Carlos Arthur Nuzman e uma viagem no tempo através de escândalos
Um mesmo personagem é ponto em comum entre duas cenas na história mais do que rica de escândalos no Brasil.
Quase quatro décadas antes de ser denunciado como “ponta de esquema criminoso” na “Operação Unfair Play”, desdobramento da Lava Jato, por suposta compra de votos olímpicos, Carlos Arthur Nuzman esteve, em distintas condições, muito próximo a outro singular acontecimento que marcou época.
Corriam os anos 80. Malas de dinheiro, fraude financeira, desvio de verba pública, lavagem de dinheiro e remessas ilegais não eram algo tão incomum ou inventado nos dias de hoje como algum jovem desavisado pode imaginar.
Como toda época, sempre há um camisa 10 no time dos fraudadores.
Foram tempos tão estranhos e diferentes aqueles anos 80 que o camisa 10 do crime era uma camisa 10. Fato que, como vemos hoje, incomum, lá como cá, sendo a história do crime uma história predominantemente masculina. Naqueles dias de redemocratização, rock Brasil, cabelos com mullets, Turma da Xuxa, axé music, da seleção que encantou o mundo, do Bozo e tantas outras coisas que hoje soam estranhas, a estrela absoluta do lado de lá da força era uma mulher.
O nome de Jorgina de Freitas parou o Brasil várias vezes na hora do Jornal Nacional. A “Jorgina do INSS”. A mulher que deu um golpe de estimados R$ 2 bilhões com desvios de aposentadorias na previdência social. Secundada por Ilson Escóssia e Marcílio da Silva, a advogada ia raspando os cofres públicos e lavando o dinheiro com alguma sofisticação para aqueles dias, para a tecnologia disponível e técnicas criminosas conhecidas até então.
Dezenas de apartamentos e a remessa do saque para o exterior esconderam a criminosa por alguns anos.
Operadores que providenciavam o envio de dinheiro para fora também não são novidade e nem nasceram hoje com Sérgio Cabral, como a história mostra. Este apenas sofisticou a ponto de fundar uma república. No caso, a do Guardanapo.
No caso de Jorgina, era um corretor que fazia a mágica de sumir com o dinheiro daqui e aparecia com ele lá fora para o criminoso: Laerte Mazza, da Mazza Corretora, que funcionava na Rua da Assembleia, centro do Rio e também da agência de turismo e câmbio Vert Tour. Uma espécie de “Irmãos Chebar” avant la lettre numa pessoa só.
Mas visto hoje e comparado com o esquema dos Chebar para servir Sérgio Cabral, o esquema de Mazza soa bem primário, podendo ser considerado até pré-histórico em casos de lavagem de dinheiro. De acordo com as investigações da época, comandadas pelo então superintendente da Polícia Federal no Rio, delegado Jairo Kulmman e retratadas na imprensa de então, o dinheiro de Jorgina era repassado por ordens de transferência bancárias diretamente para contas de pessoas de quem Mazza comprava dólares. A principal casa de câmbio utilizada por Jorgina foi a já citada Vert Tour, aberta pelo doleiro em 3 de agosto de 1989, momento auge da fraude do INSS.
Algum tempo depois, de acordo com o relatório do delegado à época, com o volume da transação crescendo, Mazza passou a deslocar um carro-forte para uma agência do Banerj em Nova Iguaçu, Baixada Fluminense. O carro buscava o dinheiro da fraudadora. O doleiro utilizou-se ainda de dois operários como laranjas. Pelas contas do carpinteiro e do pedreiro, na agência Unibanco de Vila Isabel, zona norte do Rio, Mazza chegou a movimentar sete mil cheques, como retrata a imprensa de então. Transformado em dólares, o dinheiro, em sua maior parte, saia do Brasil rumo a paraísos fiscais e parte reencontrava Jorgina e os cúmplices, e outra ficava com Mazza.
Laerte Mazza enviou milhões de dólares roubados por Jorgina de Freitas. Jairo Kullmann afirmou então que, atuando como doleiro, “Mazza ficou rico com dinheiro do INSS”.
Carlos Arthur Nuzman foi advogado da Mazza Corretora.
Não é só pela parte de Mazza que Nuzman andou próximo a “Jorgina do INSS”.
Empresa de Nuzman cuidava do patrimônio de Jorgina do INSSCondenada em 1992, Jorgina seguiu protagonista com uma fuga espetacular do Brasil, baldeando de jatinho por vários países até chegar à Costa Rica, onde passou por várias operações plásticas e ficou até 1997, quando foi enfim extraditada e passou a cumprir pena por aqui.
Foi no mesmo ano da prisão de Jorgina que reportagem do jornal O Globo, de 30 de outubro de 1997, de autoria de Chico Otávio, mostrou que a fraudadora chegou a ter 28 imóveis em seu patrimônio. Posteriormente, chegou-se a se falar em 60 imóveis. Mais surpreendente do que isso: foragida, a criminosa seguia ganhando dinheiro com o aluguel do fruto dos crimes. (reportagem segue depois da reprodução da página do Globo de 30/10/1997 abaixo)
Porém, embora os investigadores buscassem saber como a criminosa mantinha uma rede possível de receber o dinheiro e encaminhar, a reportagem do Globo retrata certa perplexidade com a manutenção do esquema. “A Justiça e as autoridades nunca souberam para onde vai o dinheiro”.
O jornal revelou quem respondia pela parte da fraudadora. “Para cuidar do seu patrimônio, Jorgina contou até poucos meses atrás com uma empresa especializada, a Adican Administração de Imóveis ltda, que recebia o aluguel de vários imóveis da fraudadora”, diz a reportagem de 1997. A Adican depois foi substituída por Jorgina porque, de acordo com o jornal, ela estava “insatisfeita com a administradora, que teria afrouxado na cobrança”.
A Agência Sportlight de Jornalismo Investigativo checou os dados da Adican na base da Receita Federal. Existem dois CNPJs para empresa de nome Adican. Um deles, de 1970, para “corretagem no aluguel de imóveis”. O outro, de 1998, para “serviços de agronomia e de consultoria às atividades agrícolas e pecuárias”. Em ambas, não aparece o sócio pessoa física.
Mas em checagem com a Abadi (Associação Brasileira das Administradoras de Imóveis), foi possível chegar ao proprietário da Adican: Carlos Arthur Nuzman. No título de cidadão carioca recebido por Nuzman em 2002 por iniciativa da então vereadora Patrícia Amorim, a sociedade na Adican também está entre os itens do currículo de Nuzman.
E o mesmo endereço, na rua Almirante Barroso, que consta para a Adican (que tem as mesmas iniciais de Administradora de Imóveis Carlos Arthur Nuzman) na Abadi, é também a direção onde constam outras duas empresas: a Mapel Produções e Criações Culturais e a Eterna Produções Artísticas.
A Mapel aparece na Receita Federal como de Márcia Peltier (ex-mulher de Nuzman) e duas filhas, Anna Rita e Anna Clara. E a Eterna Produções também de Márcia Peltier e Anna Clara.
Outro Lado:
A reportagem perguntou ao presidente do COB, através da assessoria de imprensa, se na ocasião em que prestava serviços ao doleiro, tinha conhecimento das práticas de Laerte Mazza. “As relações entre advogado e cliente são, por garantia legal, sigilosas. Diante disso, o COB não tem como dar sequência ao que você colocou”.
A reportagem perguntou ainda a Carlos Arthur Nuzman sobre a administração dos imóveis de Jorgina de Freitas no passado através da assessoria do COB, sem resposta.
esperou-se anos p/ ver esse déspota em situação desconfortável e a espera foi válida
E de tirar o chapéu, quando o ovo é podre se não se joga fora fica sempre podre
tem que bater palma pra essa sua memória, Lúcio. Você não é historiador a toa, rs
Parabéns pelo seu trabalho, Lúcio! É inspirador e um alento para quem busca informações e grandes matérias e reportagens sobre esporte para além dos campos. Que você continue com esse trabalho incrível. Parabéns!
Eu esperava por este dia e você contribui muito com suas reportagens sobre esta pessoa que sempre esteve se aproveitanfo do sucesso dos outros e até acabava e continua acabando com a carreira de muitos atletas.
A pergunta que eu faço é: por que demorou-se tanto para prende-lo? E esse sistema que estrutura as.confederações esportivas do país, se ele não for derrubado outro Nuzman virá.
Meus parabéns pela investigação!!!
Em Bahanas, os órgãos de controle só controlam as migalhas…
Este cara está aí desde os anos 80!!!
Q pague por tudo!!!