura carimbada em leilões e vernissages. Em 1999, com o advento da Lei Pelé, chegou a breve incursão no mundo do futebol, quando trabalhou para transformar o Botafogo de Ribeirão Preto em sociedade anônima, sem ir adiante. Passou por bancos como Garantia, Axial, SRL e BFC, até partir para a área de gestão de patrimônios e fundir sua empresa com a gigante GPS. Foi no mercado financeiro que esteve envolvido em condenação judicial, como em 30 de setembro de 2003, quando foi sentenciado em primeira instância à pena de reclusão com 2,6 anos pela Lei do Colarinho Branco por “efetuar operação de câmbio não autorizada, com o fim de promover evasão de divisas do País” e outros 2,6 anos por “crime contra a ordem tributária”. Como é frequente em crimes de colarinho branco, o caso ficou parado e não transitou em julgado. Em sete de julho de 2014, onze anos depois da sentença em primeira instância, o Supremo Tribunal Federal (STF) publicou a “extinção da punibilidade”. A prescrição em ambos os casos se dá em 8 anos.
Mussnich foi diretor do banco BFC entre maio de 1991 e março de 1995. O BFC tinha Francisco Gros como um dos donos, pai da mulher de Mussnich. O banco foi liquidado extrajudicialmente pelo Banco Central em 1995 e era devedor de R$ 32 milhões em valores da época ao BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), o que não impediu Gros de ser presidente do próprio BNDES posteriormente. Na época, uma ação na justiça pediu o afastamento de Gros do banco e entre outras coisas, citava o fato do banqueiro ser dono de duas empresas em paraísos fiscais. Em mudanças cadastrais posteriores, é Luiz Mussnich que aparece como procurador dessas off shores.
Luiz Mussnich, através de escritórios de advocacia norte-americanos, ingressou recentemente com ação de 23 páginas na corte de Los Angeles. De acordo com a peça, que corre pública naquela justiça, o investidor brasileiro desfila uma série de acusações contra o produtor e pede “indenização e punição” por, conforme o que está escrito, danos causados. A reportagem entrou em contato com Rodrigo Teixeira, que, através da assessoria de imprensa, negou as acusações. (Ver íntegra ao fim em “outro lado”).
FRAUDE, PIRÂMIDE FINANCEIRA E CALOTE: VEJA O QUE ESTÁ NAS 23 PÁGINAS DA AÇÃO
Ao longo das 23 páginas do processo, um rol de acusações é disparado. Desde o detalhamento, de acordo com a parte acusadora, de um esquema de fraude financeira, calote e até de uma espécie de golpe conhecida no mercado financeiro como “Esquema Ponzi”, citado na peça.
O investidor afirma na peça jurídica que o produtor levantava dinheiro para projetos que sequer seriam levados adiante e cita que duas pessoas ligadas ao escritório de Rodrigo Teixeira, um contador e o diretor financeiro, eram conhecedores do fato e teriam confirmado ao investidor, segundo a acusação:
“Maia e Gues, separadamente, admitiram a fraude a Mussnich, com Gues confirmando que conhecia e auxiliou a RT e Teixeira na falsificação de registros para recompensar a investidores insatisfeitos. Além disso, Maia e Gues sabiam que Teixeira estava levantando dinheiro para filmes que ele nunca teve a intenção de fazer e que estavam sendo usados como veículos para simplesmente pagar os investidores insatisfeitos anteriores. Esses atos abertos foram repetidos em 48 supostas produções de filmes e projetos de desenvolvimento”.
O processo cita ainda que o contador teria dito a Mussnich sobre fraude nos livros contábeis: “Gues admitiu pessoalmente a Mussnich em Los Angeles que RT organizaria regularmente seus livros e registros para fazer parecer que a RT tinha despesas legítimas para justificar seu fluxo de fundos”.
Já o “Esquema Ponzi” é tipificado – aqui explicado de forma ampla em seu conceito e não em referência ao da ação em questão, já que esta não foi ainda julgada e provada -, quando ocorre uma operação sofisticada e fraudulenta de investimento do tipo pirâmide e que envolve o pagamento de rendimentos anormalmente altos aos investidores à custa do dinheiro pago por outros investidores que entraram depois. Assim, em vez da receita gerada por dividendos do negócio, o investidor recebe o que é posto por quem entra posteriormente. Até que um dia a tal pirâmide quebra, já que não é sustentável ser infinito o modelo. E os últimos que entraram ficam com o prejuízo.
Ao acusar o produtor e sua empresa do “Esquema Ponzi” para financiar seus projetos, o investidor afirma que “o negócio de Teixeira parece ser constantemente levantar fundos de novos investidores para projetos relacionados ao entretenimento que prometem altos retornos e uma oportunidade de fazer parte”. E que na verdade, os negócios do produtor são “um jogo de fachada envolvendo direitos de propriedade intelectual ao invés de tradicional ações, títulos ou instrumentos de dívida”. Ainda de acordo com a ação, “Teixeira então pega esses fundos, junta-os para vários negócios e despesas pessoais, não conta para os investidores, dá desculpas extraordinárias para não apresentar a conta para esses investidores, e então só paga certos investidores de volta quando esses ameaçam com ação legal contra ele”.
A ação cita o caso de um empresário que teria ameaçado o produtor de denunciar a pirâmide, e, diante disso, obteve pagamentos, afirmando que tal investidor “recebeu dinheiro por seu participação no filme: pagamento de R$ 163.340,00 no dia 6 de setembro de 2018 e R$ 72.300,00 em 3 de agosto de 2019, totalizando R$ 235.640,00”, está descrito.
A pirâmide da qual o produtor brasileiro é acusado está assim descrita na ação:
“Resumindo, Rodrigo Teixeira levantaria dinheiro de investidores para um determinado projeto de filme sabendo que precisava de capital para fazer pagamentos em seus vários contratos de empréstimo com outros investidores: a RT Features pegaria o dinheiro dos novos investidores e o usaria para quitar investidores anteriores ou para fazer pagamentos em seus empréstimos, evitando inadimplência e exposição do esquema. Esta é a definição de um esquema Ponzi. Rodrigo Teixeira não divulgou que estava levantando capital para refinanciar ou pagar dívidas. Os investidores acreditaram que estavam investindo em negócios de produção de filmes nos Estados Unidos”, descreve a peça.
RELAÇÃO ENTRE INVESTIDOR E PRODUTOR COMEÇOU NA COMPRA DOS DIREITOS DE “TIM MAIA”
O investidor detalha na ação como se deu a aproximação com Rodrigo Teixeira no primeiro contato e também conta que ampliou a rede de contatos do produtor, apresentando-o, segundo ele, a milionários investidores. A relação dos dois começou em 2009, quando Teixeira o procurou para investir na compra de direitos de uma obra sobre o cantor Tim Maia. O título em questão era o livro “Vale Tudo – O Som e a Fúria de Tim Maia”, de Nelson Motta.
Em junho de 2013 as filmagens foram iniciadas e em outubro de 2014 entrou em cartaz nos cinemas brasileiros, tendo o protagonista sido interpretado por Babu Santana. Em 2015, foi exibido na TV aberta no formato de filme e de minissérie. A ação descreve o encontro de 2009 assim:
“Ele estava tentando comprar os direitos de publicação de um livro sobre um famoso cantor brasileiro chamado Tim Maia. Teixeira explicou que precisava levantar dinheiro rapidamente para capitalizar sobre a oportunidade potencialmente lucrativa. Mussnich foi convidado a encontrar rapidamente um investidor para Teixeira, a filha de um importante cliente e contato comercial, que estava muito interessada no projeto referente a Tim Maia. Teixeira apareceu com pressa para obter os fundos, então Mussnich agiu rapidamente. Mussnich primeiro estruturou o investimento como um empréstimo e então sugeriu que Teixeira e o investidor prosseguissem sem seu envolvimento. Teixeira mais tarde convenceu o investidor a converter o empréstimo em um investimento de capital”, descreve a peça.
O autor da ação afirma nos autos que outros investidores botaram dinheiro sem retorno e casos em que até um investidor botou um milhão de dólares em um projeto.
“A reputação de Mussnich foi seriamente danificada. Teixeira explorou os parceiros de negócios de Mussnich(…)para obter dezenas de milhões de dólares em investimentos inúteis”.
PEÇA FALA EM ARRECADAÇÃO MAIOR DO QUE PRODUÇÕES REALIZADAS
A acusação fala ainda em desacordo entre os investimentos arrecadados para as produções em que a empresa de Rodrigo Teixeira esteve envolvido e gastos efetivamente empregados:
“Com a ajuda de Mussnich e de sua família, amigos, clientes e parceiros de negócios, Teixeira levantou fundos suficientes para se tornar produtor ou co-produtor de vários filmes. A página pessoal IMDb.com de Teixeira indica que de 2009 a 2020, Teixeira e sua empresa RT estiveram envolvidos na produção de 48 filmes e programas de televisão. A maioria dessas produções foram filmes independentes de baixo orçamento produzidos em conjunto com outros estúdios. Coincidentemente, isso foi durante o período em que Mussnich estava criando consistentemente dinheiro para RT e Teixeira”, diz no processo.
A ação teve entrada nos Estados Unidos porque, além das empresas com sede no Brasil, Rodrigo Teixeira tem outras nos Estados Unidos, possibilitando assim que corra por lá, justificado assim: “cometeu atos ilícitos dentro deste distrito judicial. O local é adequado porque uma parte substancial dos eventos ou omissões que deram origem à reclamação ocorreram nesta comarca”.
A “RT Features” tem sede em Delaware, estado que é paraíso fiscal dentro dos Estados Unidos e uma subsidiária com agente registrado em Santa Mônica, Califórnia. De acordo com os documentos encontrados pela reportagem, a RT Features californiana foi aberta constando a assinatura de Rodrigo Teixeira em 2009 mas nos anos seguintes o nome do produtor já não consta mais. Já as empresas de Delaware jamais apresentam o nome de um sócio, e de acordo com repórteres daquele país ouvidos pela Agência Sportlight, dificilmente se chega aos proprietários, salvo outras conexões. No caso de Rodrigo Teixeira, foi possível confirmar porque a empresa de Delaware indica a sociedade da Califórnia, e nesse estado existe o registro do produtor como sócio.
O autor lamenta ainda na ação que nem depois do Oscar ganho com “Me chame pelo seu nome” houve retorno para quem tinha investido em projetos do produtor. “Após este aparente sucesso, os investidores da RT esperavam o grande retorno, não apenas por seu paciente investimento em “Call My By Your Name”, mas em muitos outros projetos no catálogo da RT que os investidores da rede de Mussnich investiram em vários anos. Infelizmente, isso não ocorreu”.
OUTRO LADO:
Rodrigo Teixeira:
A reportagem entrou em contato com o produtor Rodrigo Teixeira, que através da assessoria de imprensa enviou a resposta abaixo:
“Em relação à ação impetrada pelo Sr. Luiz Mussnich, as alegações por ele apresentadas são improcedentes. A queixa carece totalmente de substância ou mérito jurídico e a RT Features, uma produtora respeitada, com quinze anos de mercado, que já produziu mais de trinta filmes e cinco séries no Brasil e no exterior, além de indignada com as acusações que lhe são imputadas, está totalmente confiante em um resultado favorável na Justiça”.
Luiz Mussnich:
A reportagem tentou contato com o investidor Luiz Mussnich, que não respondeu as solicitações enviadas.
Ao q parece, o autor da ação conhece bem os caminhos do trambique…. vai saber quem estará certo neste imbróglio … Aposta de alto cacife.