Contas públicas milionárias, parceria com o 03 e influência de Osmar Terra: o verdadeiro cardápio do almoço nada grátis de Jair Bolsonaro
Bilhões em verbas públicas na mesa. Por trás de talheres e bandejas, uma teia de conexões entre contas do governo, personagens do bolsonarismo e datas com uma empresa de comunicação eram o prato principal. Não teve nada de grátis o almoço presidencial com as mulheres executivas.
Quarenta e cinco mulheres representantes de grandes empresas reuniram-se em torno de Jair Bolsonaro na última sexta-feira de abril (30). No mesmo dia em que o Brasil assinalava o trágico número de 400 mil mortos, não se falou sobre isso no festivo e alegre banquete. A fala presidencial foi toda para reafirmar suas crenças em estar no caminho certo na economia e na relação dele com Paulo Guedes. Muito menos existiu qualquer cuidado de distanciamento social e a quase totalidade das e dos convivas notabilizaram-se por, além da inexistente diversidade, permanecer sem máscara, como é de agrado do presidente. Mesmo barrada, a imprensa foi generosa sobre os pormenores ocorridos na sala Cristal do Hotel Palácio Tangará, em São Paulo, vazados sem cerimônia. Com riqueza de detalhes da perfumaria, na mesma tarde já se sabia que foi servido um farto buffet com ravioli de burrata, tartalette de limão, café com petit four, opções de carne, massa e salmão. E o assunto esgotou-se no noticiário. No entanto, ainda há muito a se falar, apurar e escrever sobre o tal almoço. Há muito tempo na corte não existia um almoço com tantos desdobramentos porvir, relações de poder, conexões com verbas públicas, contratos e licitações, tráfico de influência. Muito além de tartelettes e petit fours.
O grande personagem desse almoço não era o homenageado e sim a anfitriã, Karim Miskulin, apresentada como a proprietária da Voto Comunicação, empresa que respondia pela organização do evento e que cuida do marketing de políticos. Dona também da “Revista Voto – Política e Negócios” e do Instituto Voto.
Mas essas credenciais de apresentação ficaram pequenas diante dos degraus escalados por Karim desde o início do governo Bolsonaro. Em meio a grave crise econômica do país, seus negócios só crescem e se expandem. Um fenômeno. Principalmente com o governo. Essencialmente com o governo.
A escalada e as conexões nos anos Bolsonaro impressionam. No dia 10 de setembro de 2020, o mercado das agências de assessoria e comunicação foi surpreendido com o anúncio de uma nova parceria: a associação entre conhecida e estabelecida gigante empresa do ramo, a “In.Pacto Comunicação Corporativa e Digital” com a “Revista Voto”.
A In.Pacto tem histórico de relação e grandes contas com órgãos e entidades do governo federal. A saber: ministérios da cidadania, educação, minas e energia, ciência, infraestrutura, saúde, justiça e segurança pública, desenvolvimento regional conselho federal de química, banco central, caixa econômica, agencia nacional de saúde suplementar, programa “luz para todos”, caixa seguros, eletrobras e fundação Banco do Brasil. A parceria já nasce com a herança milionária de diversas contas licitadas.
Eduardo Bolsonaro virou colunista da Revista Voto 4 dias após acordo entre as empresas
Nesse dia 10 de setembro, Karim Miskulim foi apresentada como a nova diretora-presidente da In.Pacto. Não se falou em venda, somente em “parceria”. Tampouco na Receita Federal, no Portal da Transparência ou nas juntas comerciais consultadas, a reportagem encontrou alteração societária na documentação. Parceria ou venda, é Karim Miskulim que aparece no comando.
E como CEO da In.Pacto após a parceria, aparece outro nome com amplo trânsito entre figuras carimbadas do governo Bolsonaro: Klécio Silva dos Santos. (Ver abaixo imagens de Karim Miskulim e Klécio dos Santos, reproduzidas do site da In.Pacto)
Os laços com o governo federal se estabeleceram em ritmo alucinante. Apenas quatro dias depois do anúncio da parceria entre In.Pacto e Revista Voto, com todas as implicações de verbas federais da agência e eventuais conflitos de interesses, o 03, Eduardo Bolsonaro foi anunciado como colunista da Revista Voto.
A reportagem tentou contato com a Revista Voto e com o deputado federal para saber se Eduardo Bolsonaro é colunista remunerado e se os valores são de mercado mas não obteve resposta.
Enviou as mesmas questões para o deputado e ainda se ele não considerava existir conflito de interesses entre ser colaborador da revista, caso seja remunerado, em razão da empresa ter contas com o governo federal. Não houve resposta.
No dia 18 de novembro, dois meses depois de anunciada a parceria com a Revista Voto, a In.Pacto ganhou sua primeira licitação do governo Bolsonaro: a conta de comunicação corporativa da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex Brasil), no valor de R$ 4,7 milhões por um ano de contrato e deixando para trás na concorrência, pela ordem de classificação, empresas tradicionais como a Torre Comunicação, Approach, FSB e InPress. A licitação foi contestada mas depois oficializada.
MINISTROS TEM COMO DETERMINAÇÃO PRESTIGIAR OS EVENTOS DA REVISTA
De acordo com quadros ligados a órgãos do governo ouvidos pela reportagem, os ministros do governo Bolsonaro tem determinação direta do presidente para “prestigiar os eventos da Revista Voto”. Uma fonte frisa: “Não é uma orientação. É uma ordem”, conta.
Já fontes do mercado de agências de comunicação que pediram para não serem identificados ainda se dizem meio perplexos com a repentina parceria: “estamos falando de uma grande do mercado de comunicação e assessoria, com centenas de contas na esfera pública já. De repente, absorvida por uma empresa menor, de alguém sem tradição na área sendo a cabeça da parceria. Ainda estamos tentando entender”, diz.
CRONOLOGIA
10 de setembro de 2020 – É oficializada a parceria de operações do Grupo Voto com a Agência In.pacto
14 de setembro de 2020 – A Revista Voto anuncia Eduardo Bolsonaro como colunista
18 de novembro de 2020- a In.Pacto ganha a licitação na Apex
Os laços da nova parceria com o governo Bolsonaro não se encerram em Karim.
Klécio Silva dos Santos, escolhido para CEO da In.Pacto após a parceria, tem um longo histórico com figuras de destaque do bolsonarismo. É homem de confiança de Osmar Terra, deputado federal, famoso por suas ideias negacionistas.
Em 2014, Klécio dos Santos assumiu a comunicação do senador gaúcho Lasier Martins. Depois, no governo Michel Temer, virou o responsável pela comunicação do ministério do desenvolvimento social e agrário do Brasil, ocupado por Osmar Terra. Com a posse de Bolsonaro, Klécio seguiu nos passos de Osmar Terra e assumiu a comunicação do ministério da cidadania, depois deixado por Osmar Terra quando voltou a ocupar lugar na câmara dos deputados.
O CEO da In.Pacto também presta serviço de “divulgação da atividade parlamentar” para o gabinete do deputado federal Osmar Terra desde março de 2020. Mas não pela nova casa e sim pela XLM Comunicação, onde é proprietário. A entrada na In.Pacto não alterou o cnpj e as notas seguem sendo pela XLM.
Já a In.Pacto, do CEO Klécio dos Santos, passou a receber nos meses de fevereiro e março desse ano pelo gabinete do senador Lasier Martins (com quem teve vínculos anteriores), também por “Divulgação da atividade parlamentar”, a quantia de R$ 14.400,00.
Para quem olha de relance, a ascensão de Karim Miskulim nos negócios na era Bolsonaro pode parecer impulsionada pelos arroubos ideológicos. Uma análise mais detalhada na história da empresária mostra que é justamente o contrário.
Nada é mais pragmático do que a adesão do novo rosto que aparece como a responsável pela In.Pacto do que a executiva. Em quadro totalmente oposto, Karim também estava na trincheira. Ao lado de Lula. Quando o poder estava lá. No ato seguinte a mudança de poder, críticas veementes aos anos Lula são vistos nas redes de Karim.
O pragmatismo da neobolsonarista pode ser verificável ao se conhecer a história das palestras do ex-presidente Lula.
Através de dois CNPJs, a Voto Comunicação e o Instituto Voto, Karim Miskulim intermediou diversas palestras contratadas por diferentes empresas junto a Lula e seu Instituto Lula.
As intermediações entre as empreiteiras e as empresas de Karim Miskulim com o Instituto Lula foram objeto de laudo pericial das movimentações financeiras da LILS Palestras (empresa de Lula), descrevendo as origens e destinos das contas, realizado pela Polícia Federal para a Operação Lava Jato, a partir de extratos bancários da L.I.L.S após quebra de sigilo bancário e dos e-mails apreendidos no Instituto Lula na Operação Aletheia.
Entre 2009 e 2014, Karim Miskulim intermediou a contratação de palestras de Lula para Odebrecht, Engevix, Construtora Carioca e Construtora UTC.
Apesar de toda espuma e fumaça causada, em 24 setembro de 2020, a justiça federal do Paraná concluiu, após quase cinco anos de investigações, que foram legais as 23 palestras de Lula a empreiteiras investigadas na Lava-Jato. De acordo com a juíza Gabriela Hardt, que substituiu o agora julgado por suspeição ao processo de Lula, Sérgio Moro,“não houve comprovação de que os valores bloqueados possuem origem ilícita. Deve-se presumir sua licitude”.
O fato concreto agora nessa questão é sabermos que boa parte das tão famosas palestras de Lula, objetos de tanta controvérsia e acusações nas barricadas lavajatistas e de Bolsonaro, eram contratadas por uma atual figura forte no xadrez bolsonarista.
Outro Lado:
In.Pacto/Voto- A Agência Sportlight enviou questões sobre a reportagem para Karim Miskulim mas não obteve resposta.
Eduardo Bolsonaro- A reportagem enviou questionamento para o deputado, sem resposta.
Observação: às 18h10 de 13 de maio, a reportagem foi atualizada corrigindo o nome equivocadamente escrito como “Lasier Terra” para Lasier Martins.