Verba milionária do judô vai para empresa de dono que nunca ninguém viu

Um mistério cerca o mundo dos tatames. Uma empresa cujo nome não aparece e muito menos os sócios. E que consome boa fatia do orçamento da Confederação Brasileira de Judô (CBJ), vindo em sua maior parte de verba pública.
Em reuniões oficiais representando a CBJ, no expediente dos grandes eventos, premiações ou publicações, são os nomes de Maurício Carlos dos Santos e da WH Esportes que aparecem no comando do marketing da entidade. Fora dos holofotes, nas notas fiscais emitidas em pagamento pelo serviço de “gestão do departamento de marketing e eventos internacionais”, obtidas pela reportagem através da Lei de Acesso à Informação (LAI), surge outro nome: a RDH Comunicação e Promoção, dos sócios Ednei Souza Nogueira e Helem Viviane Gomes de Mello Nogueira, jamais mencionados em qualquer questão ligada a modalidade.
Questionada pela reportagem, a CBJ afirmou que a “WH Marketing Esportivo/WH Sports é nome fantasia da RDH Comunicação e Promoção Ltda que, desde 2002, presta serviços de assessoria de marketing esportivo para a Confederação Brasileira de Judô”.
Em réplica, a Agência Sportlight informou que não encontrou tal informação em nenhum banco de dados, seja da Receita Federal, Junta Comercial de Minas Gerais (JUCEMG) ou no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), que registra marcas e nomes fantasias para proteger quem utiliza. E nem algum nome fantasia para a RDH. Nomes fantasia não são obrigatoriamente registrados, mas em muitos casos estão informados na bases de dados. Como resposta para a réplica, Maurício Carlos dos Santos, através de sua própria assessoria, informou que “a marca WH é fantasia, não é uma empresa. E, assim, não necessita de registro. Tal registro serviria à eventual proteção de quem a utiliza. Além disso, cabe esclarecer que nunca houve contrato ou recebimento em nome da WH”.
Em nova réplica, a reportagem questionou que, independentemente do registro como nome fantasia, o fato é que não existe em nenhuma base de dados registro da participação de Maurício Carlos dos Santos na RDH nem como sócio inativo da empresa aberta no dia 1º de abril de 2001 e que começa a prestar serviço para a CBJ pela gestão do marketing alguns meses depois em 2002. Três dias depois, através da assessoria, veio a resposta de que o diretor de marketing da CBJ é gerente na empresa que emite as notas: “A RDH é empresa legalmente constituída. O senhor Maurício Carlos dos Santos atua como administrador da filial em Belo Horizonte.”
Já em relação a afirmação de que “nunca houve contrato ou recebimento em nome da WH”, há um episódio com diferente afirmação do próprio presidente da CBJ, Paulo Wanderley Teixeira. Em documento para a Petrobras obtido pela reportagem, onde o presidente da CBJ afirma que “os serviços de marketing são prestados pela empresa WH Esportes, mediante contrato de prestação de serviços celebrado com a Confederação Brasileira de Judô. Por meio de instrumento de procuração, o senhor Maurício Carlos dos Santos é o representante da empresa que atua diretamente na implantação e estruturação do departamento de marketing da CBJ. Possui legitimidade concedida pela CBJ para exercer funções que abrangem desde a negociação, gestão, fiscalização e prestação de contas dos contratos de patrocínio públicos e privados”.
O embate entre Petrobras e CBJ sobre a atuação de Maurício Carlos dos Santos e da WH se dá no contexto de que, pelas leis que regem as “Entidades Públicas Sem Fins Lucrativos” (EPSL) e enquadram confederações, segundo as quais dirigentes não podem ser remunerados por serviços prestados. Uma situação que, como mostra a correspondência, gera desconforto no patrocinador.
Nos contratos de patrocínio assinados por Paulo Wanderley Teixeira com os patrocinadores estatais, por regra, está expressa a garantia de que “preenche os requisitos exigidos”, entre eles, de que “não remunera, por qualquer forma, seus dirigentes por serviços prestados”.
Proibido por lei em receber como dirigente, Maurício Carlos dos Santos recebe através das notas emitidas pela RDH, na qual não consta como sócio e nega exercer cargo de diretor. Mas em diversas situações aparece como tal. Para a própria Petrobras a qual nega cargo de direção, a CBJ apresentou um “Relatório de Contrapartidas” de patrocínio apresentado em 2013, obtido também via LAI, onde é apresentado como “diretor de marketing e eventos internacionais”. No órgão oficial da CBJ, “Judô em Revista”, de novembro/dezembro de 2013, aparece representando o presidente da entidade, oficialmente como “diretor de marketing da CBJ”. Para a reportagem, a CBJ afirmou que “o senhor Maurício Carlos dos Santos não exerce e nunca exerceu nenhum cargo na Confederação Brasileira de Judô. O marketing é terceirizado, a exemplo da comunicação e do jurídico”. No último dia 9 de setembro, de acordo com informação obtida através da Lei de Acesso à Informação, Maurício Carlos dos Santos esteve em reunião na sede da Petrobras e se apresentou com a credencial de “diretor de marketing da CBJ”.
Um endereço liga Maurício Carlos dos Santos a empresa na qual não aparece oficialmente: Rua Córrego da Mata 500, sala 1, bairro do Horto, Belo Horizonte. Mas não pela WH, e sim pela MCS Marketing Esportivo, aberta em 27 de julho de 2012, cujo endereço de registro na JUCEMG era o mesmo da RDH até 17 de outubro de 2014, quando é alterado em ato registrado na junta.
Em três distintas situações, três diferentes empresas de marketing aparecem como responsáveis pela gestão de marketing da CBJ. Todas de alguma forma relacionadas a Maurício Carlos dos Santos:
- RDH: Na licitação que aparece no site da CBJ e nas notas fiscais da prestação de contas da Infraero, está a RDH.
- MCS: Em um projeto proposto pela MCS e aceito pelo governo do estado de Minas Gerais, de nome “Minas Gerais Territórios Esportivos”, a empresa que tem como nome as iniciais de Maurício Carlos dos Santos se apresenta como “agência oficial da CBJ e da CBW (Confederação Brasileira de Wrestling)”, e “responsável pela captação de patrocínios, direitos de televisão e gestão dos negócios esportivos das entidades”. A MCS se apresenta ainda como “responsável pela captação, gestão, execução e viabilização do CT de Lauro de Freitas”, que pertence a CBJ. Embora tenha na Receita Federal como data oficial de abertura o dia 27 de julho de 2012, a MCS se apresenta no projeto como responsável pela “direção executiva e gestão de 4 campeonatos mundiais, 4 Grand Slams e 9 Copas do Mundo” de judô.
- WH: Em diversos documentos da CBJ e comunicados da CBJ, assim como na premiação de “executivo do ano” feita pelo site “Máquina do Esporte”, Maurício Carlos dos Santos é apresentado como diretor de marketing da CBJ através da WH, “responsável pelo departamento de marketing da CBJ”. A reportagem encontrou na base de dados da Receita Federal uma empresa cadastrada como WH Marketing Esportivo, na cidade de Nerópolis, em Goiás, na qual Maurício Carlos dos Santos não consta como sócio oficialmente. No mesmo endereço desta WH, existe registro de uma outra empresa, a RW Assessoria e Marketing Esportivo.
A Agência Sportlight verificou que a RDH emite notas fiscais para a CBJ por distintas razões apresentadas como “discriminação dos serviços”. Além das parcelas por “gestão do departamento de marketing e eventos internacionais”, é possível encontrar notas como duas emitidas em dezembro de 2010 tendo como razão a “serviços de planejamento, coordenação, produção de relatório final, montagem, estruturação com mobiliário específico, desmontagem da área de competição do Campeonato Brasileiro Infraero de judô 2010, realizado em Uberlândia (MG), nos dias 27 e 28 de novembro”. Valor total das notas pelo serviço: R$ 193.000,00 (cento e noventa e três mil reais). A realização do campeonato valeu verba específica por parte da Infraero. Foram R$ 250 mil (duzentos e cinquenta mil reais) para a realização, no Sesi Uberlândia. Dos quais os R$ 193 mil pagos para a RDH.
A maior parte do valor pago para a RDH sai em notas pela “gestão do departamento de marketing e eventos internacionais”. A CBJ não informa o valor total anual. É possível ter uma estimativa com algumas das notas obtidas pela reportagem. No ano atual, 2016, nota fiscal anexa a reportagem aponta o pagamento da “primeira parcela” pelo serviço em 12 de maio, no valor de R$ 315 mil (trezentos e quinze mil reais). Outra nota obtida de R$ 315 mil foi emitida em 7 de janeiro de 2013, especifica ser a primeira parcela pela gestão do marketing do ano de 2012.
Ednei de Souza Nogueira, que aparece como sócio da RDH, consta como filiado ao Partido Popular Socialista (PPS) mineiro. É sócio também da Projectum Comunicação, com a mulher Helem Nogueira, que ganhou em 2015 a licitação da prefeitura de Belo Horizonte para cuidar da infraestrutura do carnaval. A RDH também desenvolve trabalhos de contratação e organização de shows financiados por prefeituras em diversos municípios e estados, como Minas e Bahia, como mostram os diários oficiais. A reportagem procurou entrar em contato com a RDH por diversas vezes, sem êxito.
A reportagem procurou a Infraero, um dos patrocinadores da CBJ, para saber sobre o controle das prestações de conta da entidade. A estatal respondeu que “a fiscalização acontece de acordo com as Instruções Normativas da SECOM/PR e Norma Interna da Infraero de patrocínios”. Sobre o caso específico em relação as notas emitidas pela RDH e sobre haver ou não um controle sobre quem emite a nota e a prestação de serviço, a Infraero respondeu que “Conforme esclarecido acima, a fiscalização é realizada de acordo com as Instruções Normativas de Patrocínio da SECOM/PR e Norma Interna da Infraero”.
No último ciclo olímpico, entre 2012 e 2016, a CBJ assinou contratos no valor de R$ 72.848.125,48 (setenta e dois milhões, oitocentos e quarenta e oito mil, cento e vinte cinco reais e quarenta e oito centavos) em dinheiro público, assim distribuídos:
- MINISTÉRIO DO ESPORTE: R$ 24.558.125,48 (vinte quatro milhões, quinhentos e cinquenta e oito mil, cento e vinte cinco reais e quarenta e oito centavos), valor dos convênios assinados entre 2012 e 2016. O valor aqui assinala apenas o quanto foi acertado em contrato e não o quanto foi realmente pago já que algumas prestações de conta referentes a esses convênios seguem abertas.
- PETROBRAS: R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais), assim distribuídos:
R$ 7.000.000,00 (sete milhões de reais) em 2012, ano da realização do Mundial de Judô no Brasil. R$ 6.000.000,00 (seis milhões de reais) em 2013. R$ 3.500.000,00 (Três milhões e quinhentos mil reais) em 2014. R$ 3.500.000,00 (Três milhões e quinhentos mil reais) em 2015. - LEI AGNELO/PIVA: R$ 19.540.000,00 (dezenove milhões e quinhentos e quarenta mil reais ), assim distribuídos: R$ 3.200.000,00 (três milhões e duzentos mil reais) em 2012. R$ 3.500.000,00 (três milhões e quinhentos mil reais em 2013. R$ 3.900.000,00 (três milhões e novecentos reais) em 2014. R$ 3.900.000,00 (três milhões e novecentos reais) em 2015. R$ 4.540.000,00 (quatro milhões e quinhentos e quarenta mil reais) em 2016.
- INFRAERO: R$ 8.750.000,00 (oito milhões e setecentos e cinquenta mil reais), assim distribuídos: R$ 1.750.000,00 a cada ano: 2011/2012, 2012/2013, 2013/2014, 2014/2015, 2015/2016. O total de patrocínio pago pela Infraero desde 2005 até aqui foi de R$ 15.400.000,00 (quinze milhões e quatrocentos mil reais).
A gestão e as práticas da CBJ, comandada por Paulo Wanderley Teixeira desde 2001, são tidas como exemplares entre dirigentes do esporte brasileiro. Tamanho conceito levou Carlos Arthur Nuzman a convidar o presidente da entidade a integrar a vice-presidência do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), cargo que assumiu no último dia 4 de outubro. Sandro Teixeira, ex-gestor da CBJ e filho do presidente, foi nomeado em 18 de agosto para o cargo no governo federal de “Assessor da Autoridade Brasileira de Controle de Dopagem”, de acordo com reportagem de Daniel Brito, no UOL. Já o irmão, Edson Wanderley Teixeira, exercia cargo remunerado na CBJ e era responsável pela gestão de sucursal da CBJ em Vitória, cujo anúncio de fechamento foi realizado em assembleia da entidade no último dia 19 de novembro. Nos bastidores do esporte olímpico nacional, por tal excelência de gestão, é nome dado como certo para a sucessão de Nuzman.
O mundo dos esportes olímpicos seguem sem mecanismos de defesa, fiscalização e sem holofotes daqueles que preferem ter menos trabalhos com os decretos das sextas-feiras.
Parabens Lucio pela iniciativa. Torço muito para o sucesso desta empreitada, que voçe abraça agora.
Quando o judô não conquista a meta de medalhas os judocas são chamados de amarelões… Aliás, isso acontece em todos os esportes olímpicos no Brasil. Parabéns ao Lúcio de Castro por jogar luz nos dirigentes esportivos, que têm a maior responsabilidade pelo desenvolvimento do esporte.
Tremendo trabalho de investigação.
Maior exemplo de empresa fantasma…