Parceria em negócios da CBV de Ary Graça se repetiu em licitação do Exército
Uma conhecida tabelinha que frequentou os negócios da Confederação Brasileira de Vôlei (CBV) durante a gestão de Ary Graça se repetiu nas licitações dos V Jogos Mundiais Militares, disputados entre 16 e 24 de julho de 2011, no Rio de Janeiro.
Em uma das pontas, está a S4G, protagonista das denúncias contra a entidade, representada por Fábio Azevedo, braço-direito do ex-mandatário. Na outra, a Smiranda Eventos, que assumiu o lugar da parceira em contratos após a eclosão dos escândalos que abalaram a CBV. Cujo proprietário é Jorge Roberto Ehrlich de Miranda, coronel da reserva do Exército e que chegou a ser gerente de esportes da competição, nomeado e exonerado em 2008.
A S4G foi uma das fornecedoras da competição militar, totalizando serviços no valor de R$ 3.355.000,00 (três milhões, trezentos e cinquenta e cinco mil reais) no pregão eletrônico 20/2011, no qual arrematou a organização do futebol, basquete, vôlei de quadra, esgrima e judô.
Foi na licitação do “Serviço de organização do judô”, no valor de R$ 1.185.000,00 (um milhão, cento e oitenta e cinco mil reais), divulgada em 13 de maio de 2011, que a parceria entre S4G Gestão de Eventos e Smiranda funcionou. Entre os atestados de capacidade técnica exigidos no edital, obtidos pela reportagem através da Lei de Acesso à Informação, a empresa de Fábio Azevedo, aberta em 10 de setembro de 2010, oito meses antes do pregão, apresentou declaração da Smiranda na qual esta afirma que “esta empresa presta serviços nas áreas de gestão operacional, produção e assessoria na execução de eventos esportivos nacionais e internacionais para a S4G”. Já a Smiranda foi aberta dois meses depois do que a S4G, em 29 de novembro de 2010, de acordo com a base de dados da Receita Federal. A parceria, no entanto, foi além do atestado de capacidade técnica. De acordo com a própria resposta do proprietário da Smiranda, a empresa foi “subcontratada” pela S4G para a realização da competição de judô nos jogos militares (ver “outro lado ao fim da reportagem).
Um outro atestado é apresentado no pregão para organização do judô. Em sua declaração, a Confederação Brasileira de Judô (CBJ), não atesta que a S4G está apta a promover torneios da modalidade e sim assina um ofício dando aval para que a então recém-aberta Smiranda organize a competição da modalidade. “A CBJ ratifica para os devidos fins que a empresa Smiranda Eventos está capacitada a realizar competições internacionais de judô no Brasil”, embora quem esteja disputando a licitação seja a S4G.
O edital de licitações da competição, em seu “Termo de Referência”, no item 9.13 da página 35, afirma que “é vedado ao contratado transferir a terceiros os direitos ou créditos decorrentes do contrato”.
Jorge Roberto Ehrlich de Miranda é coronel da reserva do exército, tendo estado na ativa até 2005. Transitou amplamente na área de esportes do exército, tendo exercido a função de Vice-Presidente Executivo na Comissão de Desportos do Exército (CDE) no período de 22/11/2000 a 30/4/2005, quando foi para a reserva.
Nos V Jogos Mundiais Militares, chegou a ser nomeado para a função de “gerente de esportes”, nomeação publicada no Diário Oficial de 9 de setembro de 2008, função a qual largou pouco tempo depois. A Smiranda ainda não existia, sendo aberta em 29 de novembro de 2010, oito meses antes da competição, de acordo com os dados da Receita Federal, onde consta também a baixa da empresa em 15 de maio de 2014, pouco tempo depois do início dos escândalos da CBV se tornarem públicos, em fevereiro de 2014.
A reportagem questionou o CCFEX (Centro de Capacitação Física do Exército) se a ação do coronel Jorge Roberto Ehrlich de Miranda e participação, ainda que indireta, no processo de licitação não feria o edital, que, no item
9.6 veda participação de “Servidor ou dirigente de órgão ou entidade contratante ou responsável pela licitação”. (pág 4, seção III, “da participação na licitação”). Se mesmo na reserva não seria um “servidor”. Através da assessoria de comunicação, o CCFEX negou choque entre o edital e tal participação. (Ver no fim da página “outro lado”).
Nos requisitos para a licitação, a S4G atesta não ter tido qualquer tipo de informação privilegiada sobre a concorrência.
CGU: “imediatamente após a extinção dos contratos com a S4G Planejamento e Marketing e a S4G Gestão de Eventos em 30/7/2013, a CBV assinou em 1/8/2013, com vigência até 31/12/2013, contrato com a Smiranda Eventos ltda”A proximidade e as relações comerciais entre as empresas de Fábio Azevedo e Jorge Roberto Ehrlich Miranda atravessaram a gestão de Ary Graça na CBV.
Investigação da Controladoria Geral da União (CGU) constatou que quando os contratos da S4G com a CBV foram extintos, em 30/7/2013, em virtude dos conflitos internos gerados no momento em que os contratos assinados por Ary Graça vieram à tona, foi a Smiranda que assinou novos acordos com a CBV. De acordo com o relatório da CGU “imediatamente após a extinção dos contratos com a S4G Planejamento e Marketing e a S4G Gestão de Eventos em 30/7/2013, a CBV assinou em 1/8/2013, com vigência até 31/12/2013, contrato com a Smiranda Eventos ltda, cujo objeto é a prestação de serviço de gerenciamento, planejamento e produção dos grandes eventos do vôlei de quadra e praia no Brasil, ou seja, substituindo os serviços prestados pelas duas S4Gs”.
Esse mesmo relatório da CGU aponta ainda que a Smiranda, em prestação de serviço para a CBV, subcontratou uma empresa que está em nome da mulher de Fábio Azevedo (da S4G,empresa a qual substituía depois dos contratos que vieram à tona) e do irmão do mesmo, aberta em 15/2/2012. A empresa do irmão e da mulher de Fábio Azevedo, da área gráfica, prestou serviço para a CBV subcontratada também pela própria S4G, de acordo com a CGU. No valor de R$ 928.261,13 (novecentos e vinte oito mil, duzentos e sessenta e um reais e treze centavos), somente no ano de 2013. E alerta ainda para a “emissão em notas sequenciais para a CBV” por parte da Smiranda.
Uma auditoria realizada pela PWC aponta um total de R$ 1.429,665,00 (um milhão, quatrocentos e vinte e nove mil, seiscentos e sessenta e cinco reais) pagos para a empresa no período após a saída da S4G.
Entre eles, está a “concessão de adiantamento para a SMiranda sem contrato assinado”. No caso, R$ 60 mil, adiantados em 3 de abril de 2013, com prestação de contas em 10 de junho seguinte. Mas, de acordo com a auditoria, o contrato 1557 só viria a ser assinado em 1º de agosto de 2013, portanto quatro meses depois do contratante adiantar verba ao contratado. O relatório assinala ainda que é “importante ressaltar que a SMiranda foi sucessora da S4G na prestação de serviços de gestão para a CBV”.
Parceiras na licitação do Exército e em transações com a CBV, a S4G e a Smiranda já apareceram como concorrentes em uma licitação envolvendo CBV e Ministério do Esporte. Foi no Convênio 776592/2012, que tratava sobre a contratação de empresa para o projeto de “Organização e Produção do Campeonato Brasileiro de Seleções Estaduais de Voleibol 2013”. A engrenagem construída para a concorrência era assim: as cinco empresas envolvidas nas diferentes fases do processo tinham laços com a entidade contratante, CBV. Uma delas, participante da fase final da licitação, é de uma sobrinha de Ary Graça, então presidente da CBV. As demais eram de pessoas ligadas a S4G, a própria CBV ou a Smiranda. Sendo que a própria S4G participou da fase de tomada de preços do certame. As cinco empresas envolvidas na licitação foram constituídas quase ao mesmo tempo, em menos de três meses, entre 10/9/2010 e 29/11/2010. (ver reportagem de 21/4/2017: http://agenciasportlight.com.br/index.php/2017/04/21/a-complexa-teia-da-familia-volei-e-seus-personagens-de-multiplas-faces/ ).
A Smiranda foi a vencedora da disputa de uma dessas frações do montante total em um contrato de R$ 4.749.931,48 (quatro milhões, setecentos e quarenta e nove mil, novecentos e trinta e um reais e quarenta e oito centavos) no convênio com o Ministério do Esporte, ficando com a “Organização e Produção”, no valor de R$ 213.545,44 (duzentos e treze mil, quinhentos e quarenta e cinco reais e quarenta e quatro centavos) por cada uma das oito etapas do projeto.
A fase de tomada de preços do convênio ocorreu em setembro de 2012, com Smiranda e S4G em disputa entre elas. E a licitação em fevereiro de 2013, com a Smiranda na disputa e se saindo vencedora.
Parceiros na licitação do Exército, concorrentes no Ministério do Esporte, os sócios das duas empresas já apareceram em documento público como sendo da mesma empresa. Jorge Roberto Ehrlich de Miranda é assim apresentado por Fábio Azevedo em um e-mail entre Fábio Azevedo (S4G) e os responsáveis pelo time de vôlei de Volta Redonda, obtido agora por esta Agência Sportlight de Jornalismo Investigativo, e que está no processo 0022157-07.2013.8.19.0066, que o clube moveu na justiça contra a S4G, Fábio Azevedo, dono da S4G, em fevereiro de 2013. Miranda está copiado entre os destinatários do e-mail com constando com endereço corporativo da S4G. “A S4G, na pessoa do Miranda (c/c), será a responsável por receber a demanda do Sylvio e providenciar a contratação dos referidos serviços”, diz a correspondência, escrita no mês em que o mesmo Jorge Miranda aparece concorrendo contra a S4G em nome da Smiranda. Ou seja: no mesmo período em que aparece em uma licitação da CBV no Ministério do Esporte concorrendo contra a S4G representando a Smiranda, aparece também em documento representando a S4G.
OUTRO LADO:
Jorge Roberto Ehrlich de Miranda (Smiranda):
R- “Passei para a reserva do Exército Brasileiro no ano de 2005. Importante frisar que o Regulamento Militar permite que o profissional militar na reserva possa exercer emprego remunerado ou constituir empresa de prestação de serviços”.
“Não desempenhei a função de Gerente de Esportes ou qualquer outra função no Comitê Organizador dos V Jogos Mundiais Militares-2011. Na realidade, em 2008 fui sondado pelo Exército sobre a possibilidade de trabalhar na organização dos V Jogos Mundiais Militares. Informei que teria dificuldade em dispor de tempo integral para atender as demandas que a atividade me imporia, mesmo assim houve interesse do Exército em prosseguir com o processo de designação, o qual aconteceu em setembro de 2008. Na segunda quinzena do mês de setembro de 2008, mesmo mês da designação, fui orientado a comparecer a uma reunião no CEFAN ( Centro de Educação Física Almirante Adalberto Nunes) para tratar sobre a definição da estrutura organizacional inicial do Comitê Organizador dos Jogos, o qual estava em fase de formação. Participei da reunião, onde pude confirmar que as atividades previstas exigiriam minha participação com total disponibilidade de tempo, o que eu não teria condições de atender em virtude de compromissos familiares e outras atividades assumidas . Ao final da própria reunião informei ao gestor responsável, autoridade que conduziu a mesma, que iria solicitar que fosse anulada a designação e que não prosseguiria na organização dos supracitados jogos. Posteriormente solicitei a anulação, a que ocorreu efetivamente no mês de outubro de 2008. Em suma, minha atuação na organização dos jogos se resumiu a participar de uma reunião preliminar, solicitar meu afastamento ao final da mesma e retirar-me totalmente do processo, não tendo mantido mais nenhuma relação funcional ou profissional com o Comitê Organizador dos V Jogos Mundiais Militares, nos anos seguintes”.
“Em 2011, a S4G disputou a licitação para a montagem da área de competição de algumas modalidades dos supracitados jogos, Na época, a minha empresa prestava serviços para a S4G na produção de eventos para os quais a mesma fosse contratada, juntamente com diversas outras empresas que eram subcontratadas pela S4G. É natural que a possível participação de empresas em prestação de serviços em eventos do porte dos Jogos Mundiais Militares seja precedida de uma verificação da capacidade técnica das empresas participantes, pela instituição contratante, o que explica o motivo pelo qual a subcontratação de empresa que conte com profissional com experiência em evento de tal magnitude se torna importante”.
“Os serviços realizados pela minha empresa nos jogos foram de coordenação da montagem das áreas de competição das modalidades para as quais a S4G foi contratada, atuando como subcontratada pela S4G, juntamente com outras empresas. Os serviços foram prestados, foi emitida a NF correspondente, ao final do evento, e todos os impostos decorrentes da NF foram realizados e quitado aos cofres públicos”.
S4G
Foram enviadas as questões para a S4G através da assessoria de comunicação, sem resposta.
Centro de Comunicação Social do Exército (CCOMSEX):
R- “Não existe indicação de conflito de interesses do militar com a Administração. Além disso, não existe registro de contrato do militar com o Centro de Capacitação Física do Exército (CCFEx), antes do militar ter ido para reserva ou mesmo após ter passado para a situação de inatividade.
Na época do certame licitatório, a empresa S4G apresentou por força de Edital, quatro atestados sendo que um foi fornecido pela empresa SMiranda. Este atestado, fornecido pela empresa SMiranda, somente atestava que a empresa S4G tinha capacidade técnica na área dos eventos.
Mesmo que houvesse serviço ou contrato, que viesse a ser firmado com o CCFEx, o fato de o militar estar na reserva, não se mostra como impeditivo para que este participe de processos licitatórios. Tal impedimento ocorre somente para militar em atividade.
O item 9 do Termo de Referência trata de pagamento.
No item 9.13 lê-se: “é vedado ao contratado transferir a terceiros os direitos ou créditos decorrentes do contrato”, ou seja, outra empresa não pode receber no lugar do contratado.
O Centro de Capacitação Física do Exército (CCFEx) liquidou as despesas com a empresa à SG4. Caso a SG4 tenha terceirizado ou subcontratado qualquer serviço, esse pagamento, a outra empresa, foi realizado pela SG4, e não pelo CCFEx”.
CBJ
“A Confederação Brasileira de Judô concedeu o referido atestado de capacidade técnica sem relação com os Jogos Mundiais Militares, em razão de a empresa já ter prestado serviços em competições internacionais de judô realizadas no Brasil”.