DOSSIÊ RENCA (2): Documentos mostram ação de ministro a favor de mineradora estrangeira na Floresta do Jamanxim
Toronto (Canadá), 4 de março de 2017.
A milhares de quilômetros do Brasil, o futuro da Floresta Nacional de Jamanxin, Unidade de Conservação de Uso Sustentável (UCUS) que mais sofre desmatamento na Amazônia está sendo decidido em uma reunião.
De um lado, o CEO de uma gigante empresa mineradora transnacional e suas queixas e reivindicações.
Do outro, mas não necessariamente oposto, um ministro de estado do Brasil e uma explícita docilidade em acatar essas demandas.
A cena, detalhada nos documentos com relatórios do Ministério das Relações Exteriores (MRE), obtidos pela reportagem através da Lei de Acesso à Informação, é autoexplicativa para retratar e dimensionar o protagonismo e a capacidade de atuação nos bastidores dos grandes grupos econômicos internacionais da área da mineração. Os rostos por trás das desregulamentações que garantam acesso desses grandes grupos aos recursos naturais e flexibilização das leis no setor.
O ministro em questão é Fernando Bezerra Coelho Filho, titular do Ministério das Minas e Energia (MME).
O CEO citado é George Burns, da Eldorado Gold Corporation, representada no Brasil pela subsidiária Brazauro Recursos Minerais.
Fernando Bezerra Coelho Filho, 33 anos, é o primogênito do ex-ministro da Integração Nacional e representante de uma das oligarquias de presença mais barulhenta nos sertões nordestinos, com base em Petrolina (PE), administrada de mão em mão pela família há meio século. Donos de um império que começou com o Coronel Quelê, composto hoje por fazendas, indústrias e meios de comunicação da região. Eleito deputado federal desde os 22 anos, até assumir o MME, com Michel Temer ainda interino, em maio de 2016. Notícias vista com bons olhos desde o primeiro momento pelos investidores estrangeiros. Tanto a subida ao poder do novo presidente quanto a chegada do novo ministro.
No seu primeiro grande début internacional, o ministro não decepcionou e confirmou os sinais já evidentes no primeiro ano no posto. Nesse março de 2017, foi até a convenção “Prospectors and Developers Association of Canada” (PDAC), em Toronto, com a presença das principais empresas de mineração do mundo, além de encontro com 120 CEOs do ramo e entidades de classe nesse setor e não fez por menos. Além de antecipar ao empresariado estrangeiro o anúncio de boas oportunidades e da extinção da Reserva Nacional do Cobre e Associados (RENCA), como mostrou a primeira reportagem do “Dossiê Renca”, o ministro foi mais fundo.
Ao ouvir as queixas e lamentos do CEO acima citado, da Eldorado Gold Corporation, sobre uma recém-criada Medida Provisória, a MP 756, que “inviabilizava” os negócios da empresa na região”, não fez por menos, de acordo com o que está transcrito nos documentos do MRE sobre o encontro bilateral:
“O ministro informou aos seus interlocutores canadenses haver forte mobilização em diversos setores do governo, inclusive de parte do próprio MME, para alterar os termos da MP, o que permitirá preservar os investimentos já realizados e assegurar o aporte de U$ 500 milhões adicionais em curto prazo, de parte da empresa, gerando 600 novos empregos diretos”.
A Medida Provisória 756 em questão, assinada por Michel Temer, foi publicada no Diário Oficial da União em 20 de dezembro de 2016. Transformava as áreas, até então “Parques Nacionais” em “Área de Proteção Ambiental” (APA). Na prática, os Parques Nacionais estão mais protegidos dos ataques e destruição, por integrarem o grupo das Unidades de Proteção Integral. Já as APAs permitem propriedade privada em seu interior e desmatamento legal. Assim, a Floresta Nacional do Jamanxim foi reduzida de 1,3 milhão de hectares para aproximadamente 557 mil hectares.
Mesmo abrindo novas possibilidades de exploração, a MP não foi considerada satisfatória pela Eldorado Gold, que se manifestou por considerar inviabilizado o projeto de mineração “Tocantinzinho” com as alterações.
No dia 13 de janeiro, menos de um mês depois da publicação da MP 756, a Eldorado Gold já se articulava com o governo do Pará, de Simão Jatene (PSDB), que divulgou nota oficial afirmando que o projeto da canadense faz parte do “Plano Pará 2030, que prevê entrada de novas empresas para o estado” e lamentando o fato da Eldorado Gold já ter realizado pesquisas na região e investido R$ 200 milhões no projeto.
A firmeza do ministro Fernando Bezerra Coelho Filho ao garantir modificações na MP aos investidores que reclamaram se confirmou três dias depois, com a instalação de comissão mista no Congresso Nacional. Sob a presidência do senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA) e relatoria do deputado federal José Priante (PMDB-PA), alterações foram feitas. A fala do deputado José Priante é explicita quanto aos interessados nas alterações:
“Conto com o apoio dos meus pares na aprovação dessa emenda que pode, finalmente, proporcionar maior tranquilidade e segurança àqueles que desejam investir no desenvolvimento da região, que há anos sofre de conflitos decorrentes da falta de atenção e respeito por parte do Poder Executivo Federal”.
O relatório da pasta de Fernando Bezerra Coelho Filho não faz por menos, de acordo com o Dossiê “Unidades de Conservação sob Risco”, da ONG WWF, que teve acesso aos documentos. A defesa dos investimentos da Eldorado Gold é literal:
“É necessário reafirmar que todos os investimentos da Eldorado Gold, são oriundos de capital externo, e dentro de preceitos legais. A inviabilização do projeto provocará uma grande insegurança jurídica, que se contrapõe à política de atração de investimentos necessários à retomada do crescimento econômico do país, em especial da atividade mineral. A reação do mercado internacional à edição das MP 756/2016 e 758/2016 foi extremamente negativa, demonstrada por uma queda expressiva na cotação da empresa nas bolsas de Toronto e Nova York. por fim, Destaca-se que a concessão de lavra do Projeto “Tocantinzinho” poderá representar uma mudança nos paradigmas em uma região onde o garimpo representa a forma usual de exploração mineral”.
Aprovadas sem maiores esforços em abril, as alterações foram comemoradas em plenário pelo senador Flexa Ribeiro, que afirmou sobre a nova redação: “oferece oportunidade aos produtores rurais de regularizarem suas áreas e atividades produtivas”. Com as alterações, a área sujeita a exploração foi ampliada, atendendo ao pleito da mineradora. Antes disso, o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, acenou para a bancada amazônica que o governo apoiaria as modificações.
No entanto, uma imensa campanha de pressão com repercussão mundial, incluindo astros como Leonardo de Caprio e Gisele Bündchen, e a própria ONG WWF, fez com que o governo, envolvido em diversos escândalos de corrupção tivesse que recuar. Em 19 de junho, o presidente Michel Temer anuncia o veto a MP 756, cujas alterações tinham sido orquestradas pela própria base e MME. Imediatamente, em sua conta de twitter, Temer deixou claro que a pressão internacional foi a razão, respondendo para a modelo e para a ONG:
“@giseleofficial e @WWF, vetei hoje integralmente todos os itens das MPs que diminuíam a área preservada da Amazônia”.
A veemência do deputado José Priante na comissão em defesa dos interesses das mineradoras tem eco em seus maiores doadores de campanha. De acordo com o amplo e mais completo trabalho de pesquisa na área, “Quem é Quem nas discussões do Novo Código de Mineração”, de Clarissa Reis Oliveira (Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (IBASE), 35% da arrecadação de R$ 462.650,00 de Priante para as eleições de 2014 vieram de mineradoras (Vale Manganês S/A*; Imerys Rio Capim Caulim S.A.*; Salobo Metais S.A).
O relator do Novo Código de Mineração, Leonardo Quintão, também recebeu generosas contribuições das mineradoras, como mostrou a primeira reportagem do “Dossiê Renca”, a partir do trabalho de Clarissa Reis Oliveira.
Ligado a Eduardo Cunha quando o presidiário era o presidente da Câmara, Leonardo Quintão foi o relator do “Novo Código da Mineração” em seu primeiro mandato parlamentar, na legislatura que se iniciou em 2010. Seu então líder, Eduardo Cunha, foi o campeão em emendas para o novo Código da Mineração, com 90 emendas. Reportagem da Agência Pública, realizada a partir da prestação de contas da câmara dos deputados, mostrou que o deputado mineiro, de 42 anos, multiplicou seu patrimônio em 56 vezes entre 2002 e 2014. Dos R$ 315 mil para R$ 18 milhões.
Quintão renovou o cargo ao ser reeleito em 2014. O mais completo trabalho sobre o setor, referência de consulta por sua amplitude e nível de detalhamento, o “Quem é quem nas discussões sobre o novo código de mineração 2014”, feito anteriormente em 2013 e atualizado após as eleições de 2014 com os novos mandatos, de autoria da pesquisadora Clarissa Reis Oliveira, mostra impactantes números sobre o envolvimento do deputado Leonardo Quintão e as empresas de mineração.
De acordo com o estudo, para o primeiro mandato, “em 2010 ele recebeu R$ 400 mil de empresas ligadas a mineração, cerca de 20% do total de sua campanha”.
Na reeleição em 2014, já como relator do novo código de mineração, o estudo revela dados autoilustrativos sobre o viés da “Bancada da Mineração”. Está lá sobre as doações ao deputado: “Nas eleições de 2014 o valor total subiu de forma significativa: pouco mais de R$2 milhões, aproximadamente 42% do financiamento da campanha do deputado que sempre se apresentou como o defensor do setor mineral”.
Clarissa Reis Oliveira mostra ainda o conflito de interesses entre o cargo de relator e as doações de mineradoras, constituindo uma ilegalidade, de acordo com o Código de Ética da Câmara dos Deputados consideramos. “O inciso VIII do Art. 5º do Código de Ética da Câmara afirma que fere o decoro parlamentar ‘relatar matéria submetida à apreciação da Câmara dos Deputados, de interesse específico de pessoa física ou jurídica que tenha contribuído para o financiamento de sua campanha eleitoral”.
De acordo com o estudo, o Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração “apresentou representação pela retirada do relator junto à Mesa Diretora da Câmara. O então presidente da Casa, Dep. Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) prontamente arquivou o processo”.
O caso foi levado ao Supremo Tribunal Federal (STF), onde um mandado de segurança pedia a retirada imediata de Quintão do cargo de relator do novo código. O processo não foi julgado e acabou arquivado pelo Ministro Luiz Eduardo Fux.
Foram doadores dos 42% dos R$ 4.953.956,40 (quatro milhões, novecentos e cinquenta e três mil, novecentos e cinquenta e seis reais e quarenta centavos) recebidos como doação por Leonardo Quintão no pleito de 2014 só por empresas do setor de mineração: Phenix Mineração e Comércio Ltda.; Votorantim Siderurgia S.A.; Vallourec Tubos do Brasil S.A.; LMA Mineração Ltda.; Mineração Polaris Ltda.; Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração; FLAPA Mineração e Incorporações Ltda.; AngloGold Ashanti Córrego do Sítio Mineração S/A; Arcelor Mittal Brasil S.A.; Magnesita Refratários S/A; KINROSS Brasil Mineração S/A; Companhia Metalúrgica Prada; Usina Siderúrgica de Minas Gerais – USIMINAS; Vale Mina do Azul S/A; Gerdau Aços Especiais S.
OUTRO LADO:
Ministério das Minas e Energia:
A reportagem tentou contato e enviou questões ao Ministério das Minas e Energia por diversas vezes, sem resposta.
Deputado Federal Leonardo Quintão (PMDB-MG):
A reportagem enviou questões para o deputado Leonardo Quintão, sem resposta.
Deputado José Priante (PMDB-PA)
A reportagem enviou questões para o deputado José Priante, sem resposta.
Eldorado Gold Corporation:
A reportagem não conseguiu contato com a mineradora.