Empresa de vereador que está na lista da Odebrecht avaliou terreno do Museu do Índio

Quando a caixa-preta da famosa “Lista da Odebrecht” for finalmente aberta nos próximos dias, alguns personagens relacionados com a entrega do Maracanã para a empreiteira serão revelados. Muito além das já conhecidas presenças de “Proximus” e “Nervosinho”. A ação conjunta de Sérgio Cabral Filho e Eduardo Paes, titulares das alcunhas, envolveu uma série de medidas simultâneas para proporcionar a entrega a custo zero para a empresa. Como a construção de passarelas no entorno para os vips da Fifa pela prefeitura, agora inúteis. E a compra do Museu do Índio pelo governo estadual, que tem a participação de mais um presente na tão temida relação: o vereador Alexandre Arraes (PSDB-RJ).
Enquanto o município anunciava a construção de uma passarela ligando o entorno ao estádio na altura do Museu do Índio, o estado providenciava a compra do imóvel porque, de acordo com Sérgio Cabral, era “exigência da Fifa”, o que, como se viu depois nesse e em outros casos, chegou a ser desmentido pela própria Fifa. Na licitação para construção da passarela pelo município, o início das obras é anunciado para o dia 17 de julho de 2012. Em 2 de julho, o estado concluiu a compra do imóvel junto a Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB). A licitação para a construção de duas passarelas e urbanização do entorno foi vencida por quem seria a beneficiária da concessão do estádio, a própria Odebrecht, e custou aos cofres da cidade, na prefeitura de Eduardo Paes, R$ 108.059.951,75 (cento e oito milhões, cinquenta e nove mil, novecentos e cinquenta e um reais, setenta e cinco centavos). Já a compra do Museu do Índio pelo estado custou R$ 60 milhões e tem alguns pontos que valem destaque à parte.
Em um estado quebrado financeiramente e em débito com seus servidores, o Rio segue pagando a contrapartida pelos ganhos recebidos por Cabral junto a Odebrecht. No caso do Museu do Índio, são R$ 450 mil mensais, reajustados todos os meses, até 2022, quando se fecharão os R$ 60 milhões acertados. O preço pago pelo imóvel foi estabelecido de acordo com avaliação de outro envolvido na “lista da Odebrecht”: a empresa “Irpa Irmãos Pádua ltda” tem como sócio Alexandre José Berardinelli Arraes, o vereador Alexandre Arraes (PSDB-RJ). Assinado em 19 de abril de 2012, o laudo 7138.7138.194590.2012.01.01.01, da Caixa Econômica Federal (CEF), estipulou o valor, de acordo com os documentos obtidos pela reportagem através da Lei de Acesso à Informação. Na época do serviço prestado pela empresa, Alexandre Arraes era assessor parlamentar no gabinete da vereadora Andrea Gouveia Vieira (PSDB-RJ). Poucos meses depois, em 13 de novembro de 2012, deixa o gabinete para concorrer à vaga de vereador, não sendo eleito, o que veio a ocorrer apenas no último pleito. Até 8 de abril de 2011, antes da liberação para o gabinete da vereadora, Alexandre Arraes era fiscal de atividades econômicas, originário da Secretaria Municipal de Fazenda.
Questionado pela Agência Sportlight de Jornalismo Investigativo sobre a empresa ter assinado o laudo do Museu do Índio para o governo de Sérgio Cabral sendo um servidor público, o vereador afirmou, através da assessoria de imprensa: “Alexandre Arraes é servidor público municipal concursado da Cidade do Rio de Janeiro, à época requisitado pelo gabinete da vereadora Andrea Gouvêa Vieira para exercer função de assessoria técnica. Não há qualquer restrição no Estatuto dos Servidores Municipais do Rio de Janeiro que impeça a participação de servidores como sócios cotistas, desde que não sejam sócios gerentes da empresa. Na composição societária da empresa ele era apenas cotista minoritário e não sócio gerente, por isso nem mesmo recebia pró-labore. Não há conflito de interesses por conta do imóvel citado estar sob administração do governo federal, portanto outra esfera governamental. A participação na referida empresa consta da declaração anual de bens e rendimentos prestada à Receita Federal”.
Na base de dados da Receita Federal, Alexandre Arraes aparece como sócio e Lúcia Arraes como sócia-administradora.
A reportagem questionou ainda sobre a menção na “Lista da Odebrecht”, já que a empresa não consta como doadora de sua campanha em 2012. Alexandre Arraes respondeu que “em 2012 a legislação eleitoral permitia a doação de pessoas jurídicas para campanhas eleitorais, desde que registradas. Apenas a partir de 2014 a doação de pessoas jurídicas foi proibida. Não era comum em 2012 que empresas de grande porte fizessem doações para candidatos a vereador sem mandato eletivo. As doações eram feitas para os diretórios partidários que as repassavam a candidaturas. Na prestação de contas ao Tribunal Regional Eleitoral consta a doação de R$ 15 mil reais feita pela direção nacional do partido. Prestações de contas de campanhas eleitorais são documentos públicos e disponíveis no site do Tribunal Regional Eleitoral”.
A reportagem fez contato com a Caixa Econômica Federal através da assessoria de imprensa para saber a razão do laudo de avaliação do terreno do Museu do índio ter sido terceirizado a uma empresa, já que a Caixa tem seus próprios peritos a desempenhar habitualmente tal função e quais foram os critérios para contratação da empresa. A CEF respondeu: “Com relação aos questionamentos, a Caixa esclarece que, para elaborar os trabalhos de avaliação, dispõe de profissionais do quadro próprio e de uma rede de empresas credenciadas. A Caixa divulga Edital de Credenciamento de Empresas de Engenharia que é aberto ao público. As empresas interessadas se habilitam e são analisadas técnica e administrativamente para a realização de determinados serviços como avaliação, análise de empreendimento, acompanhamento de obras, perícias técnica, entre outros, e a distribuição das demandas é feita conforme o volume de trabalhos solicitados no momento. A Caixa não é responsável pela fiscalização da atuação externa dos profissionais técnicos. Se houver impedimento, cabe à empresa manifestar pela recusa da autorização de serviço”.
A compra foi assinada pelo então Chefe da Casa Civil do governo Cabral, o também investigado Régis Fichtner. A CONAB, então proprietária do terreno, já era área de influência do deputado federal Jovair Arantes, relator do processo de impeachment de Dilma RousseffA compra foi assinada pelo então Chefe da Casa Civil do governo Cabral, o também investigado Régis Fichtner. A CONAB, então proprietária do terreno, já era área de influência do deputado federal Jovair Arantes, relator do processo de impeachment de Dilma Rousseff. O deputado indicou todos os presidentes do órgão desde 2011, diversos diretores e uma cota de 20 funcionários que entraram sob sua indicação. Tendo assumido o poder logo depois de Evangevaldo Moreira dos Santos deixar o cargo após ser acusado de irregularidades, Rubens Rodrigues dos Santos entra em fevereiro de 2011 e logo em seguida acerta com Cabral a venda do Museu do Índio. Rubens Rodrigues dos Santos chegou a ser indiciado pelo Tribunal Regional Eleitoral de Goiás por ter, de acordo com o TER, emprestado funcionário da CONAB para a campanha de Jovair Arantes em 2012.
Os R$ 60 milhões que Cabral usou para comprar o terreno onde está o Museu do Índio, abrindo o caminho para a exploração pela Odebrecht de todo o complexo do Maracanã, divididos nas prestações de R$ 450 mil até 2022 seriam suficientes para cobrir as despesas de alguns batalhões da PM ou a folha de diversas escolas estaduais. A despesa acabou inútil mesmo para os propósitos, ao menos os oficiais, de Sérgio Cabral. Depois de resistência popular contra a derrubada, a justiça concedeu liminar para suspender a demolição. A pressão se seguiu e Cabral foi obrigado a desistir da ação, apesar do gasto já comprometido e ainda sendo pago.
Na ação conjunta de Cabral e Paes para entrega limpa e sem custos de todo o complexo para a Odebrecht ainda constava a demolição do estádio de atletismo Célio de Barros, assim como a Escola Municipal Friedenreich e o parque aquático Júlio de Lamare, o que acabou não se concretizando por pressão popular e ações na justiça.
O destino das passarelas construídas pela prefeitura na obra de urbanização por quase R$ 109 milhões não foi diferente. Em 23 de janeiro, reportagem da Folha de São Paulo denunciou os “elefantes brancos”, que ligam o nada a lugar nenhum. Uma das passarelas foi feita para o transporte de vips da Fifa durante a Copa do Mundo. Assim, desciam no estacionamento para carros credenciados ali instalado e iam direto para o estádio. Como a reportagem de Sérgio Rangel mostra, pós-copa perderam toda a função e os pedestres não têm motivos para utilizá-las.
Assim, o R$ 1,2 bilhão usado na obra pelo estado para imediatamente depois entregá-lo em concessão para a Odebrecht, na verdade, é uma soma muito maior, já que gastos à parte foram realizados para que o caminho ficasse aberto e pronto para a empreiteira, e não só pelo governo do estado, mas também pela prefeitura. Na abertura deste caminho por “Proximus” e “Nervosinho”, houve avaliação por empresa de servidor ou, no episódio do Maracanã, o servidor Carlos Fernando Souza Leão, funcionário do estado, também afastado pouco antes dos quadros do estado e emprestado ao IPHAN, assinando a autorização para obra na cobertura do estádio.
Pela matemática de Cabral, o mais de um bilhão gasto na obra, além das demais obras e aquisições no entorno em conjunto com a prefeitura, teria o retorno da concessão para a Odebrecht pela metade: R$ 594.162.148,71 (quinhentos e noventa e quatro milhões, cento e sessenta e dois mil, cento e quarenta e oito reais e setenta e um centavos), num prazo de 35 anos.
Ainda durante a gestão de Eduardo Paes, a Agência Sportlight de Jornalismo Investigativo enviou a questão abaixo para a Secretaria Municipal de Obras abordando o fato de que o gasto poupou o futuro concessionário de tais melhorias, previstas entre as obrigações:
Pergunta: Em relação à licitação do ano de 2012, “CONSTRUÇÃO DE PASSARELAS SOBRE A LINHA FÉRREA (METRÔ E SUPERVIA) E URBANIZAÇÃO DO ENTORNO DO ESTÁDIO DO MARACANÃ, NA ÁREA DA O/SUBOP/CGO – 2ª GO – IXª AR – AP-2.2.”, no valor de R$ 108.059.951,75, vencida pela Odebrecht, gostaria de saber se o gasto não se antecipou desnecessariamente à concessão do estádio, cujo edital de “concessão administrativa, operação e manutenção do Maracanã” obrigava o vencedor aos gastos pela reforma total do entorno do estádio. Cabe salientar que a obra antecede ao edital, mas, no entanto, já se sabia que existiria a concessão e tais obrigações de quem viesse a administrar o estádio. Assim sendo, qual a razão para tal obra e gasto?
Resposta: “A Secretaria Municipal de Obras esclarece que a obra de requalificação do entorno do Maracanã incluiu a construção desta nova travessia, prevista no caderno de encargos para a Copa de 2014, ficando a cargo do município e tendo sido licitada dentro de todos os parâmetros legais. Vale informar, ainda, que tal escopo e licitação foram previamente aprovados pelo órgão fiscalizador da Prefeitura do Rio, o Tribunal de Contas do Município”.
A reportagem tentou contato com o ex-prefeito Eduardo Paes, sem êxito.
A reportagem tentou contato ainda com a defesa do governador Sérgio Cabral, sem êxito.