O ganha-ganha da turma de Cabral no comitê presidido por Nuzman
Na série de reportagens ao longo do ano sobre as Olimpíadas, a Agência Sportlight de Jornalismo Investigativo mostrou os contratos de membros da República de Mangaratiba com o comitê Rio-2016. O ganha-ganha estabelecido entre as partes.
Na ocasião, o comitê negou os fatos apresentados.
Hoje, o MPF-RJ, na peça apresentada, mostra como se deu o ganha-ganha da turma de Cabral no Comitê Rio-2016.
Abaixo da reprodução, está republicada a reportagem.
A última década aproximou Sergio Cabral Filho, Eduardo Paes e Carlos Arthur Nuzman. Indeléveis parceiros, unidos pelo Pan-2007 e pelas Olimpíadas-2016. Atravessaram a década dos grandes eventos no Rio de Janeiro irmanados. Entre as várias interseções do trio neste período estão dois integrantes da “República de Mangaratiba”, beneficiários de inúmeros contratos com os três. Marco Antônio de Luca, participante do mais próximo círculo de Cabral e membro das confrarias do “Guardanapo” e da “República de Mangaratiba”, obteve nos últimos anos milhões ganhos em contratos com o governo estadual de Cabral e a prefeitura de Eduardo Paes. Com o Comitê Rio 2016 (CoRio2016), presidido por Carlos Arthur Nuzman, não foi diferente: através de três distintos Cadastro Nacional Pessoas Jurídicas (CNPJ), um grupo de empresas com ligações societárias e objetos em comum conquistou nove contratos com a entidade olímpica presidida por Nuzman. Em flagrante desrespeito as normas do próprio comitê. O outro protagonista dos anos do guardanapo que aparece em uma dessas sociedades é Arthur César de Menezes Soares Filho, o Rei Arthur, como era chamado pelo amigo e vizinho Cabral, investigado na “Operação Calicute”.
Com a Masan Serviços Especializados foram seis contratos diferentes com o CoRio2016. Entre os contratos, está o 979/2016, cujo objeto é “Prestação de Serviço de Limpeza e Conservação das Instalações do Rio 2016”. Início em 11/06/2016 e fim no dia 30/01/2017. No entanto, mais dois diferentes contratos da Masan tem como objeto limpeza de instalações. Como no 1464/2016, que trata sobre “Prestação de serviços de limpeza e manutenção predial, em caráter emergencial na Vila dos Atletas”, iniciado em 3/8/2016, até 20/8/2016. O contrato 1288/2016 também tem limpeza de instalações incluído no escopo (“Prestação de Serviço de Segurança, limpeza e gestão de resíduos para as áreas de hospitalidade Zona VI Parque Olímpico e Arena Olímpica do Rio”), aberto em 22/7/2016 e com fim em 30/11/2016.
Os outros três contratos firmados com a entidade pela Masan tem distintos objetos: o 1600/2016 é sobre “serviços de mão de obra de 376 caixas e atendentes de fila dentro das concessões presentes nas instalações do Rio2016, trabalhando em 13 dias (13/9/2016 a 16/9/2016). O 303/2016 assinala como “objeto deste contrato a prestação, pela contratada ao RIO 2016, de serviços de alimentação para as Instalações do Parque Olímpico durante os Jogos Rio 2016, conforme definido na proposta comercial, proposta técnica e escopo técnico Rio 2016”, iniciando em 31/3/2016 e fechando em 31/1/2017. E o 812/2015 é sobre ”Contrato de prestação de Serviços de Hospitalidade (In Venue Hospitality Services – IVH) a serem executados na Zona 6, nas instalações Arena Rio, Centro Olímpico e Paralímpico de Tênis, Parque Olímpico e Paralímpico, Arena Carioca 1 e Clube Olímpico”, de 24/9/2015 a 31/12/2016. Assim, a Masan obteve contratos que variavam entre limpeza, contratação de pessoal e hospitalidade.
Três diferentes contratos com duas diferentes empresas tratam sobre “Prestação de serviço de alimentação para a força de trabalho”. O 1271/2016, com a Denjud Refeições Coletivas Administração e Serviços (“prestação do serviço de alimentação para a Força de Trabalho e Contractors, além do fornecimento de frutas para consumo dos Atletas e gelo filtrado para reabastecimento dos coolers fornecidos pelo Patrocinador da Rio 2016”, (12/7/2016 até 31/9/2016). E dois acordos assinados com a empresa Comissaria Aérea Rio de Janeiro: 252/2014 (14/7/2014 a 30/9/2014, sendo objeto a “prestação dos serviços de alimentação, através do fornecimento de refeições, detalhados por tipos de cliente, níveis de serviços e características da instalação -local de fornecimento- Evento Teste de Vela Marina da Glória) e o contrato 304/2016, que, assim como o da Denjud, trata sobre “prestação do serviço de alimentação para a força de trabalho”. De 8/3/2016 até 31/1/2017: “Prestação de Serviços de Alimentação para da Força de Trabalho do RIO 2016”.
No entanto, ao verificar-se a complexa teia de participações da “Masan Serviços especializados”, encontra-se a mesma como integrante de uma terceira empresa, a “Consórcio Alimentar”. Em cuja sociedade estão juntas a “Denjud” e a “Comissaria Aérea do Rio de Janeiro”, além do próprio Marco Antônio de Luca como pessoa física. Assim, o CoRio2016 contratou a Masan, a Denjud e a Comissaria Aérea do Rio de Janeiro. E as três tem ligações societárias e se encontram, entre outras participações, no “Consórcio Alimentar”, em 30 de junho de 2011.
As regras do Comitê Rio 2016 quanto a isso são bem claras. No Portal de Suprimentos da entidade, em seu artigo 5, item D das “Condições Gerais do Fornecedor”, está a descrita a “obrigação do fornecedor no que se refere ao cadastramento”: “Não realizar cadastro de sociedades pertencentes ao mesmo grupo econômico que atuem no mesmo segmento”.
E as três fornecedoras do CoRio2016, (Masan, Comissaria Aérea e Denjud) não tem apenas as ligações societárias em comum. No “Código e descrição da atividade econômica” de cada uma delas na base de dados da Receita Federal está a atuação em um mesmo segmento, explicitado número por número do código, palavra por palavra: “56.20-1-01: Fornecimento de alimentos preparados preponderantemente para empresas”, em desacordo com as normas do CoRio2016.
A reportagem perguntou ao CoRio2016, através da assessoria de imprensa, se o órgão conhecia tais relações societárias (Denjud e Comissaria Aérea) com a Masan Serviços Especializados. O comitê respondeu que “todas as concorrências incluíam a verificação de compliance dos candidatos e neste caso era feito uma checagem de composição acionária. Os contratos da Masan, pelo volume, foram todos submetidos para aprovação do Conselho Diretor”. Não foi possível ter acesso ao valor total dos nove contratos com Masan e empresas com ligação. A estimativa possível pelo único dado conhecido é que apenas um deles CoRio2016/Masan tinha valor de R$ 82 milhões, e de acordo com informação fornecida pelo próprio órgão, teve um adendo e baixou para R$ 17 milhões.
Uma quinta sociedade forma o “Consórcio Alimentar”, além dos sócios Masan, Denjud, Comissaria Aérea e Marco Antônio de Luca: é a Prol Alimentos. Que vem a ser um dos braços da Prol, como passou a se chamar a “Facility”, empresa de Arthur Cesar de Menezes Soares Filho. Cujos negócios com o governo estadual chegaram a R$ 2,8 bilhões, divididos em 57 contratos com 19 órgãos.
No “Rio Transparente”, da prefeitura, encontram-se contratos sob o nome de Facility. No entanto, o CNPJ que consta é o que aparece na base de dados da Receita Federal como da Prol Alimentação. A reportagem obteve também na Junta Comercial o documento da alteração contratual da Facility para Prol S.A.
m 2014, mesmo ano em que Cabral deixa o governo, Arthur Soares, envolvido em escândalos e investigações, anuncia que estaria vendendo a empresa para um fundo internacional de nome “Rise”. No entanto, de acordo com os documentos obtidos por esta reportagem, a “Rise” passa a ser gerida por Tereza Cristina Porto Xavier no endereço comercial da rua Barão de Itapagibe 61, no Rio Comprido, zona norte do Rio de Janeiro. O endereço é da Prol. Tereza Cristina Porto Xavier vem a ser ex-secretária de educação de Cabral entre fevereiro de 2008 a outubro de 2010.
Na “República de Mangaratiba”, formada por oito amigos próximos a Cabral, entre empresários e ex-secretários de governo, o “Rei Arthur” é um dos com casa mais próxima ao agora presidiário, ambas juntas a faixa de areia da praia de São Braz, como mostrou reportagem do jornal O Globo, de Chico Otávio. O ex-governador foi habitué do jatinho particular do empresário. De acordo com dados da Receita Federal apresentados durante a “Operação Calicute”, Arthur Soares pagou R$ 1,7 milhão em propina, divididos entre o escritório de Adriana Cabral, ex-primeira-dama do estado, e uma empresa de Carlos Miranda, apontado pelo Ministério Público Federal como um dos operadores do esquema.
A Masan, dos seis contratos diretos com o CoRio2016, também impressiona pelo volume de negócios com as gestões de Cabral e Paes.
.Entre 2008 e 2011, a Masan Alimentos e Serviços, de Marco Antônio de Luca e onde José Mantuano de Luca Filho (Comercial Milano) também aparece através da participação societária da Sepasa Serviços, faturou R$ 17 milhões nos negócios com o governo de Cabral. Com Eduardo Paes na prefeitura o volume foi muito maior: entre 2008 e 2012, a Masan obteve contratos no valor de R$ 122.690.561,16 (cento e vinte dois milhões, seiscentos e noventa mil, quinhentos e sessenta e um reais e dezesseis centavos), como consta em dados obtidos através do “Rio Transparente”. Os contratos da Masan prosperaram nas mais diversas secretarias, sendo o volume maior de dinheiro no fornecimento de merenda escolar na Secretaria de Educação e de refeições em hospitais para a Secretaria de Saúde. E em 2014, Masan e Comercial Milano estiveram juntas na mesma denúncia, feita pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (GAECO), do Ministério Público Estadual (RJ), que apontou fraude em licitações na prefeitura de Magé. As duas foram vencedoras em três concorrências, somando quase R$ 2 milhões. E nas disputas, concorriam entre elas.
Já a soma recebida pela Comercial Milano é ainda mais admirável: entre 2008 até 2016, os anos de Eduardo Paes na prefeitura, foram R$ 606.177.186,16 (seiscentos e seis milhões, cento e setenta e sete mil, cento e oitenta e seis reais e dezesseis centavos) como está demonstrado no Rio Transparente. Assim, apenas nos anos de Paes no Rio os sócios, entre Masan e Comercial Milano levaram um total de R$ 728.867.747,32 (setecentos e vinte oito milhões, oitocentos e sessenta e sete mil, setecentos e quarenta sete reais e trinta e dois centavos).
A empresa de José Mantuano de Luca Filho, também esteve nos noticiários no escândalo das propinas pagas para Rodrigo Bethlem, então na Secretaria de Assistência Social da prefeitura, em um esquema que perdurou entre 2009 e 2012, gestão de Eduardo Paes. Em 2010, a Comercial Milano foi denunciada na CPI da Merenda Escolar, comandada pela ex-vereadora Andréa Gouvêa Vieira, por suspeita de irregularidade na licitação. E em 2015, a Masan chegou a ser afastada de uma concorrência após denúncia do Ministério Público por favorecimento em concorrência de R$ 52 milhões para fornecimento de pessoal e equipamentos no Centro de Operação da Prefeitura. Em 2012, outra acusação de favorecimento envolveu a Masan, escolhida para operar carros fumacê (veículos utilizados no combate ao mosquito da dengue) no município do Rio, mesmo sendo do ramo de alimentação.
A reportagem enviou pedido de resposta para a Masan, sem retorno.
Além da questão sobre ligações societárias das empresas, cuja resposta está no corpo da matéria, a reportagem enviou ao CoRio2016 outras questões como o escopo semelhante de alguns contratos da Masan e sobre a concorrência. Através da assessoria de imprensa, a entidade afirmou:
“Trabalhamos com a Masan em três frentes: Limpeza e Conservação; Catering (alimentação) e Hospitalidade (Serviços de hotelaria para vilas de imprensa, árbitros e tratadores). Em todos os casos, a Masan competiu com pelo mais de uma empresa em concorrências públicas e transparentes que depois era ratificadas ou não pelo Conselho Diretor.
A operação de alimentação dos jogos era imensamente complicada. Nenhuma empresa no Brasil tinha condições de realizar tudo. Ela incluía alimentação de atletas (Main Dinning da Vila Olímpica), do público (em todas os parques e instalações), dos VIPs, e dos hospedes já citados (Jornalistas, árbitros, tratadores…). Por isso as operações foram fatiadas, para dar mais acesso a outros grupos, o que explica os múltiplos contratos. A maior fatia desse bolo, alimentação, ficou com a Sapore que operou a Vila dos Atletas.
Depois chamamos a Masan à título de emergência para atuar na “crise” da Vila dos Atletas. Eles também foram chamados para ajudar com pessoal nas concessionárias de alimentação que entraram em crise nos primeiros dois dias dos jogos. Em ambos os casos a dispensa de concorrência necessária por conta da urgência da contratação da Masan foi aprovada em todas as instâncias inclusive no Conselho Diretor (onde são checados os cruzamentos acionários). Vale citar aqui que o desempenho da Masan nos jogos foi impecável e o espírito de parceria com as necessidades do comitê idem”.