Ministério do Esporte financiou projetos pessoais de diretor da CBJ
O Ministério do Esporte patrocinou empreendimento pessoal do diretor de marketing da Confederação Brasileira de Judô (CBJ), Maurício Carlos dos Santos. Subindo um pouco no mapa, o “Minas Gerais Territórios Esportivos”, projeto que operou como uma ação entre amigos e funcionários do dirigente na contratação das empresas prestadoras de serviço, transformou-se no “Bahia Território Esportivo”. Um outro convênio chegou a ser aprovado pelo órgão federal, o “Ipatinga Territórios Esportivos”, depois abortado.
No lugar da Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais (CODEMIG), mecenas do “Minas Gerais Territórios Esportivos”, entrou o ministério, através do convênio 835839/2016, em parceria com a Superintendência dos Desportos do Estado da Bahia (Sudesb). Em comum, a mesma beneficiária: a MCS Marketing Esportivo, de Maurício Carlos dos Santos. Valor do convênio: R$ 1.818.000,00 (um milhão, oitocentos e dezoito mil reais).
Vários pontos da parceria chamam a atenção. A MCS ganhou o direito de realizar o “Bahia Território Esportivo” em processo de inexigibilidade de licitação. Embora, de acordo com os documentos obtidos pela reportagem através da Lei de Acesso à Informação, tenha existido uma tomada de preços para a concorrência entre três empresas com sede em Salvador, o parecer jurídico da Procuradoria Jurídica da Sudesb deixa claro que tal ato foi apenas formalidade, enumerando diversas razões para a dispensa de licitação.
De acordo com o parecer, há um pedido de registro da marca “Território Esportivo” por parte da MCS no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), o que justificaria por si só a inviabilidade da competição. Assim, a Sudesb fez um pedido de verba através de convênio para o Ministério do Esporte para um projeto que só poderia ter um vencedor já que, de acordo com a Sudesb, a marca pertencia a empresa vencedora. De um diretor da CBJ, conforme se apresenta Maurício Carlos dos Santos.
Existem outras justificativas para a inexigibilidade de licitação apresentadas pela Procuradoria Jurídica da Sudesb. Na página 5 do parecer, estão ressaltados os ofícios enviados pelas confederações de judô e de wrestling, em que atestam a capacidade técnica da empresa e dão aval sobre a expertise da MCS.
O parecer, no entanto, não menciona que Maurício Carlos dos Santos é o responsável pelo marketing das duas confederações, como está na documentação do “Minas Gerais Territórios Esportivos”, onde a MCS se apresenta como “agência oficial da CBJ e da CBW (Confederação Brasileira de Wrestling)”, e “responsável pela captação de patrocínios, direitos de televisão e gestão dos negócios esportivos das entidades”.Declarações de que a MCS detém a exclusividade para realização de tal projeto por parte da CBJ e CBW são ainda anexadas ao parecer jurídico, que resolve pela singularidade da empresa para a realização.
O pontapé inicial para o convênio com o Ministério do Esporte para o “Bahia Território Esportivo” foi quando o “Minas Gerais Territórios Esportivos” (6 de março a 29 de maio) ainda nem começara. Em 18 de fevereiro de 2016 o diretor geral da Sudesb, Elias Nunes Dourado, filiado ao PC do B, enviou o primeiro ofício sobre o tema para o ministério. Maurício Carlos dos Santos deixara Salvador dois dias antes, onde estivera para a Assembleia Geral Ordinária da CBJ, em voo da TAM para o Rio de Janeiro, bilhete 2482806625.
Outras coincidências juntam Maurício Carlos dos Santos, os convênios do Ministério do Esporte, o governo do estado da Bahia e a prefeitura de Ipatinga.
Outras coincidências juntam Maurício Carlos dos Santos, os convênios do Ministério do Esporte, o governo do estado da Bahia e a prefeitura de Ipatinga. Como por exemplo, uma secretaria de estado na Bahia, no caso a Sudesb, escrever um “documento técnico” solicitando o patrocínio rigorosamente igual, palavra por palavra, com uma prefeitura a 842 quilômetros de distância, Ipatinga (MG). Está lá:
“O Governo do Estado da Bahia vem trilhando um novo rumo para a administração pública. Através de uma gestão eficiente e preocupada com os interesses da população, firmou a missão de propor e coordenar políticas públicas mais efetivas na promoção da integração social e da qualidade de vida da sociedade…” E segue. Substitua “O Governo do Estado da Bahia” por “A Prefeitura Municipal de Ipatinga” e verifica-se o mesmo texto escrito por ambos. Nem mesmo as citações foram trocadas. Estão lá, de Pierre de Coubertin a Herbert Haag, passando por Manoel Tubino. Alguns trechos e citações estão também no “Minas Territórios Esportivos”. Pierre de Coubertin emplaca os três projetos com a mesma fala.
A confirmação de uma de uma situação sui generis, onde o diretor de uma confederação (conforme as credenciais apresentadas por Maurício Carlos dos Santos a patrocinadores estatais), apresenta um projeto no qual é beneficiário em sua empresa privada com verba de um ministério, veio através das perguntas enviadas pela reportagem (ver abaixo) para a Sudesb, que, nas respostas, confirmou ter sido a MCS a propor o “Bahia Território Esportivo”. Mais do que isso: de acordo com as respostas da Sudesb, foi a MCS também que “apresentou planilha aberta com todos os custos e detalhes de itens referentes à execução da ação”.
Quanto aos custos que a própria MCS apresentou para execução do projeto na Bahia e emplacou, vale a observação de algumas curiosidades: o valor próximo entre um projeto com quase três meses de duração, caso do Minas Territórios Esportivos, de 6/3 a 29/5, com custo de R$ 2.300.000,00 (dois milhões e trezentos mil reais) e o Bahia Território Esportivo, de 24 dias (20/11 a 24/12): R$ 1.818,000,00 (um milhão, oitocentos e dezoito mil reais). Sendo que o projeto mineiro passando por 13 cidades e o baiano por cinco (Salvador, Camaçari, Vitória da Conquista, Itabuna e Juazeiro).
Os 20 dias do mesmo projeto em Ipatinga teriam alto custo também. Seis meses depois do projeto “Minas Territórios Esportivos”, financiado pelo governo do estado, passar por 13 cidades e sendo uma delas Ipatinga, a prefeita Cecília Ferramenta (PT) deste município resolveu ter sua própria versão. Pelo projeto, entre 6 e 26 de novembro seria realizado o “Ipatinga Territórios Esportivos”, ao custo de R$ 1.500.436,32 (um milhão, quinhentos mil reais e trinta e dois centavos) para o Ministério do Esporte através do convênio 835504/2016. Mais da metade do custo pago pelo similar “Minas Territórios” no estado com um terço da duração, em 13 cidades, contra apenas Ipatinga no outro.
De prática esportiva efetiva seriam 14 dias de atividades, o que significa que o Ministério do Esporte aprovou financiar um projeto de prática desportiva ao custo de R$ 107.174,00 (cento e sete mil e cento e setenta e quatro reais) por dia. Algo como aproximadamente três anos do salário de um professor de educação física gasto por dia de atividade do projeto.
Três empresas apresentaram referências de preços para a execução do projeto: a R&A, a Arena Eventos e a RDH Comunicação e Promoção. Esta última, a mesma que assina as notas fiscais da CBJ pela gestão do departamento de marketing, dirigido por Maurício Carlos dos Santos. Como indica o caso do “Bahia Território Esportivo”, onde, como relatado acima, ocorre uma tomada de preços mas depois a MCS é declarada vencedora por ter a marca “Territórios Esportivos”, provavelmente o mesmo ocorreria. Mesmo que a RDH, tão próxima a Maurício Carlos dos Santos tivesse participado da estimativa dos preços em algo que a MCS, do próprio, era parte interessada.
No entanto, no dia 6 de outubro, a prefeita Cecília Ferramenta envia ofício ao Ministro do Esporte, Leonardo Picciani, solicitando a rescisão do contrato e abortando o projeto. Alegando a crise financeira como razão, ainda que o custo fosse do ministério. A contrapartida exigida do município seria de um por cento do valor do convênio, ou seja, R$ 15.151,12 (quinze mil, cento e cinquenta e um reais e doze centavos).
OUTRO LADO:
Respostas do Ministério do Esporte:
Em relação ao Convênio 835839/2016, (Sudesb/Ministério do Esporte) gostaria de saber:
- Houve inexigibilidade na licitação. Mas chegaram a ser tomados o orçamento de três empresas (Radar, Alugarte e Ícone). E uma quarta, MCS foi escolhida. Queria saber se é uma praxe mesmo com inexigibilidade na licitação a tomada de preços e se a escolhida não teria que ter participado da tomada de preços?
R- A responsabilidade pela gestão de recursos públicos recebidos por meio de celebração de convênios com a Administração Pública é exclusiva da parte convenente. Tal responsabilidade não isenta o convenente da obrigação de adotar os procedimentos estipulados pela legislação para a contratação de serviços ou aquisição de bens. - A MCS Marketing é de propriedade de Maurício Carlos dos Santos, que se apresenta como diretor de marketing da CBJ. Não haveria impedimento legal para um integrante de Confederação ser beneficiário de verba de convênio com o Ministério do Esporte?
R- O processo licitatório realizado pela Superintendência dos Desportos do Estado da Bahia, no Convênio nº 835839, foi aprovado por parecer da Procuradoria Jurídica daquele órgão, que consta no Sincov.
É importante destacar que todos os documentos do convênio serão analisados e avaliados no momento da prestação de contas junto ao Ministério do Esporte. Na ocasião, as despesas poderão ser glosadas em caso de irregularidades na contratação de serviços. - O Convênio 835504/2016 (Prefeitura de Ipatinga/ME) foi interrompido e anulado. Gostaria da confirmação do motivo e se algum pagamento chegou a ser feito para ele?
R- A Prefeitura Municipal de Ipatinga “denunciou” o convênio (termo técnico que significa desistência) de forma unilateral, ato discricionário da administração pública. Não houve qualquer transferência de recursos do Ministério do Esporte para a prefeitura.
Respostas de Maurício Carlos dos Santos (MCS Marketing):
- A CBJ enviou parecer atestando a capacidade técnica da MCS e dando aval sobre a expertise da mesma. Se não considera haver conflito de interesses, já que o senhor representa também a CBJ assim como a CBW.
R- Conforme anteriormente esclarecido, não ocupo nenhum cargo nas confederações indicadas. Atuamos como prestadores de serviços, terceirizados, mediante contratos. Desta forma, e como é de praxe, para participar de processos licitatórios perante a Administração Pública, solicitamos aos nossos contratantes atestados de capacidade técnica, o que foi atendido por ambas as confederações. - O “Bahia Territórios” tem convênio com o Ministério do Esporte. Gostaria de saber se também não considera haver conflito de interesses já que o senhor representa a CBJ, assim como a CBW?
R- Como informado, não ocupo, nem nunca ocupei, nenhum cargo na Confederação Brasileira de Judô ou na Confederação Brasileira de Lutas (também conhecida como CBW). Desta forma, entendo que não há qualquer conflito de interesses, já que a MCS atua como pessoa jurídica de direito privado, com clientes diversos. No caso específico do Bahia Territórios, o projeto contempla 8 modalidades esportivas. - No “Ipatinga Territórios”, a MCS não consta como uma das empresas participantes, embora tenha a exclusividade da marca. Gostaria de saber se algo foi ou será feito no caso em questão.
R-Tenho conhecimento de que não houve a aprovação e realização do referido projeto por falta de orçamento.
Respostas Prefeitura de Ipatinga:
- De acordo com os documentos do convênio, o projeto foi abortado em decorrência da crise por decisão da prefeitura. No entanto, quem entraria com a verba seria o Ministério. Gostaria que comentassem se possível tal decisão.
R- Sim, o projeto foi abortado em virtude da crise financeira que atravessam os municípios brasileiros e, em especial, a Prefeitura de Ipatinga. O convênio exigiria contrapartida da Prefeitura e não haveria disponibilidade de recursos este ano. - Alguns textos de justificativa do programa feitos pela prefeitura eram rigorosamente iguais a outros usados em outros programas com a marca “Territórios do Esporte”. Gostaria que fosse comentado, se possível, sobre a coincidência.
R- Ipatinga participou de programa semelhante realizado pelo Governo Estadual e que serviu de referência. - No processo de tomada de preços, a RA apresentou menor preço em relação a RDH e a Arena. O proprietário da mesma, Robson Laham de Paula, tem ligação com a política local. Gostaria de saber se após a tomada de preços chegou-se a formalizar o vencedor e se tais vínculos não impedem a participação do mesmo?
R- Dado não realização do convênio, não foi realizada nenhuma tomada de preço. Os valores são apenas referências orçamentárias para a apresentação de proposta. - A MCS Marketing detém a marca do “Territórios Esportivos”. Não iria participar do projeto?
R- Como em qualquer processo licitatório, todas as empresas interessadas e que possuíssem a necessária habilitação poderiam participar do certame, que não ocorreu, pelos motivos já expostos, ou seja, a não realização do convênio. - Ipatinga já havia sido sede do “Minas Territórios Esportivos”. Qual razão para em tão pouco tempo voltar a ser sede?
R- O evento realizado pelo governo do Estado na cidade foi um sucesso e a Prefeitura desejou estender o seu alcance.
Respostas da Superintendência dos Desportos do Estado da Bahia (SUDESB):
Em relação ao Convênio 835839/2016, (Sudesb/Ministério do Esporte) gostaria de saber:
- Houve inexigibilidade na licitação. Mas existem anexados na página do Sincov o orçamento de 3 empresas (Radar, Alugarte e Ícone). E uma quarta, MCS foi escolhida. Queria saber se é uma praxe mesmo com inexigibilidade na licitação a tomada de preços e se a escolhida não teria que ter participado da tomada de preços?
R- A MCS é proprietária da marca Território Esportivo, registro já solicitado pela mesma ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), e também detentora da expertise para execução do projeto. Ao expor à Sudesb a proposta para realização na Bahia, a empresa apresentou planilha aberta com todos os custos e detalhes de itens referentes à execução da ação. No entanto, como preconiza a legislação dos processos licitatórios, a Sudesb foi ao mercado para verificação da consistência dos custos apresentados. - Alguns textos de justificativa do programa feitos pela Sudesb eram rigorosamente iguais a outros usados pela MCS Marketing em outros programas. Gostaria que se pronunciassem, se possível, sobre a coincidência.
R- Podemos responder pelo Projeto Bahia Território Esportivo, que é o objeto do convênio firmado entre a Sudesb e o Ministério do Esporte. O texto da justificativa citado, de autoria da Sudesb, refere-se a conteúdo padrão, apresentando a capacidade técnica da instituição com vistas à captação, elaboração e execução de projetos. - Entre as justificativas para a escolha da MCS Marketing estão o parecer da Confederação de Judô e Wrestling. No entanto, o responsável pela MCS, Maurício Carlos dos Santos, é também diretor da CBJ. Gostaria que comentasse tal fato por favor.
R- Apesar de entender que a questão da composição interna da Confederação Brasileira de Judô não influencia em nada em relação a ação aqui discutida, vale destacar que, além da CBJ, duas outras confederações esportivas de respaldo nacional e internacional – Confederação Brasileira de Wrestling e Confederação Brasileira de Badminton – deram exclusividade à empresa MCS para a produção e execução de clínicas durante a realização do projeto Territórios Esportivos onde quer que ele venha a ser realizado, em virtude da expertise da referida empresa na gestão, produção e organização das respectivas modalidades nos últimos anos. Além disso, o atestado de capacidade técnica à empresa foi dado pela CBJ, mas também pela Confederação Brasileira de Wrestling (CBW).
Nota da reportagem: a CBW também tem o departamento de marketing gerido por Maurício Carlos dos Santos, conforme material de propaganda da MCS.
Resposta da Confederação Brasileira de Judô:
- De acordo com parecer da Sudesb (Superintendência de Desportos do Estado da Bahia), a CBJ enviou a mesma um parecer atestando a capacidade técnica da empresa MCS, e dando aval sobre a expertise da mesma. Gostaria de saber as razões para tal e se a CBJ considera isso como papel da entidade.
R- A CBJ foi consultada e apenas deu seu parecer.