Exclusivo: entenda como Nuzman driblou a Lei de Improbidade Administrativa
Carlos Arthur Nuzman deu um drible na lei. Mais do que isso: ficou fora do alcance dela.
A norma em questão é a “Lei de Improbidade Administrativa” (8.429/92). E a forma encontrada para estar inalcançável por ela foi de simples execução: desde 2005, o presidente do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), não assina nenhum convênio com o Ministério do Esporte.
É o que demonstra levantamento feito pela reportagem através de pedidos pela Lei de Acesso à Informação (LAI) e de consulta ao Sistema de Convênios (Siconv) do governo federal. De 2005 para cá, quando Nuzman para de assinar (ver relação ao lado), todos os acordos celebrados entre COB e Ministério do Esporte tiveram a assinatura de André Richer, 87 anos, vice-presidente do COB, que assina sempre na qualidade de presidente em exercício. Além da constatação via Lei de Acesso e da checagem pela consulta ao Siconv, a Agência Sportlight de Jornalismo Investigativo pediu outra confirmação ao Ministério do Esporte, que respondeu: “Os convênios do Ministério do Esporte com o Comitê Olímpico do Brasil (COB), a partir de 2005, foram assinados por André Richer”.
Ao assinar como responsável um convênio, o titular da assinatura passa a ser passível de sanção penal. São inúmeras as possibilidades de responsabilização de pessoas físicas por irregularidades em convênios, como apurado pela reportagem com juristas e especialistas dos órgãos de fiscalização do estado, que preferiram não se identificar:
Além das sanções penais (crimes praticados contra a Administração Pública), as mais relevantes são as punições previstas na já citada Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/92), pela prática das infrações previstas nos artigos 10 (casos de lesão ao Erário) e no artigo 11 (violação aos princípios da Administração Pública). São ações movidas na esfera cível e também podem ter como sujeito empresas e particulares, ou seja, aqueles que, mesmo não sendo agentes públicos, concorram para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficiem.
As penas são pesadas e incluem perda patrimonial em caso de condenação. No caso do artigo 10, vão do ressarcimento integral do dano, a perda dos valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio da pessoa, a perda da função pública (se for o caso), a suspensão dos direitos políticos de 5 a 8 anos e o pagamento de multa civil até duas vezes o valor do dano, além da proibição de celebrar contratos com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, ainda que por intermédio de empresa em que seja sócio majoritário, pelo prazo de 5 anos.
No caso do artigo 11, as penas são o ressarcimento integral do dano, suspensão dos diretos políticos de 3 a 5 anos, pagamento de multa civil de até 100 vezes o valor da remuneração recebida pelo agente, além da proibição de celebrar contratos com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, ainda que por intermédio de empresa em que seja sócio majoritário, pelo prazo de 3 ano.
Além da Lei de Improbidade Administrativa, outra legislação que pode ser invocada: a que estabelece as sanções de competência do Tribunal de Contas da União (TCU), as quais estão previstas em sua própria Lei Orgânica (Lei 8.443/92). Essas sanções podem ser multas (art. 57) e inabilitação, pelo prazo de 5 a 8 anos, para o exercício de cargo em comissão ou função de confiança na Administração Pública (art. 60). Pode ainda o TCU determinar o afastamento cautelar do investigado da função (art. 44) e decretar, pelo prazo máximo de 1 ano, a indisponibilidade de seus bens (art 44, parágrafo 2.º).
Além disso, a própria legislação que trata dos convênios federais, fixa sanções específicas. No caso de organizações da sociedade civil sem fins lucrativos, por exemplo, (como o COB se enquadra) a Lei 13.019/14 segue o mesmo critério da Lei de Licitações (Lei 8.666/93) e fixa que a execução de convênios em desacordo com o plano de trabalho pode gerar ao conveniado uma série de sanções (advertência, impedimento de celebrar novo convênio, declaração de inidoneidade).
Através da Lei de Acesso à Informação e consulta ao Siconv, a Agência Sportlight de Jornalismo Investigativo analisou todos os convênios entre Ministério do Esporte e COB desde 1995, ano em que Nuzman assume, até aqui. Constatou números reveladores: até 2005, os acordos do COB com o estado tiveram equilíbrio quanto a quem se responsabilizava: Nuzman assinou 30 convênios e André Richer (na foto do alto com Havelange),32 convênios.
O ano de 2005 em que Carlos Arthur Nuzman deixa de assinar qualquer convênio com o Ministério do Esporte em nome do COB coincide com o aumento substancial dos contratos entre o COB e o ente estatal, pelo advento dos Jogos Pan Americanos de 2007. (ver abaixo alguns dos convênios assinados por André Richer no período)
A quantidade de convênios e as cifras envolvidas entre COB e Ministério do Esporte explodem a partir de 2007, com a candidatura do Rio oficializada em 7 de setembro daquele ano e o envio de cartas de intenção ao COI. Em junho de 2008, o Rio foi anunciado oficialmente como cidade candidata a sede dos Jogos, ao lado de Chicago, Tóquio e Madrid. Em 2 de outubro de 2009, é escolhida como sede.
Este recorte dos 10 últimos anos entre 2007 e 2017 foi utilizado também pela reportagem para análise de todos os contratos assinados entre COB e Ministério do Esporte a partir daí.
Números obtidos:
Convênios assinados COB/Ministério do Esporte: 24
Valor total dos convênios: R$ 109.943.080,44 (Cento e nove milhões, novecentos e quarenta e três mil, oitenta reais e quarenta e quatro reais).
Observação: o valor alcançado refere-se ao total conveniado assinado entre as partes. No entanto, na execução orçamentária, não necessariamente o total dos valores foi utilizado. Em muitos casos, o dinheiro não chega a ser utilizado na totalidade. A referência usada acima é o valor pactuado no ato da assinatura.
Convênios assinados por Carlos Arthur Nuzman: 0 (zero).
Convênios assinados por André Richer: 24.
Privado?Convênios com Ministério pagaram candidaturaA eventual justificativa de ausência de Carlos Arthur Nuzman do país para que André Richer surja como “presidente em exercício” e assine os convênios não se sustenta. O exame da denúncia da Força Tarefa da Lava Jato do Ministério Público Federal (MPF-RJ) na “Operação Unfairplay”, que contém diversas datas de viagens do mandatário do COB, em cruzamento com a assinatura dos convênios mostra que por diversas vezes Nuzman estava no cargo e no país e mesmo assim Andre Richer é que aparece assinando.
Além do drible na Lei de Improbidade Administrativa através da delegação da assinatura dos convênios, há um outro drible que pode ser verificado através da análise destes acordos. Largamente utilizado, o discurso de que “a organização dos jogos foi feita integralmente com recursos privados” remete ao Comitê Rio-2016, cujos contratos e recursos vieram da iniciativa privada. (embora no fim dos jogos o próprio Comitê Rio-2016 tenha se socorrido também de verba publica, diante do déficit encontrado).
No entanto, ao se analisar os convênios entre COB e Ministério do Esporte, pode-se constatar que vários objetos dos acordos referiam-se ao custeamento da organização dos jogos. Em resumo, relativos a organização da candidatura e dos jogos e financiamento estatal da mesma, ao contrário do discurso oficial.
Alguns exemplos de convênios do Ministério do Esporte/COB específicos relativos ao financiamento da candidatura e organização dos jogos:
Convênio 631647: Objeto: Transferência de recursos financeiros para custear pelo período de 60 sessenta dias a contratação, manutenção e seus encargos, sob inteira responsabilidade do Comitê Olímpico Brasileiro-COB, de recursos humanos que comporão a equipe da Comissão Rio2016 durante a fase da candidatura do Rio de Janeiro Valor: R$ 877.416,00 Data: 2/9/2008
Convênio 632059: Objeto: transferência de recursos financeiros para o projeto de “Apoio operacional à candidatura dos Jogo s Olímpicos e Paraolímpicos Rio 2016”. Valor: R$ 953.738,50. Data: 4/9/2008
Convênio 629290: Objeto: Transferência de recursos financeiros para o COB visando custear as despesas com hospedagem, passagens aéreas, seguro de responsabilidade civil, segurança, empresa de produção e cenografia, comunicação e marketing para realização do evento Casa Brasil. Valor: R$ 3.8881.862,02. Data: 4/9/2008
Convênio 633805: Objeto: Transferência de recursos financeiros para custear visitas técnicas de representantes das Federa ções Internacionais de modalidades esportivas visando aprovação dos projetos que comporão o Dossiê de Candidatura para as Olímpiadas de 2106. Valor: 407.654,76 Data:6/10/2008
Convênio 633628: Objeto: Contratação de serviço de consultoria internacional. Operação altamente especializada para elaboração do Dossiê de Candidatura Rio 2016 ao COI. Valor: R$ 7.156.594,80. Data: 30/1/2009
Convênio 702308: Objeto: Organização da visita de avaliação técnica do COI ao Rio no período de 27 de abril a 3 de maio de 2009. Valor: R$ 7.310.254,54. Data: 24/4/2009
Convênio 633664: Objeto: contratação de serviços de produção editoria do Dossiê de Candidatura do Rio para sediar os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016, com serviços de produção editorial. Valor: R$ 1.479.774,73. Data: 31/7/2009
Convênio 633771: Objeto: Custear pelo período de 8 meses a contratação, manutenção e seus encargos, sob inteira responsabilidade do COB, de recursos humanos qualificados que comporão a equipe da Comissão Rio-2016 durante a fase de elaboração do Dossiê de Candidatura. Valor: R$ 6.730.431,14. Data: 5/8/2009
Convênio 70133: Objeto: Contratação dos demais serviços necessários a produção gráfica, iconográfica, redação especializada para o idioma francês e transporte/envio do Dossiê de Candidatura do Rio a sede dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos 2016, que não prestados no convênio 118/2008. Valor: R$ 1.420.487,25. Data: 24/9/2009
Convênio 634042: Objeto: Custear a contratação de Serviços de consultorias nacionais relacionadas as áreas de logística, infraestrutura portuária e aeroportuária, operações de mídia, preparação do orçamento dos jogos e validação do orçamento dos jogos. Valor: R$ 3.582.498,09. Data: 25/9/2009
Convênio 700560 : Objeto: custear os serviços de tradução juramentada, envio de correspondência/encomenda, cartório, materiais de expediente, material de informática, despesas com hospedagens, passagens aéreas, diárias de viagem e transporte operacional para os recursos humanos contratados e responsáveis pela elaboração, redação e montagem do Dossiê de Candidatura, dentro e fora do Brasil, bem como custear passagens aéreas e hospedagens. Valor: R$ 3.937.149,54. Data: 9/10/2009.
Convênio 701627: – Contratar serviços de consultorias que abranjam segmentos de relacionamento institucional internacional e marketing institucional, que sejam responsáveis pela coordenação do desenvolvimento de toda a estratégia de marketing e relacionamento com dirigentes. Valor: R$ 2.242.631,83. Data: 10/12/2209
Convênio 633627: Objeto: contratação de serviço de consultoria internacional em megaeventos, altamente especializada para coordenação de desenvolvimento do suporte técnico relacionado a fase de candidatura do Rio aos Jogos Olímpicos de 2016. Valor: R$ 13.217.043,58. Data: 10/5/2012.
OUTRO LADO:
A reportagem enviou pedido de resposta para Carlos Arthur Nuzman através da assessoria de imprensa do COB. Questionou sobre a constatação alcançada via Lei de Acesso à Informação, de que Nuzman não assinava os convênios entre Ministério do Esporte e COB desde 2005, assinados todos, sem exceção, por André Richer. Informou ainda que, cruzando-se as datas das assinaturas com as datas de viagens de Carlos Arthur Nuzman, não necessariamente esses convênios foram assinados em sua totalidade com Nuzman fora do país ou do exercício da presidência. E perguntou, diante de tais fatos, qual a razão para que o dirigente máximo do COB não assine os convênios com o Ministério do Esporte desde 2005.
O COB não respondeu.
Caro LúcioLúcio, minha dúvida é a de se por não ter assinado, ele se escapa…. seria triste e lamenlamentável essa manobra jurídica. Desculpe os erros meu celular Est á com o teclado maluco
Pegou no pulo
A minha dúvida é a mesma do Gregório. Sabemos que Nuzman roubou e fica por isso mesmo? Ele burlou a lei e ganha impunidade?
Excelente trabalho, Lúcio. Silêncio ensurdecedor da imprensa sobre o caso Nuzman. Só por aqui mesmo. A falta de interesse dos meios de comunicação e dos meios de investigações na CBF/Cob/federações é nojenta.
Caro Lúcio, parabéns pela reportagem! Peço-lhe licença apenas para esclarecer que o fato de dirigente não ter assinado os convênios não o exime de responsabilidade. Se ele praticava os demais atos de gestão da entidade, por consequência geriu a verba pública repassada e pode ser punido se verificada alguma irregularidade na aplicação. Por exemplo, se ele assinou despesas do COB custeadas com os recursos do convênio, é alcançado em sede de responsabilização e deve prestar contas aos órgãos de controle.