Documentos mostram ofensiva de Nuzman, Cabral e Paes aos votos africanos na reta final e a influência de Lamine Diack
No dia 29 de setembro de 2009, Lamine Diack utilizou a conta do filho, Papa Diack, para receber U$ 1,5 milhão, depositados por Arthur Soares, o Rei Arthur, empresário ligado a Sérgio Cabral. Três dias depois, o membro do Comitê Olímpico Internacional (COI) e então presidente da Federação Internacional de Atletismo (IAAF), exercia seu voto a favor da candidatura do Rio de Janeiro para as Olimpíadas de 2016. Muito mais do que isso: de acordo com o Ministério Público Federal francês, que investiga o caso conjuntamente com a instituição correspondente brasileira, o senegalês foi a peça crucial para obtenção da adesão dos dirigentes africanos, que mantém a prática de votarem em bloco no colégio eleitoral que define as sedes dos jogos. Um mês antes de ver o saldo bancário engordado por alguém próximo a Cabral, Diack foi anfitrião de uma comitiva formada pelo próprio Cabral, então governador, por Eduardo Paes, na ocasião prefeito do Rio e Carlos Arthur Nuzman, então presidente do Comitê de Candidatura do Rio 2016. Era o Mundial de Atletismo de Berlim, no início de agosto daquele ano. (Na foto acima, os três durante o evento organizado por Lamine Diack um mês antes das eleições) Documentos obtidos pela reportagem através da Lei de Acesso à Informação mostram as articulações do presidente do Comitê Olímpico Brasileiro (COB) durante a competição alemã, o esforço dos últimos dias concentrados para conquistar os votos da África e a influência de um braço-direito de Diack sobre seus pares. E mostram ainda que Nuzman foi responsável direto por uma série de convites antes da eleição para que membros dos comitês viessem ao Brasil.
Um documento de 23 de julho de 2009 produzido pela embaixada do Brasil na Tunísia mostra as articulações da candidatura do Rio para os decisivos encontros no Mundial da Alemanha. De acordo com o relato do embaixador brasileiro na Tunísia, o diretor de comunicação e marketing do COB e CoRio2016, Leonardo Gryner, em viagem aquele país, encontrou-se com o ex-primeiro ministro e membro vitalício do COI, Mouhamed Mzali, que declarou-se inclinado a votar a favor do Rio mas acertou “retomar a questão em encontro com o presidente do COB, Carlos Arthur Nuzman, a realizar-se em agosto próximo, em Berlim, por ocasião do Mundial de Atletismo”. O tunisiano já estivera citado em apurações de escândalos de compra de votos em pleitos olímpicos, como mostrou um dossiê publicado na imprensa europeia após a vitória da candidatura de Sidnei, 2000.
Há um outro momento decisivo da investida brasileira nos votos africanos. E também se relaciona a Lamine Diack. Em 2 de julho naquele mesmo 2009, o presidente do Comitê Olímpico de Camarões (CNOSC), Hamad Kalkaba Malboum encontrou-se com o encarregado de negócios da embaixada brasileira em Iaundê, capital de Camarões, Guillermo Riviera. No encontro, Malboum comprometeu-se apoiar a candidatura do Rio e acenou com o apoio dos 54 comitês olímpicos africanos, que detém 16 votos. “O presidente do CNOSC acrescentou que defenderá a proposta brasileira na próxima Assembleia Geral da Associação dos Comitês Olímpicos Nacionais da África (ANOCA)”, escreveu o diplomata brasileiro. A assembleia realizou-se quatro dias depois, em Abuja, na Nigéria. Os 16 votos do bloco africano praticamente asseguraram a passagem brasileira na primeira ronda eleitoral, fundamental para seguir. Com Chicago eliminado, foi mais fácil construir novas alianças. Daí a importância do voto do bloco africano.
O cabo eleitoral do Brasil na assembleia dos comitês africanos é um homem de Lamine Diack. Foi o mentor que o transformou em sucessor na Confederação Africana de Atletismo ao deixar o órgão para assumir a IAAF. Sob a batuta e costura do grande aliado de Diack, os comitês olímpicos africanos fecharam apoio para a eleição do Rio, decisivo e, de acordo com o documento da embaixada brasileira, “ de grande valia para as pretensões olímpicas brasileiras”. O voto em bloco tirado na assembleia dos comitês africanos não foi novidade. Na conversa com o diplomata brasileiro, Malboum relatou e acenou com a unanimidade dada pelos africanos à China para o pleito da sede de 2008.
Lamine Diack ganhou com duas candidaturas aos jogos de 2016. De acordo com investigação do jornal inglês The Guardian, o senegalês primeiro apoiou Dubai e coordenou a compra de votos de seis membros do colégio eleitoral. Não foi suficiente e Dubai caiu fora. Diack então embarcou na candidatura carioca, de acordo com a justiça da França, onde cumpre prisão domiciliar. Recebendo por isso propina de Arthur Soares e, segundo o The Guardian, levando o apoio dos votos que controlava para o Rio. O jornal inglês conta ainda que Diack tinha uma consultoria de nome “Black Tidings, cujo nome em hindu significaria lavagem de dinheiro sujo. Já a transação com “Rei Arthur” se deu através do filho, Papa Diack, em uma conta no nome da empresa Pamodzi Consulting.
Sob o guarda-chuva e controle de Diack também estava o ex-campeão de atletismo Frank Fredericks, conselheiro da IAAF e com direito a voto em Copenhague. De acordo com o francês Le Monde, o namíbio recebeu um depósito de US$ 299,3 mil no dia da votação para cravar o Rio, em pagamento também feito através da empresa de Papa Diack para a Yemi Limited, empresa de Frank Fredericks situada nas Ilhas Seicheles.
A maratona africana de Nuzman na reta final
O esforço concentrado da reta final de Nuzman, presidente do Comitê Olímpico Brasileiro (COB) e do então Comitê de Candidatura Rio 2016, que viria a ser depois o Comitê Rio 2016 (CoRio2016), no colégio eleitoral africano não foi só no evento comandado por Lamine Diack em Berlim. Os relatórios das embaixadas brasileiras ao Ministério das Relações Exteriores mostram uma maratona do mandatário do Rio2016 no continente às vésperas do pleito.
Na maior parte do périplo africano, Nuzman esteve acompanhado pelo diretor do COB e CoRio2016, Leonardo Gryner. No dia 16 de julho de 2009, o Ministério das Relações Exteriores (MRE) envia comunicado para algumas embaixadas brasileiras no continente africano dando conta que “no contexto da campanha de divulgação da candidatura do Rio de Janeiro, o Comitê Olímpico Brasileiro planeja realizar missão junto a alguns comitês olímpicos africanos nos meses de julho e agosto corrente”.
Antes do comunicado do MRE, Nuzman já havia estado no Cairo, Egito, entre os dias 2 e 4 de junho.
Leonardo Gryner esteve na Tunísia entre 20 e 22 de julho. Juntando-se a Nuzman, estiveram em Conacri, República da Guiné, no fim de julho. Nuzman portando um passaporte diplomático e Gryner um documento comum.
Seguiram para o Quênia onde ficaram entre os dias 28 e 30 de julho. Logo no dia da chegada estiveram com o detentor do voto queniano no colégio eleitoral, Kip Keino, em coquetel oferecido pela embaixada brasileira. Foi doado material esportivo pelo Brasil.
De lá para Kampala, Uganda, entre 30 de julho e 1º de agosto.
Em 27 de agosto, a dupla desembarcou proveniente de escala em na capital belga em Banjul, capital de Gâmbia.
O período eleitoral da candidatura brasileira também registra uma série de convites para membros dos países votantes virem ao Brasil sob o pretexto de observadores de competições realizadas no país. Não só para países africanos.
Pouco tempo depois da Assembleia Geral da Associação dos Comitês Olímpicos Nacionais da África (ANOCA) na Nigéria, já bem próximo a votação do COI, a embaixada brasileira naquele país consulta, em 26 de agosto, o MRE sobre concessão de visto para Oluwakemi Modupe, administradora de esportes do Comitê Olímpico daquele país, que apresentou carta-convite de Carlos Arthur Nuzman para ser “observadora dos Jogos Escolares Brasileiros. De acordo com o comunicado, com despesas pagas pelo comitê nigeriano.
Já imediatamente após a votação que deu a vitória ao Rio para sediar os jogos, a Coreia do Norte, através da embaixada brasileira na China apresentou o convite assinado por Nuzman para 4 treinadores de futebol do país de Kim Jong-Um para “participar de reuniões sobre assuntos relacionados com futebol, realizadas pelo Comitê Olímpico Brasileiro. Carta assinada por Carlos Arthur Nuzman”.
OUTRO LADO:
A reportagem enviou as questões abaixo para o Comitê Rio 2016, sem obter resposta:
1- Se durante o Mundial de Atletismo, em Berlim (10 a 14/8/2009), os membros do Comitê Rio 2016 estiveram reunidos e trataram sobre a candidatura do Rio com o senhor Lamine Diack.
2- A reta final do período de votação foi focada em países africanos. Qual a razão da estratégia?
3- Alguns membros de comitês olímpicos africanos e também norte-coreanos foram convidados antes da eleição por Carlos Arthur Nuzman para virem ao Brasil. Se isso não feria o regulamento de candidaturas.
espera-se punição aos 2 q continuam soltos
Lucio, parabéns pelo brilhante trabalho de pesquisa.
Siga em frente, só assim vamos tendo a certeza das falcatruas que são praticadas por essa turma.
Abraço.
Será que tem alguém na lava jato que acompanha a agênciasportlight ?…tá tudo aí, não precisa nem investigar…se é que eles têm interesse…
Lucio,
Péssimas notícias, em excelente trabalho de jornalismo investigativo, pois traz a tona o perfil de dirigentes esportivos brasileiros que ajudam o pais a mergulhar no pântano da corrupção. Cadeia nesta turma !!!
Sensacional Lucio vc é o nosso ídolo!!!!
Parabéns, seu trabalho é magnífico, só espero que o cinismo que continua em torno do COB possa terminar, e com ele terminar os mesmos procedimentos nas Confederações e federações e principalmente os sempre prejudicados Atletas falem sem medo de serem prejudicados
Parabéns seu trabalho é magnífico,espero que todos que por anos , muitos anos, ficaram calados por medo,fiquem inspirados em suas obras e ajudem nesta luta pelo esporte no Brasil