Exclusivo: o “acordo gratuito” entre Nuzman, Eduardo Paes e uma empresa privada que valeu R$ 200 milhões e 23 contratos
Foi um negócio da China. Ou do Brasil. Mais ainda: do Brasil Olímpico, que reinventou e redimensionou todo e qualquer conceito de “negócio da China”. Para alguns.
No dia 11 de maio de 2016, Eduardo Paes entregou o Pavilhão 6 do Riocentro, palco do boxe nas Olimpíadas e do vôlei sentado na Paraolimpíadas. Com pompa. Ao lado de Carlos Arthur Nuzman e Arthur Repsold, sócio e mandatário da GL Events no Brasil. (na foto acima, Paes, Nuzman e o empresário no dia da entrega do pavilhão).
A pompa seguiu no discurso do então prefeito do Rio. Anunciou o verdadeiro negócio da China. Ou do Brasil olímpico. Uma permuta com custo zero para o contribuinte, para a prefeitura e para o Comitê Rio-2016. Pelo acordo, a GL Events financiou a construção do Pavilhão 6 e outras obras no Riocentro que visavam as Olimpíadas. Em troca, o município renovou a concessão que a empresa detém do Riocentro e da Arena da Barra por mais 30 anos. Vale resgatar algumas palavras do alcaide, que lá no meio ressalta que “provamos mais uma vez que dá para fazer Olimpíadas sem pegar o dinheiro que as pessoas pagam de impostos”.
“Não custa lembrar que isso aqui seria obrigação do Comitê Rio 2016, seria uma arena provisória e serviria somente para os Jogos Olímpicos. A prefeitura buscou recursos privados e legado permanente para a cidade. Fizemos esse acordo com a GL Events que tem a concessão do Riocentro e da Arena da Barra. Renovamos a concessão da Arena da Barra, e eles vão arcar com custos. Vai entrar ringue de boxe ainda e arquibancadas temporárias. Provamos mais uma vez que dá para fazer Olimpíadas sem pegar o dinheiro que as pessoas pagam de impostos e levantar uma arena para colocar para as pessoas lutarem boxe. Temos que usar o serviço público para o que é fundamental. Não licitamos porque esse espaço já era concedido para a GL Events há mais de uma década”, disse (globoesporte.com, 11/5/2016).
Eduardo Paes seguiu exaltando o grande negócio onde a empresa assume o custo de milhões de obras no Riocentro em troca apenas da renovação da concessão.
“Além dos R$ 51 milhões na construção do pavilhão 6, a GL também assumiu outras obras no Riocentro, no valor de R$ 12 milhões, e na Arena Olímpica, de R$ 10 milhões. No primeiro constam intervenções nos três pavilhões, como reformas na iluminação, no sistema de incêndio, melhoria na acústica e implantação de esgoto subterrâneo na área externa. No segundo estão previstas uma nova rampa de acesso, repintura externa, adequação nas instalações elétricas e na estação de energia, revisão no sistema de exaustão da subestação elétrica e nova iluminação”.
Faltou contar a outra parte da história. Que na transação triangular entre Comitê Rio-2016/prefeitura do Rio/GL Events, o Comitê Rio-2016 deixou de pagar R$ 76 milhões pela a construção do Pavilhão 6 (R$ 51 milhões, segundo as declarações do ex-prefeito e o valor de custo apresentado pelo próprio) e outras obras (R$ 22 milhões, de acordo também com Paes). Mas que o mesmo Comitê Rio-2016 assinou o dobro do valor em contratos com o grupo empresarial, e que, somando os acordos feitos entre as empresas, Comitê Rio 2016 e prefeitura, o GL Events fechou mais de R$ 200 milhões em contratos de 2011 a 2016.(ver números ao fim).
No total, a Agência Sportlight de Jornalismo Investigativo identificou 23 contratos entre quatro empresas do grupo da GL Events (e mais 12 aditivos) e o Comitê Rio-2016. Valor total: R$ 159.646.735,25 (cento e cinquenta e nove milhões, seiscentos e quarenta e seis mil, setecentos e trinta e cinco reais e vinte e cinco centavos), de acordo com os números fornecidos pela própria empresa em questionamento da reportagem. A GL Events informa ainda que R$ 52 milhões ainda não foram pagos pelo Comitê Rio-2016.(ver “outro lado” ao fim).
Assinaram os 23 contratos com o Comitê Rio-2016 as seguintes empresas do mesmo grupo: GL Events, Fagga, Top Gourmet e Hotel Grand Mercure. Assim distribuídos: 10 contratos com a GL Events, 11 com a Fagga, 1 com a Top Gourmet e 1 com o Hotel Grand Mercure Riocentro.
Contratos como no caso do Hotel Grand Mercure, construído pela GL Events e inaugurado no dia 14 de abril de 2015, que um ano antes já tinha acerto com o Comitê Rio-2016, no contrato de número 477/2014. Oferecendo privilegiado local único no coração das instalações olímpicas e com 90% da ocupação no período olímpico garantida com o comitê. Eduardo Paes foi o convidado de honra da inauguração.
Apesar de Eduardo Paes garantir que o Rio-2016 iria se poupar de despesas, a GL não deixou de ganhar com o aluguel do próprio Riocentro para o comitê, como no contrato 1399/2015, de “locação de áreas do Riocentro para realização de Eventos-Teste”.
Entre os 23 contratos, existem exemplos como o 370/2016, com posterior aditivo, de locação do espaço: “Contrato de Locação de Espaço com Prestação de Serviços a ser celebrado entre o Rio 2016 e a empresa GL Events, para utilização de área dentro da Arena Olímpica do Rio de Janeiro, e prestação dos serviços de suporte à operação e manutenção desta instalação durante o período dos Jogos”.
E mesmo com obras de contrapartida por conta da empresa acertadas, segundo Eduardo Paes em seu discurso, alguns contratos do comitê garantiram pagamento para obras do grupo. Como o 850/2016, de 22 de junho de 2016, por “serviços de obras de adaptação nas instalações do Riocentro”, com a Fagga Promoção de Eventos.
Mesmo a prefeitura, que anunciou o custo zero com o grupo empresarial quanto a instalações olímpicas por conta dos acordos de renovação de concessão do Riocentro e da Arena da Barra, assinou contrato com a Fagga às vésperas dos jogos, em 13/5/2016, no valor de R$ 7.800.000,00 (sete milhões e oitocentos mil reais) para “fornecimento de arquibancadas temporárias das arenas 1,2 e 3 e arena externa do centro de tênis dos jogos olímpicos e paralímpicos”, como pode ser verificado na base de dados pública do município:
Nos anos Eduardo Paes, os contratos da prefeitura com o grupo foram divididos. Entre 2014 e 2016 foram R$ 13.400.000,00 (treze milhões e quatrocentos mil reais), assinados em nome da Fagga. De 2011 a 2014, os contratos do grupo foram assinados com outra do grupo, a GL: R$ 33.255.766,96 (trinta e três milhões, duzentos e cinquenta e cinco mil, setecentos e sessenta e sei reais e noventa e seis centavos). Sendo que R$30.573.713,08 só de “locação de imóveis” (Riocentro) em 1/12/2013 a 31/8/2014.
Assim, o grupo teve em contratos com a prefeitura muito além da renovação da concessão do Riocentro e da Arena Rio. Entre 2011 e 2016, as empresas GL Events e Fagga obtiveram R$ 41.055.766,96 (quarenta e um milhões, cinquenta e cinco mil, setecentos e sessenta e seis reais e noventa e seis centavos) da prefeitura. Somados aos R$ 159.646.735,25 (cento e cinquenta e nove milhões, seiscentos e quarenta e seis mil, setecentos e trinta e cinco reais e vinte e cinco centavos) ganhos com o Comitê Rio-2016.
No triângulo entre Comitê Rio-2016/Prefeitura Eduardo Paes/Grupo GL Events, os ganhos totais do grupo empresarial entre 2011 e 2016, depois da conquista do direito do Rio sediar os jogos foram de R$ 200.702.502,21 (duzentos milhões, setecentos e dois mil, quinhentos e dois reais e vinte um centavos), fora a renovação das concessões.
Na base de dados da Receita Federal, a Fagga consta tendo como endereço o Pavilhão 1 do Riocentro, palco de obras financiadas pelo Comitê. E a Top Gourmet consta nos pavilhões 2, 4 e 5.
Outro lado:
Comitê Rio-2016:
Questões sobre os contratos do Comitê Rio-2016 com as empresas do grupo GL Events, ou seja: GL Events, Fagga, Top Gourmet e Hotel Grand Mercure. São 23 contratos identificados com quatro empresas do grupo e 12 aditivos. Sobre tais contratos, solicito tais informações abaixo.
1- Se tais contratos não ferem as “Condições Gerais do Fornecedor”, em relação a sociedades do mesmo grupo econômico?
Resposta: “Os contratos assinados prevalecem em relação às “Condições Gerais do Consumidor”. Estas foram formuladas e aplicadas em contratos de menor valor, primeiro até a R$ 50 mil e depois até R$ 100 mil, documentos que não precisavam da aprovação do conselho, enquanto outros passavam por todas as instâncias de governança interna”.
2- No acordo entre a prefeitura e a GL Events para construção do Pavilhão 6 estava contratado, além da renovação da Arena Olímpica por mais 30 anos, assumir obras e reformas dos demais pavilhões. No entanto, alguns desses contratos do Comitê com o grupo GL contemplam pagamento por obras nesses pavilhões. Qual a razão?
Resposta: “Os contratos com a GL não tinham previsões de obras além daquelas previstas para reparo de avarias, que por sinal não tivemos ainda condições de cumprir por falta de recursos”.
Grupo GL Events:
1- No acordo entre a prefeitura e a GL Events para construção do Pavilhão 6 do Riocentro, estava contratado, além da renovação da concessão da Arena Olímpica por mais 30 anos, que a GL assumisse obras e reformas dos demais pavilhões. No entanto, alguns contratos do Comitê Rio-2016 com o grupo GL contemplam pagamento por obras nesses pavilhões. Qual a razão? Houve duplicidade?
Resposta: Não houve qualquer duplicidade. Trata-se de dois contratos completamente distintos. Abaixo o detalhamento de cada um:
Prefeitura – A GL events Brasil antecipou o valor do aluguel de 30 anos para atender a uma solicitação da Prefeitura do Rio de Janeiro para que realizasse obras no Riocentro e na Arena. Ou seja, a empresa aportou de uma só vez um valor que seria empenhado gradualmente ao longo de três décadas, a fim de atender a um pedido da Prefeitura, para que esta não precisasse fazer tal investimento. No Riocentro, além da construção do Pavilhão 6, foram realizadas obras no telhado do Pavilhão 2 e no sistema de água e esgoto do centro de convenções, além do isolamento acústico da casa de máquinas e do fornecimento de infraestruturas temporárias (28 mil assentos) no Riocentro para os Jogos Olímpicos.
Comitê Rio 2016 – O contrato foi para fornecimento de infraestrutura temporária (tendas) para a realização dos Jogos Olímpicos Rio 2016.
2 – O contrato assinado em 25/2/2016 com o Comitê Rio-2016 e mais dois aditivos preveem remuneração pela prestação de serviço acordado de instalação de arquibancadas. No entanto, um contrato de 13/5/2016 com a prefeitura também prevê “instalação de arquibancadas nas arenas”. No valor de R$ 7.800.000,00. Gostaria de saber se houve duplicidade no recebimento.
Resposta: Não houve qualquer duplicidade. Trata-se de dois contratos completamente distintos. Abaixo o detalhamento de cada um:
Prefeitura – O contrato foi para a instalação de infraestrutura temporária (arquibancadas) nas arenas de tênis.
Comitê Rio 2016 – Contrato de infraestrutura temporária (arquibancadas) no Velódromo e Campo de Golfe Olímpico.
3- Poderia informar o valor total dos contratos do grupo com o Comitê Rio-2016?
Resposta: O valor total dos contratos com o Comitê Rio 2016 foi de R$ 159.646.735,25.
** Vale destacar que desse total, a GL events Brasil ainda não recebeu R$ 52 milhões devidos pelo Comitê Rio 2016. Depois de meses de negociações sem solução, a empresa precisou entrar na Justiça contra o Comitê. O processo está em fase de execução da dívida.