Caros dirigentes do Flamengo: o povão está fazendo falta. Chamem pra dentro de novo!
Era sagrado. Uma subida ao que se chamava de sexto andar do Maracanã, que dava acesso para a “rampa de cima” e ficar de lá olhando a nação chegar até a velha estação Derby Club do trem, rebatizada com o nome do estádio.
Não chegava a ser um hábito estranho, um ritual esquisito entre tantos de torcedor. A visão era impressionante. O velho trem da Central despejando milhares na mesma direção. Uma massa vinda de longe, saltando pros seus 90 minutos de sonho semanais.
Tanto não era coisa de maluco (juro!), que muita gente ficava ali, como se fosse um mirante, fazendo o mesmo. Alguns tantos lendo agora irão sorrir e lembrar que eram cúmplices nesse ritual. Os documentários e reportagens daqueles tempos, que sempre buscavam essas imagens, não deixam dúvidas de que realmente era algo diferente.
Dizem que massa não tem rosto. E não tem mesmo. Algumas. Aquela tinha. Ali estava a essência, a cara da torcida do Flamengo. O povão chegando, descendo dos vagões e correndo. Não é preciso sociologia de botequim nem entender muito das coisas pra saber que algo de libertador e esperança desembarcava junto. Afinal, aquele balé que se repetia na plataforma, as pessoas abrindo um sorriso, correndo feito criança quando a porta se abria, não é normal aquilo. Nunca entenderão os tecnocratas do futebol, os almofadinhas que povoam clubes, consórcios de estádio e governos. Nunca serão. E a longo prazo, por não entenderem que o Brasil é diferente da Inglaterra, da França, podem matar a galinha dos ovos de ouro.
Tive a mesma nostalgia ontem. Quis ver o povo desembarcando do trem. Até isso nos roubaram nesse New Maracanã, no estádio asséptico fruto exclusivamente da insanidade de um bandido que destruiu um monumento apenas para se locupletar.
Já falamos muito aqui, acolá e seguiremos falando sempre, repetitivamente, se possível todos os dias sobre o crime do Maracanã. Mas hoje nem é sobre isso. Me traz aqui a ressaca de não existir mais o povão chegando no trem. E muito mais do que isso: as consequências diretas do que isso representa ao time em si.
De novo não é sociologia de botequim ou o que valha. É puro resultado de observação. No caso, minha e de tantos que com quem muitas vezes repito o velho ritual da ida ao estádio. Unânimes em afirmar o mesmo: o novo Maracanã matou muita coisa em todas as cores, para todos os times. Mas se alguém se prejudicou mais, obviamente foi aquele que tinha mais povão em sua trincheira. Em sua arquibancada e geral.
E isso se reflete diretamente no jogo. Que ninguém tenha dúvidas. Quem conhece essa arquibancada e geral sabe do que estamos falando. Da festa e do barulho monumentais que aconteciam ali. A equação é simples: se forçaram a mudança do perfil do torcedor, se a elitização disso foi algo pensado como de fato foi, se aquele povão não desembarca mais, mudou o ritual.
Quem viveu sabe. Antes o que tínhamos ali era o torcedor incondicional. Aquele que ama tanto suas cores que é capaz de deixar de comprar algo pra casa pra estar ali. Acho que nada de novo se fala aqui. E esse, por amar suas cores acima de tudo, não ofende essas cores jamais. Defende sua camisa. E defender no caso é tentar empurrar seu time. Não que obviamente isso não possa se dar em qualquer classe, categoria. Mas no atacado, a coisa muda. E mudou.
Se hoje temos o torcedor-consumidor, como tanto queriam, ele vai ao estádio para ter uma “experiência”, como dizem. “Experiência”…E esse consumidor não se esgoela mais como antes. Simples assim. Repito: e quem mais pagou nessa equação foi quem tinha em sua formação o povão e perdeu isso. Ou seja: o Flamengo.
Em alguns momentos, vá lá, vemos lampejos. Mas geralmente é com o time na boa, depois de gol. Porque não é mais incondicional. “Alentar”, como dizem os argentinos, é coisa pra quem ama incondicionalmente. Na alegria e na tristeza. Quem tem alguma dúvida sobre como mudou o comportamento da arquibancada não conheceu e não sabe o que é o Flamengo. Simples assim.
Ontem mais uma vez foi assim. E sempre será enquanto não se resolver. Gritou-se? Cantou-se? Sim. Mas não ouse comparar com o que foi.
O resultado é dramático demais para a torcida do Flamengo. Não menosprezem isso, caros dirigentes. O mais importante jogador da história desse clube sempre foi o 12°.No New Maracanã, não tem mais sentido se postar no corredor perto da rampa da UERJ pra ver o desembarque do trem. A torcida do Flamengo não chega mais por ali. Na estação Derby Club, a estação Maracanã, por onde passam os ramais vindos de Deodoro, Santa Cruz, Japeri, Belford Roxo e Saracuruna.
O resultado é dramático demais para a torcida do Flamengo. Não menosprezem isso, caros dirigentes. O mais importante jogador da história desse clube sempre foi o 12°. O que empurrava. Mesmo no inigualável time de 81, o mais importante era esse que chegava de todos os lados, de todas as cores. E embalou aquele time em viradas épicas com seus cantos.
Um ponto fundamental aqui é que ninguém desconhece a necessidade de faturamento, receita…O que está se falando é o óbvio: que exista no estádio lugar para todo mundo. Para quem vai lá ter uma “experiência” e para quem juntou as moedas durante a semana inteira pra gritar seu amor incondicional pelo time. Muita coisa é positiva demais no trabalho da atual diretoria. Mas até aqui não vi nenhum aceno no sentido de trazer “la gente” de volta. Pelo contrário, muitas vezes vi declarações elitistas, pensando numa planilha e não no maior patrimônio do Flamengo. Seu torcedor.
A distorção é tão grande que hoje temos um tipo de torcedor que, em nome de “receita, faturamento”, fecha com o argumento de que o negócio não permite mais esse ingresso popular. Ou seja: torcedor indo contra a presença de outros torcedores. Parem com esse argumento dos custos, o roubo que é o custo do Maracanã…Sabemos disso tudo. Mas quem vai equacionando uma dívida monstruosa, há de equacionar isso também.
Ao contrário de mim, vocês são homens de negócios, caros dirigentes. Bons no que fazem. Tem feito coisas invejáveis depois de anos de uma corja ali instalada. Mas talvez falte algum sentido sobre a essência daquelas cores. Não desconheçam que a longo prazo, se a chama não for alimentada, a galinha dos ovos de ouro morre. Torcedor de verdade, incondicional, que a longo prazo será consumidor também, não se forma no Pay Per View. Falam tanto de Europa, dos negócios de lá. Pensem no caminho alemão, cada vez mais citado como de sucesso. Cabe o almofada do camarote mas cabe a Muralha Amarela. E se mataram o geraldino, o arquibaldo histórico, é hora de pensar em botar eles de volta ali dentro. Não por boa ação, por serem bonzinhos. Tenham certeza de que ele faz bem ao negócio também. E que o 12º jogador decide jogo. E isso é dinheiro entrando também, se nenhum argumento outro valer, se esse for o único critério.
Chama Deodoro, chama Santa Cruz, chama Japeri, chama Belford Roxo, chama Saracuruna. Chama o trem todo. Chama todo aquele povo que desembarcava por ali. Chama a favela. Chama todo mundo. Eles estão fazendo falta.
Olha, quem tornou o maracanã um estádio pouco popular e mais elitista não foi o Flamengo, foram os ladrões, os corruptos desse governo de pilantras. O Flamengo, hoje, não tem o que fazer a não ser, utilizar o estádio não condições em que ele se encontra e aí, não dá para colocar um preço muito acessível, o custo de se jogar hoje é insano. Agora, se tivermos o nosso próprio estádio, é possível que se pense mais no nosso torcedor.
Parabéns pelo texto Lúcio!! cara vc tem toda a razão em todas as colocações sinto também essa saudade do velho Maraca,quando subia na rampa 26 na bandeira atrás do Gol do Flamengo, os olhos brilhavam tamanha a grandiosidade, isso não é mais, fui no outro dia a um jogo e não tinha mais ingresso na Norte e tive que comprar ao lado ou no meio, cara é muito estranho me senti até meio ET só porque xinguei o juiz ou alguma lambança de algum jogador ví pessoas me olhando com aquela cara de como assim xingamentos aqui, vi senhoras de Tailleur com bolsa pendurada no ante braço, cara é surreal, mas a quem goste está muito misturado mas cheio de mauricinhos e patricinhas, dizem que o Negão desdentado esse não vem mais,estadio só para o sócio Torcedor que acabei me tornando para poder continuar a frequentar, mas uma coisa precisa ser falado essas obras faraônicas solicitadas pela pilantra FIFA trouxe custos exorbitantes e se lembrar que de 10 milhões o clube que faz o espetáculo só pegou 3milhões, é muito louco, infelizmente a culpa não é do clube
Perfeito, Lúcio. Falta vontade de colocar o povo dentro da cancha de novo. Desculpas têm aos montes. Falta gente no clube que tenha botado a bunda na arquibancada pra saber que a real torcida do Flamengo não é a que está frequentando o Maracanã.
Lindo texto ! Contra o Atlético PR tinha um garoto com seus 12 anos enlouquecido querendo ver o jogo, participar, pular, gritar … Mas a todo momento era atrapalhado pelo pai que fazia questão que ele ficasse em determinado local pra ver se aparecia na TV. Como o público mudou. Triste mesmo !!!
Excelente! Olhos marejados…
Triste, que saudade das disputas entre as torcidas na entrada das bandeiras durante a preliminar, que já era foda também . A descaracterização do Maraca é um crime, uma violência , o futebol gourmet padrão FIFA de hoje em dia é muito chato, a nós que vivemos incríveis disputas de shows entre FJV, Raça Fla, TJB e Young Flu, resta nossas memórias e algumas raras imagens no YouTube .
Parabéns lucio de Castro. Sou admirador das suas crônicas esportivas esperamos que os dígito gentes façam algo numa possível construção de um estádio para o flamengo. Afinal o melhor do flamengo e a torcida. Como vc mesmo inaulteceu no texto acima somos o 12° jogador.
Belo texto sim, mas totalmente fora da realidade. Muito dessa paixão que é o futebol no Brasil causou o estupro feito no Maracanã, manipulados que foram os que apoiaram o projeto do Cabral e da Odebrecht. Não gostaria de ver o povão fora do estádio, nisso concordamos, mas a realidade do estádio impede algo diferente. E mais, se colocarem a venda ingresso popular, como garantir que não vão todos ser revendidos com ágio por cambistas? Afinal, o povão não compra com cartão de crédito, tem que ir para a bilheteria, onde o se sofre feito gado. Texto bonito, mas irreal. O mundo mudou para pior e a culpa disso não é do Flamengo.
Boa, Lúcio. Sempre indo na ferida ! E acrescento outra questão exclusiva da torcida rubro negra no Maracanã: a desconexão total entre as torcidas organizadas que historicamente puxavam os cantos no Maraca. A Raça puxa um canto, Urubuzadaa um outro diferente e a Nação 12 canta outra coisa diferente dos dois. Eu, por exemplo, que não sou de torcida nenhuma, fico sem saber qual música cantar. Isso influi nos outros torcedores (que não são de organizadas) no momento de incentivar o time. Já com o Flu não acontece isso, só uma torcida organizada, a Bravo 52, hj em dia puxa o canto e todos os outros torcedores acompanham. Isso ficou nítido no último domingo.
Maracanã agora só de I-phone e selfie.
Saudades dos jogos que a arquibancada era liberada no segundo tempo para a galera da geral.
Como faz falta o cimento.