Evolução patrimonial de Nuzman na década entre Pan e Olimpíadas é paralela ao aumento dos convênios com dinheiro público
“Oouro brasileiro deixou buracos no Brasil, templos em Portugal e fábricas na Inglaterra”. A clássica frase de Eduardo Galeano que melhor explica o período da mineração por aqui bem poderia ser adaptada para explicar a década do ouro dos grandes eventos olímpicos no país compreendida entre os Jogos Pan-Americanos (2007) e as Olimpíadas (2016).
Ficaria algo mais ou menos assim, lastreada pelas informações obtidas nas investigações do Ministério Público Federal-RJ:
“Os grandes eventos deixaram buracos no Brasil, dinheiro na conta de Carlos Arthur Nuzman e ouro num cofre suíço”.
Explicação para essa olímpica prosperidade pode estar contida em uma imensa quantidade de dinheiro público despendido na década dos grandes eventosA década de ouro não foi para o esporte brasileiro. Mas sim para Nuzman. Muito mais do que os 16 quilos de ouro que o mandatário do esporte olímpico guarda em um cofre suíço. A prosperidade pode ser definida em números que traduzem a ação do dirigente na década entre as duas grandes competições olímpicas. De acordo com o MPF, o patrimônio de Nuzman era de R$ 2 milhões em 2006, passando dos R$ 3 milhões dois anos depois e batendo os R$ 4 milhões entre 2012 e 2013. O ano de 2015 chamou atenção especialmente aos investigadores, quando ultrapassou os R$ 9 milhões. “Ainda, cumpre informar que no ano de 2014, o patrimônio de Carlos Arthur Nuzman dobrou, havendo um acréscimo de R$ 4.276.057,33. Chama a atenção o fato de que desse valor, R$ 3.851.490,00 são decorrentes de ações de companhia sediada nas Ilhas Virgens Britânicas, conhecido paraíso fiscal”, afirma o MPF.
Sobre tal evolução, o MPF afirmou:
“Nos últimos 10 dos 22 anos de presidência do COB, Carlos Nuzman ampliou seu patrimônio em 457%, não havendo indicação clara de seus rendimentos. E, conforme a seguir narrado, em situação de permanência, Carlos Nuzman mantinha oculto parte de seu patrimônio na Suíça. Nesta grande “jogada”, o planejamento e execução da vinda dos Jogos Olímpicos para o Rio de Janeiro – a todo custo – foi uma das melhores estratégias de capitalização financeira e política para a organização criminosa chefiada por SÉRGIO CABRAL, que pôde multiplicar as possibilidades de ganhos ilícitos com a realização de obras e com os contratos de serviços firmados com outros membros da organização, sempre mediante pagamento de expressivas quantias de propinas aos agentes políticos. Tudo a demonstrar que todos os membros do engendro criminoso agiram articuladamente, de forma organizada e com divisão (ainda que informal) de tarefas, em busca do objetivo comum: buscar meios para atrair investimentos para o Rio de Janeiro e, com isso, a possibilidade de, de um lado, beneficiar os “amigos da Corte” com contratos públicos vantajosos e, de outro, que esses mesmos agentes privados pagar vantagens indevidas (propinas) aos agentes públicos”.
A explicação para essa olímpica prosperidade pode estar contida em uma imensa quantidade de dinheiro público despendido no período: os grandes eventos são paralelos a uma explosão de concessão de verba pública para o esporte nacional, expressa, entre outras coisas, num impressionante aumento no volume de convênios entre o Ministério do Esporte e Comitê Olímpico Brasileiro (COB).
A quantidade de convênios e as cifras envolvidas entre COB e Ministério do Esporte explodem a partir de 2007, com a candidatura do Rio oficializada em 7 de setembro daquele ano e o envio de cartas de intenção ao COI, como mostrou reportagem da Agência Sportlight de Jornalismo Investigativo no último dia 15, através de levantamento feito em dados obtidos via Lei de Acesso à Informação (LAI). Em junho de 2008, o Rio foi anunciado oficialmente como cidade candidata a sede dos Jogos, ao lado de Chicago, Tóquio e Madrid. Em 2 de outubro de 2009, é escolhida como sede.
Antes tímidos, durante essa década usada já anteriormente como recorte na reportagem para demonstrar tal explosão de verba pública, são assinados 24 convênios entre COB e Ministério do Esporte. Valor total dos convênios: R$ 109.943.080,44 (Cento e nove milhões, novecentos e quarenta e três mil, oitenta reais e quarenta e quatro reais). Com a ressalva de que o valor alcançado refere-se ao total conveniado assinado entre as partes. No entanto, na execução orçamentária, não necessariamente o total dos valores foi utilizado. Em muitos casos, o dinheiro não chega a ser utilizado na totalidade. A referência usada acima é o valor pactuado no ato da assinatura.
Com mecanismos de controle reconhecidamente por parte da Controladoria Geral da União (CGU) fragilizados por quantidade insuficiente de pessoal.
Há outro dado levantado na reportagem do dia 15 que chama a atenção: desde 2005, Nuzman deixa de assinar os convênios com o Ministério do Esporte e todos os acordos celebrados entre COB e Ministério do Esporte tiveram a assinatura de André Richer, 87 anos, vice-presidente do COB, que assina sempre na qualidade de presidente em exercício. A informação, via LAI e consulta ao Sistema de Convênios (Siconv) do governo federal, foi checada com o Ministério do Esporte, que confirmou: “os convênios do Ministério do Esporte com o Comitê Olímpico do Brasil (COB), a partir de 2005, foram assinados por André Richer” (ver relação documento do Ministério do Esporte que mostra convênios assinados por Nuzman e o ano em que parou de assinar).
Ao deixar de assinar e repassar a missão para André Richer, de 87 anos, e também alvo de busca e apreensão no dia de ontem, Nuzman, de acordo com especialistas ouvidos pela reportagem, pode ter tentado um drible na lei. No caso, a“Lei de Improbidade Administrativa” (8.429/92).
Ao assinar como responsável um convênio, o titular da assinatura passa a ser passível de sanção penal. São inúmeras as possibilidades de responsabilização de pessoas físicas por irregularidades em convênios: além das sanções penais (crimes praticados contra a Administração Pública), as mais relevantes são as punições previstas na já citada Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/92), pela prática das infrações previstas nos artigos 10 (casos de lesão ao Erário) e no artigo 11 (violação aos princípios da Administração Pública). São ações movidas na esfera cível e também podem ter como sujeito empresas e particulares, ou seja, aqueles que, mesmo não sendo agentes públicos, concorram para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficiem.
As penas são pesadas e incluem perda patrimonial em caso de condenação. No caso do artigo 10, vão do ressarcimento integral do dano, a perda dos valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio da pessoa, a perda da função pública (se for o caso), a suspensão dos direitos políticos de 5 a 8 anos e o pagamento de multa civil até duas vezes o valor do dano, além da proibição de celebrar contratos com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, ainda que por intermédio de empresa em que seja sócio majoritário, pelo prazo de 5 anos.
No caso do artigo 11, as penas são o ressarcimento integral do dano, suspensão dos diretos políticos de 3 a 5 anos, pagamento de multa civil de até 100 vezes o valor da remuneração recebida pelo agente, além da proibição de celebrar contratos com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, ainda que por intermédio de empresa em que seja sócio majoritário, pelo prazo de 3 ano.
Além da Lei de Improbidade Administrativa, outra legislação que pode ser invocada: a que estabelece as sanções de competência do Tribunal de Contas da União (TCU), as quais estão previstas em sua própria Lei Orgânica (Lei 8.443/92). Essas sanções podem ser multas (art. 57) e inabilitação, pelo prazo de 5 a 8 anos, para o exercício de cargo em comissão ou função de confiança na Administração Pública (art. 60). Pode ainda o TCU determinar o afastamento cautelar do investigado da função (art. 44) e decretar, pelo prazo máximo de 1 ano, a indisponibilidade de seus bens (art 44, parágrafo 2.º).
Além disso, a própria legislação que trata dos convênios federais, fixa sanções específicas. No caso de organizações da sociedade civil sem fins lucrativos, por exemplo, (como o COB se enquadra) a Lei 13.019/14 segue o mesmo critério da Lei de Licitações (Lei 8.666/93) e fixa que a execução de convênios em desacordo com o plano de trabalho pode gerar ao conveniado uma série de sanções (advertência, impedimento de celebrar novo convênio, declaração de inidoneidade).
Recursos dos convênios para candidatura olímpica derrubam discurso de “jogos da inciativa privada”Além do drible na Lei de Improbidade Administrativa através da delegação da assinatura dos convênios, há outro drible que pode ser verificado através da análise destes acordos. Largamente utilizado, o discurso de que “a organização dos jogos foi feita integralmente com recursos privados” remete ao Comitê Rio-2016, cujos contratos e recursos vieram da iniciativa privada. (embora no fim dos jogos o próprio Comitê Rio-2016 tenha se socorrido também de verba publica, diante do déficit encontrado).
No entanto, ao se analisar os convênios entre COB e Ministério do Esporte, pode-se constatar que vários objetos dos acordos referiam-se ao custeamento da organização dos jogos. Em resumo, relativos a organização da candidatura e dos jogos e financiamento estatal da mesma, ao contrário do discurso oficial.
Alguns exemplos de convênios do Ministério do Esporte/COB específicos relativos ao financiamento da candidatura e organização dos jogos:
Convênio 631647: Objeto: Transferência de recursos financeiros para custear pelo período de 60 sessenta dias a contratação, manutenção e seus encargos, sob inteira responsabilidade do Comitê Olímpico Brasileiro-COB, de recursos humanos que comporão a equipe da Comissão Rio2016 durante a fase da candidatura do Rio de Janeiro Valor: R$ 877.416,00 Data: 2/9/2008
Convênio 632059: Objeto: transferência de recursos financeiros para o projeto de “Apoio operacional à candidatura dos Jogo s Olímpicos e Paraolímpicos Rio 2016”. Valor: R$ 953.738,50. Data: 4/9/2008
Convênio 629290: Objeto: Transferência de recursos financeiros para o COB visando custear as despesas com hospedagem, passagens aéreas, seguro de responsabilidade civil, segurança, empresa de produção e cenografia, comunicação e marketing para realização do evento Casa Brasil. Valor: R$ 3.8881.862,02. Data: 4/9/2008
Convênio 633805: Objeto: Transferência de recursos financeiros para custear visitas técnicas de representantes das Federa ções Internacionais de modalidades esportivas visando aprovação dos projetos que comporão o Dossiê de Candidatura para as Olímpiadas de 2106. Valor: 407.654,76 Data:6/10/2008
Convênio 633628: Objeto: Contratação de serviço de consultoria internacional. Operação altamente especializada para elaboração do Dossiê de Candidatura Rio 2016 ao COI. Valor: R$ 7.156.594,80. Data: 30/1/2009
Convênio 702308: Objeto: Organização da visita de avaliação técnica do COI ao Rio no período de 27 de abril a 3 de maio de 2009. Valor: R$ 7.310.254,54. Data: 24/4/2009
Convênio 633664: Objeto: contratação de serviços de produção editoria do Dossiê de Candidatura do Rio para sediar os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016, com serviços de produção editorial. Valor: R$ 1.479.774,73. Data: 31/7/2009
Convênio 633771: Objeto: Custear pelo período de 8 meses a contratação, manutenção e seus encargos, sob inteira responsabilidade do COB, de recursos humanos qualificados que comporão a equipe da Comissão Rio-2016 durante a fase de elaboração do Dossiê de Candidatura. Valor: R$ 6.730.431,14. Data: 5/8/2009
Convênio 70133: Objeto: Contratação dos demais serviços necessários a produção gráfica, iconográfica, redação especializada para o idioma francês e transporte/envio do Dossiê de Candidatura do Rio a sede dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos 2016, que não prestados no convênio 118/2008. Valor: R$ 1.420.487,25. Data: 24/9/2009
Convênio 634042: Objeto: Custear a contratação de Serviços de consultorias nacionais relacionadas as áreas de logística, infraestrutura portuária e aeroportuária, operações de mídia, preparação do orçamento dos jogos e validação do orçamento dos jogos. Valor: R$ 3.582.498,09. Data: 25/9/2009
Convênio 700560 : Objeto: custear os serviços de tradução juramentada, envio de correspondência/encomenda, cartório, materiais de expediente, material de informática, despesas com hospedagens, passagens aéreas, diárias de viagem e transporte operacional para os recursos humanos contratados e responsáveis pela elaboração, redação e montagem do Dossiê de Candidatura, dentro e fora do Brasil, bem como custear passagens aéreas e hospedagens. Valor: R$ 3.937.149,54. Data: 9/10/2009.
Convênio 701627: – Contratar serviços de consultorias que abranjam segmentos de relacionamento institucional internacional e marketing institucional, que sejam responsáveis pela coordenação do desenvolvimento de toda a estratégia de marketing e relacionamento com dirigentes. Valor: R$ 2.242.631,83. Data: 10/12/2209
Convênio 633627: Objeto: contratação de serviço de consultoria internacional em megaeventos, altamente especializada para coordenação de desenvolvimento do suporte técnico relacionado a fase de candidatura do Rio aos Jogos Olímpicos de 2016. Valor: R$ 13.217.043,58. Data: 10/5/2012.
OUTRO LADO:
A reportagem enviou pedido de resposta para Carlos Arthur Nuzman através da assessoria de imprensa do COB para a reportagem sobre os convênios do dia 15. Questionou sobre a constatação alcançada via Lei de Acesso à Informação, de que Nuzman não assinava os convênios entre Ministério do Esporte e COB desde 2005, assinados todos, sem exceção, por André Richer. Informou ainda que, cruzando-se as datas das assinaturas com as datas de viagens de Carlos Arthur Nuzman, não necessariamente esses convênios foram assinados em sua totalidade com Nuzman fora do país ou do exercício da presidência. E perguntou, diante de tais fatos, qual a razão para que o dirigente máximo do COB não assine os convênios com o Ministério do Esporte desde 2005. O COB não respondeu.