Delação da Odebrecht não é a do fim do mundo. Doleiros é que podem explodir tudo.

Tudo acontecia no Bar do Rick. Jogatina, golpes, conspiração…A eternidade de “Casablanca” passa por aquele cenário e muito mais. Das pelo menos três frases clássicas do filme, duas foram ali imortalizadas: a que nunca foi dita (“Play it again, Sam”) e “Prendam os suspeitos de sempre”, do sem caráter capitão Renault. A terceira é na já na pista do aeroporto, quando a inacreditavelmente poética e capaz de sintetizar aquele amor de uma vida inteira que nada apaga é dita: “Nós sempre teremos Paris”. Aqui nos interessa tratar sobre a do capitão Renault.
No imenso Café do Rick que o Brasil virou no pós-golpe, a máxima de Renault parece estar prestes a vigorar. A esta altura nem o maior dos ingênuos tem alguma dúvida de que já vigora no território pátrio a Lei de Jucá, aquela que “estanca a sangria” e faz um pacto nacional, “com Supremo, com tudo”. Pela ordem, todos os itens foram cumpridos. Da derrubada da presidência até o Supremo dominado, escancarado agora com Alexandre Moraes, aquele badalado por alguns coleguinhas pelo notório saber jurídico que acabou resumido em xerox de um jurista espanhol.Bizarro demais.
Diante de tal quadro, a montanha possivelmente irá parir um rato. É o que tudo indica em relação a tão temida “Delação do Fim do Mundo”, a delação da Odebrecht. Que obviamente tem potencial para uma hecatombe mas que, nesse cenário onde tudo foi dominado, e o tempo mostrou o óbvio, que os protestos jamais foram contra a corrupção, tal delação não irá passar de alguns escândalos capazes de indignação de um dia nas redes sociais ao serem vazadas e pouco além disso. Salvo os suspeitos de sempre do nosso Rick Café que deverão pagar, o resto da temida delação deve se arrastar algum tempo no Supremo e…morrer e ir morar na mesma cova para onde foi o barulho das panelas da moralidade. Fora improvável guinada, o velho funk virou hino nacional e “tá tudo dominado”, a Lei de Jucá venceu. A “Delação do Fim do Mundo” será exaltada como algo inacreditável, impressionante, tratada com indignação por aquela bancada inacreditável do jornal das 22h mas…amaciada por Gilmar, Toffoli, Moraes e Cia. E a montanha terá parido um rato.
No entanto, ainda há algo que parece ninguém estar atentando, e essa sim ser a verdadeira “Delação do Fim do Mundo”: a “Delação dos Doleiros”. Vale toda atenção e expectativa. É ela que poderia explodir o país, estando a outra provavelmente amarrada aos suspeitos de sempre depois que subirem ao foro especial. Alguns desses doleiros já começam a abrir o bico, e isso é informação e não análise. E se existe quem possa explodir o país, tem nome: eles, doleiros. Nesse Brasil/Bar do Rick, sempre vale ressaltar mil vezes a ressalva e usar o condicional: “pode, poderia…”, já que um golpe está sempre a espreita e pronto para botar no forno a imensa pizza. Salvo para os suspeitos de sempre, mais do que nunca o único alvo desse circo todo. Um ou outro fora do grupo alvo é entregue quando já não tem poder de articulação, só pra dar uma disfarçada… Se quiserem, tem gente graúda em todos os meios empresariais como nunca ninguém viu.
Da “Delação dos Doleiros”, não sobra ninguém, salvo 98% dos brasileiros, trabalhadores assalariados, futuros ex-CLTs. O resto, desses 2%, esses sim detentores do PIB, estão umbilicalmente amarrados a esses ilibados profissionais que fazem a mágica de tirar o dinheiro ganho na ilegalidade aqui, levar para dar umas voltas em dois países para tomarem uma lavagem, normalmente nas ilhas caribenhas e depois chegando na maior parte das vezes no Panamá, para então adentrar a Suíça (e cada vez mais ao Uruguai) e aí voltar para essa turma.
Em um muito fragilmente resumido esquema, funciona mais ou menos assim:
– O produto da pilhagem do colarinho branco, aquela para quem os bolsanarios jamais pedem pena de morte ou linchamento (ainda bem, que não pedir fosse para todos), muito pelo contrário, abraçam e tiram patéticas selfies, é entregue a um doleiro. Este leva para uma intermediária caribenha em geral em empresa offshore de fachada e conta idem.
– Dali viaja para nova camada de lavagem, geralmente panamenha. (com o Uruguai assumindo protagonismo cada vez maior).
– Finalmente chega à Suíça (na maioria das vezes).
– Começa o caminho de volta. E aí entra uma outra categoria, geralmente exaltada. Tristemente exaltada. Vide abaixo:
Nesse caminho de volta, temos o tal “mercado financeiro”. Sempre tenho vergonha alheia quando vejo alguns coleguinhas do jornalismo econômico tratando o tal “mercado” com reverência bíblica, como se tratassem um Deus. E mais ainda: tratando como os verdadeiros arautos do saber e detentores do santo graal. “O mercado não gostou, o mercado gostou, o mercado não quer, o mercado quer…”. E batem tanto na relação promíscua de tantos do jornalismo esportivo com suas fontes e cartolas (e deve ser batido mesmo) mas nunca vejo esses tais coleguinhas sendo mostrados como a aberração que são ao reverenciarem alguns potenciais bandidos “do mercado financeiro”. E aqui é feita a obrigatória atenção para as exceções de sempre, já que, como em qualquer área, existem os sérios. Mas é que na maior parte das vezes, como alguém acha que esse dinheiro volta limpo para a pátria mãe tão distraída?
Elementar, caros: nos tais “Fundos de Investimento”. Aqueles noticiados com trombetas: “o fundo de investimento tal, do megainvestidor tal, brasileiro extremamente bem sucedido e exemplo de empreendedor do capitalismo, acaba de adquirir…”. E ninguém acha estranho os tais “fundos de investimento” pagando milhões em “quarenta por cento de uma academia”, (aquela que você sempre vê vazia) “trinta por cento de um restaurante”, (aquele que você sempre vê vazio) “trinta, quarenta, cinquenta e um por cento de uma cadeia de lojas”, (aquela que você sempre vê vazias). E temos, em esquema grosseiramente resumido e traçado, o dinheiro repatriado, lavadinho da silva.
Pois se não forem blindados, se a delação dos doleiros não for como aquele esquete da “Porta dos Fundos” bem conhecido e a cada nome de tubarão entregue se interrompa com um “isso não é tema desse inquérito”, muito bem, teremos sim a delação do fim do mundo.
São esses que ao abrir a boca podem derrubar a república, já que, como falamos, os da Odebrecht podem derrubar a república mas parecem já sob controle em futuro próximo pela “Lei de Jucá”Ninguém mais sabe qual é o tão famoso e básico ensinamento de qual é o caminho do dinheiro, do fundamental “siga o dinheiro” do que essa turma. Acima de tudo: de quem são as digitais do dinheiro que levaram até ali para uma lavagenzinha rápida e já voltaram. tudo começou em um doleiro. Daí a potencialidade de estrago de um Alberto Youssef, mas que sempre goza de generosos juízes desde o Banestado para não ter que entregar salvo “os suspeitos de sempre”. Só que existem outros tantos como ou maiores do que Youssef. Como se falou, alguns já com o dedo de seta em ação. Outros foragidos mas inacreditavelmente pouco acossados em seus retiros. O principal deles vazou na cara de todo mundo. Se quiser abrir a boca, cai o mundo.
São esses que ao abrir a boca podem derrubar a república, já que, como falamos, os da Odebrecht podem derrubar a república mas parecem já sob controle em futuro próximo pela “Lei de Jucá”. È pelos doleiros que teremos os tais bem sucedidos e exemplos de vitoriosos do mercado, é por eles que teremos grandes empresários, é por eles que podemos ir do megaempresário ao jogador de futebol, passando pelos políticos. Quanto a isso, que ninguém tenha dúvida: a casa pode cair com os doleiros. Mas de resto há toda dúvida do mundo se irão ser apertados seletivamente ou republicanamente.
No mais, restam algumas questões e informações que valeriam texto à parte. E na parte de reportagens. Mas por obra do volume de coisas a vir em apuração nesta modesta Agência Sportlight de Jornalismo Investigativo, segue aqui mesmo no pé de página, mas não sem nobreza na hierarquia das notícias: a iminente prisão de um fundamental secretário de Cabral, com os dias marcados para pegar um resto de verão em Bangu, pode destampar uma outra caixa inacreditavelmente fechada na operação do país do Bar do Rick, dos suspeitos de sempre: a hora e a vez do judiciário.
Como alguém pode acreditar que no judiciário não vai nada? Como aquele velho bordão das ruas, “e no judiciário, não vai nada”? Pois se quiserem, a delação do tal secretário, sobre o qual se abaterá mais uma vez a “Vingança do Maracanã” que já abate Cabral, ele, peça fundamental na inominável destruição do estádio, e que já tem canto de cela guardado no quente bairro carioca, se quiserem, nomes do judiciário cairão como frutas maduras do pé.
São os tais precatórios que ele tão bem manipulava, junto com o chefe Cabral. E passava na fila para receber quem depositava os milhões de propina no escritório de advocacia amigo (virão muitos escritórios de advocacia também se quiserem…) e tinha que, para isso, dar uma molhada na mão de eventual juiz ou desembargador. Um esquema sabido e conhecido em todo perímetro que vai da Erasmo Braga, ali nas franjas da Praça XV e chega até Brasília. Porque afinal, se a tal “Delação do Fim do Mundo” e a tal operação não chegarem ao judiciário, mais do que nunca, estará confirmado: nos transformamos mesmo em um imenso “Bar do Rick”.
Esse judiciário é uma piada que está sempre advogando em causa própria. Não há saída para a nossa república se mantivermos esse terceiro poder intocável.
Sempre Lucio, parabéns pelo artigo. Chega de ” amadorismo” é preciso buscar os profissionais.