O “Dia da Marmota”: em pleno caos pós-grandes eventos, surge a salvação! Um calendário de…grandes eventos!
Só pode ser o “Dia da Marmota”.
A segunda-feira amanheceu tenebrosa demais para quem passou a última década escutando e lendo que “os grandes eventos iriam ser a nossa redenção”.
Que o impacto na economia seria tão espetacular a ponto de tempos de prosperidade inigualáveis. Cachoeiras de mel e nuvens de algodão-doce estariam no fim da linha, quando Copa do Mundo e Olimpíadas encerrassem.
A renda circularia de tal forma que viveríamos um sonho escandinavo de sociedade em plenos trópicos.
Nos relatos sobre os novos tempos, o porvir do Rio de Janeiro, o território de debate sobre a cidade se deslocava convenientemente do debate no campo político e dos conflitos inerentes para o campo dos negócios. A “Cidade-Commoditie”, que deixava de ser uma questão social para ser um bem mercantil.
Todas as questões em contrário, qualquer eventual senão ou discordância, era visto e carimbado como algo ideológico, na certeza de que diante de tantos fatos e números, não há debate possível, não há contraponto, não há senão.
A redenção pelos megaventos era matemática, científica. Contrapor-se com eventuais questões a tal evidência era contrariar a terra redonda.
E ai de quem discordasse. Dinossauro, baixo astral. O rodo ia passando.
Conta que não fecha? Sai pra lá com essas questões bobas, dinossauro…
Elefantes brancos? Fica quieto e aceita, seu baixo astral…
Falta de transparência na execução? Sempre os mesmos questionando…
O crime de se destruir o Maracanã e o risco de destruir a história e um patrimônio? É muito atraso questionar a modernidade…
E assim, abraçada com o guardanapo de Cabral, a verborragia desafiadora de Paes e a eficácia gestora da transparência de Nuzman, nossa imprensa foi parte do rolo compressor que passou no Rio na última década, levando e destruindo todas as margens. (continua depois da arte:)
Quando tudo acabou, éramos meninos diante do furacão. Com a mesma solidão trágica da constatação que os homens-bomba fazem ao juntar o cinto e se autoexplodir: do outro lado não existiam cachoeiras de mel, nuvens de algodão-doce e muito menos 77 virgens prontas para servir. Naquele vácuo da ausência de questionamentos e do não cumprimento da única função do jornalismo: questionar poderes, gastos, discursos, estudos…
Se para aquele ser que explodiu junto com o acionamento da bomba o fundamentalismo que não o permitiu questionar a mínima possibilidade de cachoeiras de mel do outro lado é religioso, para os que foram claque por uma década da ideia de salvação pelos grandes eventos, tal fundamentalismo é tão nocivo quanto: financeiro, pretensamente científico.
E assim, perplexos ficamos, colhidos pela ausência de questionamentos por parte de alguns, pela brutal repressão e silenciar daqueles que questionaram a possibilidade de não existirem cachoeiras de mel do outro lado apenas em função dos tais eventos.
E assim estamos até hoje.
É nesse cipoal de perplexidade, nessa ressaca que explode a cabeça de alguns, é exatamente nesse cenário e contexto que despertamos nessa segunda-feira 25 de setembro. Com o agravante da ausência de autocrítica por parte dos prometiam o reino dos céus e da fartura alcançado no pós-grandes eventos. Nem ainda fomos sequer medicados e diagnosticados da doença que vai se alastrando e destruindo um lugar, e…
No lugar da reflexão, de tentar entender de onde veio o direto no queixo que nos nocauteou, nem deu tempo para levantar da lona na contagem dos árbitros, e um novo rolo compressor se anuncia.
Nas manchetes de jornal, no noticiário da TV, na internet…Para onde você olha, estão lá. Substitua Cabral, Paes e respectivos guardanapos por Moreira Franco, Pezão, Picciani…Ao lado deles, no lugar de Nuzman, bote Roberto Medina, Ricardo Amaral e Boni…A imprensa deixe no mesmo lugar, não troque por ninguém.
Ela está onde sempre esteve: ao invés de cobrar poderes e poderosos, questionar, investigar, lá está ela, firme e forte, no lugar de porta-voz.
Não é possível…Será isso mesmo que estamos vendo? Melhor parar o mundo e descermos mesmo.
Nem bem começou a ser cobrada a farsa dos megaeventos como capazes de promover a justiça social e a prosperidade, já vem outro rodo passando.
Nem foi preciso acabar o Rock In Rio. Antes do último acorde, já estavam lá os supracitados Moreira Franco e Cia (só faltou o chefe da Orcrim sair do Jaburu e engrossar as fileiras da coletiva) com um novo plano de redenção do Rio.
Faz lembrar muito aquele personagem que todo mundo conhece: o cachaça que insiste em ter a melhor solução para a ressaca: voltar a beber. Com a mesma lógica daquele caricatural cachaça, surge tal plano de redenção: a cura da ressaca pós-grandes eventos com grandes eventos.Baseado, escorado e sustentado sabe no que? Na realização de grandes eventos! Um calendário de grandes eventos para enfim nos restituir a glória, para enfim alcançarmos as tão sonhadas cachoeiras de mel. Grandes eventos para salvar a tragédia causada entre outras coisas por…grandes eventos!!!
Salvo da provável prisão pelo salvo-conduto do foro privilegiado dado por Temer e não questionado por Gilmar Mendes, Moreira Franco foi o Mestre de Cerimônias. “Rio de Janeiro a Janeiro” é o nome do plano mágico. Na capa do jornal, está lá, com a vinheta do “Reage Rio”. E na manchete, a senha para não deixar dúvidas: “Contra-ataque pelo turismo”. Agora vai.
Faz lembrar muito aquele personagem que todo mundo conhece: o cachaça que insiste em ter a melhor solução para a ressaca: voltar a beber. Com a mesma lógica daquele caricatural cachaça, surge tal plano de redenção: a cura da ressaca pós-grandes eventos com grandes eventos.
São R$ 200 milhões de aporte imediato do governo de Temer para o programa de Roberto Medina, Ricardo Amaral e Boni. Podendo chegar a R$ 1 bilhão com o dinheiro que virá das estatais. A respaldar tudo, sempre eles: “estudos mostram que…” No caso, um “estudo que mostra que…” da Fundação Getúlio Vargas. Quantos estudos mostraram que Copa e Olimpíadas seriam a redenção? Por onde andam esses estudos? Na tal nuvem?
Tão curioso quanto é descobrir que entre os eventos anunciados com pompa no plano espetacular, aparecem alguns tantos que já estão aí há anos. Alguns desde sempre.
Ah, essa foto…Moreira Franco apontando o caminho dos grandes eventos como redenção…Ladeado por Pezão, Crivella, um representante de Picciani Filho…
No mesmo dia em que escolas e hospitais estão fechados, funcionários públicos seguem na humilhante fila das doações de cestas básicas por não receberem, a UERJ é criminosamente esquartejada diante do silêncio cúmplice de muitos, professores anunciam que não poderão dar aula depois de sexta-feira por falta de salário, os tiros ecoam…
Bem, agora pra ficar igual mesmo a última década, só falta o Ronaldo Fenômeno vir a público e dizer que é ignorância associar falta de escola e hospitais com dinheiro para os grandes eventos.
Mas certamente não irá faltar quem faça por ele. Ou estudos para mostrar a ignorância e o baixo astral dos dinossauros que insistem em achar meio inacreditável que a sugestão para curar a ressaca dos grandes eventos seja liberar verba para grandes eventos.
Mais uma vez o debate sobre a cidade se desloca do campo político e social para o campo dos negócios.
Mais uma vez serão apedrejados os dinossauros que questionarem o rolo compressor. Da parte desta humilíssima Agência Sportlight de Jornalismo Investigativo, nada para se assustar. Curtida pelo tempo, pela tragédia do ofício que se nega a cumprir sua função, salvo as exceções boas de sempre, vamos em frente. Adiante, que venham as pedras. Nos deixem com os dinossauros.
Escrita hoje na parte de “Opinião” do site, temos a firme esperança de que próximas abordagens sobre o tema já não serão mais sob forma opinativa. Estarão na parte de “reportagens”.
Mas contrariando até a natureza da profissão, com imensa alegria a cada vez que for “furada”. A cada vez que qualquer um seguir na óbvia pauta que se impõe e cumprir a função de fiscalizador de poderes: quem são essas produtoras beneficiadas pelo dinheiro público desses novos grandes eventos? Como está sendo gasto? Onde está essa prestação de contas?
É o que se impõe a partir de amanhã.
Porque hoje, se permitem, a sensação de estupor é algo que não permite nenhum passo.
Hoje é “Dia da Marmota”, como começamos essas linhas. Aquele dia retratado em “Feitiço do Tempo”, em que o sujeito fica preso num mesmo dia que se repete diversas vezes. Acordamos no dia de hoje lá pela metade dos anos 2000. Logo depois de ganhar o direito de sediar o Pan de 2007 e a sequência que se seguiu, com Copa do Mundo de 2014 e Olimpíadas 2016. A solução estava ali!
Os grandes eventos como “contra-ataque” da crise. Solução para o caos. Logo ele, tal caos, não causa direta, mas aprofundado pelos homens que apresentaram grandes eventos como solução para tudo.
Amanhã seguimos no jogo. Hoje não será possível. Acordamos presos em uma farsa que vem lá de trás e insiste em voltar.
Hoje é “Dia de Marmota”.
👎 sempre preciso
Acho mais incrível pensar que o cara que acabou com o projetos dos CIEPS fez essa apresentação com ênfase em oportunidade para os jovens pobres. Só pode ser sacanagem…
Assino embaixo o teu texto. Uma pena que tem muita gente oportunista usando o fracasso destes eventos para fins políticos. Sim, tô falando dos Bolsonaro, Dória, PSDB e esses pseudo liberais. Participaram da farra junto e agora não só querem tirar o corpo fora como se aproveitar politicamente do caos.
É necessário colocar esse pessoal no lugar deles. Só dou valor às críticas contra a copa de gente como tu, que falou mal dos eventos logo quando fomos anunciados sede. O resto meu profundo desprezo.
Saudade de ti na ESPN. Minha mãe me referia a ti como “o carinha” e até hoje pergunta por ti. Grande abraço e sucesso!
Parabéns, Lucio. Siga firme.