Agência Sportlight republica reportagem de 2016 sobre negócios e ligações da família de FHC
Na última semana foram revelados e-mails entre o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e Marcelo Odebrecht. Na correspondência, FHC era bem objetivo ao sintetizar o tema: “o de sempre”. O “de sempre” em questão era pedido de dinheiro. A revelação já saiu de pauta, não chegou a merecer análise por comentaristas em programas de TV e já morreu como nasceu: em arquivo morto nas prioridades das forças de investigação do país. E da imprensa.
Em abril de 2016, ainda não existia esta Agência Sportlight de Jornalismo Investigativa. Na ocasião, o autor desta reportagem abaixo apurou alguns negócios da família de FHC.
Revelou a inédita informação de que Paulo Henrique Cardoso tinha uma empresa offshore no Panamá, paraíso fiscal muito usado em operações de lavagem de dinheiro e ocultação de capital, entre outras coisas. Revelou ainda que a empresa tinha correspondente no Brasil, ambas ligadas ao ramo do petróleo, no qual nem se sabia que o filho do ex-presidente atuava. E que tal empresa tinha ligações com a Odebrecht também.
A reportagem revelou ainda que Paulo Henrique Cardoso era sócio em outros negócios de um argentino braço direito do presidente daquele país, Maurício Macri, e que este sócio havia se suicidado por escândalos de corrupção.
Publicada na Carta Capital de 5 de abril de 2016. O tema não foi tocado por nenhum outro órgão de imprensa.
Por trazer um monte de questões que seguem vivas e sem explicações, a Agência Sportlight de Jornalismo Investigativo republica tal reportagem na íntegra, sem atualizações no texto e com os mesmos documentos e da mesma forma que foi publicada, exceção para a foto acima ser distinta da publicação original por questões de direito de imagem.
Reprodução da reportagem original de 5/4/2016:
FHC, seu filho e os negócios em família
Sócio de uma offshore no Panamá e ligado a suspeitos de corrupção, Paulo Henrique Cardoso prosperou à sombra do pai
Os negócios da família do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso vão muito além das contas no exterior do patriarca investigadas pela Polícia Federal. Incluem também transações do filho Paulo Henrique com a Odebrecht, as offshores no Panamá e no Reino Unido, além de uma sociedade com o ex-braço direito do presidente argentino Maurício Macri que se suicidou em meio a um escândalo de corrupção.
Paulo Henrique Cardoso manteve durante uma década negócios com a Braskem, uma sociedade entre a Odebrecht e a Petrobras, por meio da World Wide Partnership Importação e Exportação, empresa de comércio de produtos petroquímicos.
Embora PHC só conste como sócio da WWP a partir de 26 de outubro de 2004, dois anos depois do término do segundo mandato presidencial do pai, a WWP foi aberta em 31 de março de 1999, no auge do processo de abertura do setor no País que resultou na liderança da Odebrecht na indústria petroquímica.
A WWP assinou uma parceria com a Braskem para produzir resinas especiais de PVC no ano em que Paulo Henrique aparece oficialmente no quadro societário da companhia.
PHC tem também uma offshore no Panamá. Criada em 19 de novembro de 2011, a empresa tem os mesmos sócios e o mesmo nome da matriz paulista. Além disso, em sociedade com o pai abriu outra companhia, desta vez no Reino Unido, a Ibiuna LLP, datada de 30 de março de 2009. Ibiuna é uma referência à cidade no interior paulista onde fica a fazenda na qual o ex-presidente descansava durante o mandato.
FHC assinou em novembro de 1995 a emenda constitucional que acabou com o monopólio da Petrobras. No mesmo ano, a Odebrecht fundou a OPP Petroquímica. Em janeiro de 1998, FHC criou a Agência Nacional do Petróleo e entregou a presidência ao genro David Zylbersztajn. Um ano depois, nasce a WWP. No período, 27 empresas do ramo petroquímico foram privatizadas, com amplo financiamento do BNDES, o banco estatal de fomento.
Em 2002, a Odebrecht reuniu todas as empresas petroquímicas que havia adquirido sob o chapéu da Braskem. A Petrobras se tornaria sócia minoritária do empreendimento (a estatal anunciou a intenção de deixar o negócio neste ano). Em 2010, a Braskem deu início a um processo de internacionalização. No ano seguinte, a WWP abriu a offshore no Panamá.
Segundo documentos obtidos na Junta Comercial do Panamá, os sócios de PHC na offshore são Luiz Eduardo Ematne e Stephen Timothy Fitzpatrick. Ematne aparece como fundador da matriz brasileira em 31 de março de 1999. Em 24 de janeiro de 2001, o norte-americano Fitzpatrick ingressa na sociedade.
Ematne afirma não se lembrar de detalhes da WWP. Em uma conversa rápida por telefone, falou vagamente sobre a sociedade: “Não me lembro de quando ele (PHC) entra. Uns 8, 9, 10 anos. A empresa tem 12, 14 anos. Foi aberta há pouco tempo no Panamá, 2, 3 anos. É da área de tecnologia, distribuidora de resina. Existe empresa no Japão que comprou nossa tecnologia. Por isso abrimos empresa no Panamá. Constituída legalmente. Mas o Paulo já saiu na de lá também. O volume de vendas é nada”.
O empresário alegou estar em trânsito e sugeriu outra conversa mais tarde. Novamente procurado, mudou de ideia e foi taxativo: “Não vou mais falar. Não tenho obrigação de falar. Meu advogado me disse que não devo falar nada”.
O escritório panamenho Sucre, Arias e Reyes foi responsável pelo suporte na constituição da WWP no país. Na offshore, PHC aparece não só como sócio, mas tesoureiro. Consta seu endereço residencial em São Conrado, no Rio de Janeiro. O Sucre, Arias e Reyes é conhecido pela assistência na abertura de empresas de fachada para lavagem de dinheiro naquele paraíso fiscal.
Em 2005, em um dos mais rumorosos escândalos a envolver o Cartel de Cali, da Colômbia, o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos apontou que as corporações usadas como lavanderia eram constituídas essencialmente por três bancas panamenhas, entre elas a Sucre, Arias e Reyes.
Em sua propaganda, o escritório ressalta a “agilidade para constituição das offshore que vão manejar contas bancárias, adquirir imóveis e proteger ativos”. Com os préstimos da Sucre, Arias e Reyes, a WWP teve seu registro assentado às 10h48 de 18 de novembro de 2011 e entrou no sistema de informática da repartição pública no dia seguinte.
No ano passado, a Polícia Federal identificou uma comunicação entre o Instituto FHC e a Braskem para acertar o pagamento de uma doação da petroquímica. De acordo com o e-mail que consta em laudo da PF, a secretária do Instituto FHC e um representante da Braskem combinaram a forma do desembolso. “Gostaria que você verificasse com a Braskem qual a melhor maneira para fazer a doação… Acho que a Braskem/Odebrecht já fez doações para a Fundação iFCH.”
A reportagem identificou a participação de PHC em nove empresas, três em sociedade com FHC. Uma delas é a offshore na Inglaterra, a Ibiuna LLP. No Brasil, pai e filho são sócios na Goytacazes Participações e na Córrego da Ponte, antiga parceria entre o ex-presidente e o ex-ministro Sérgio Motta.
Outras três são de “consultorias empresariais”: a Analiti(K), a Intrabase e a Corporate Idea, esta última criada juntamente com a irmã Luciana em 8 de agosto de 1997, quando o pai ainda estava no primeiro mandado.
Na Analiti(K), aberta em 23 de setembro de 2005, PHC teve como sócio um dos mais polêmicos personagens da recente história argentina, que cometeu suicídio em meio a uma série de denúncias de corrupção.
Apesar de estrangeiro, Gregorio Centurión tinha um CPF brasileiro. Amigo desde os bancos escolares de Mauricio Macri, comandou e foi o marqueteiro do atual presidente desde o mandato de deputado federal.
Centurión cuidou da comunicação de Macri na campanha à prefeitura de Buenos Aires e virou secretário de Comunicação Social da capital. Era o coração do chamado núcleo duro do “macrismo”. Antes disso, desempenhou funções vitais nas empresas da família.
No poder, Centurión dispensou as licitações para contratar empresas prestadoras de serviço entre os anos de 2009 e 2010. Ancorado na Lei nº 2.095 de Buenos Aires, contratava diretamente os fornecedores. Privilegiou grupos de comunicação ao pagar mais pelos anúncios para quem tinha dez vezes menos audiência.
Aplicou em ritmo frenético a estratégia de privilegiar empresas amigas enquanto a verba destinada à secretaria multiplicava-se a cada ano. O esquema funcionou até a deputada Rocio Sánchez Andía apresentar uma denúncia contra ele e outros dois secretários.
Em 25 de novembro de 2010, enquanto Macri estava em lua de mel por conta de um terceiro casamento, o juiz Gustavo Pierreti autorizou uma operação policial nas dependências da prefeitura. Os domínios de Centurión foram os principais alvos e dezenas de documentos acabaram apreendidos.
Delitos do sócio argentino de Paulo Henrique Cardoso: administração infiel em prejuízo da gestão pública, malversação de verbas, negociações incompatíveis e descumprimento dos deveres do funcionário públicoOs delitos de administração infiel em prejuízo da gestão pública, malversação de verbas, negociações incompatíveis e descumprimento dos deveres do funcionário público ganharam musculatura com as apreensões e o sócio de PHC entrou em depressão. Antes disso, Centurión estivera envolvido em escândalo de escutas ilegais.
Na noite de 19 de dezembro, o principal auxiliar de Macri disparou um tiro de escopeta contra a própria cabeça. Em 9 de junho de 2011, segundo o Diário Oficial do Estado de São Paulode 26 do mesmo mês, os sócios da consultoria Analiti(K) se reuniram, em mesa presidida por PHC, para promover a “dissolução parcial da Sociedade e consequente redução do capital social, tendo em vista o falecimento do sócio Gregorio Centurión, ocorrido em 19 de dezembro de 2010”.
Em 2009, no auge dos negócios do parceiro Centurión com as rádios portenhas, PHC abriu a Rádio Holding Participações, uma “holding de instituições não financeiras”. Entre os sócios aparecem a americana ABC Ventura Corp, além de Jobelino Vitoriano Locateli e José Tavares de Lucena, representante no quadro societário de diversas empresas no País.
Em geral, afirmam especialistas, representantes como Locateli e Lucena servem para resguardar a identidade de quem não deseja aparecer diretamente em uma sociedade, normalmente estrangeiros.
Entre as sociedades representadas por Locateli está a Sport World Group, sócia da Traffic Sports World, que tem entre seus sócios o empresário J. Hawilla, em prisão domiciliar nos Estados Unidos por participação no escândalo da Fifa.
A Rádio Holdings chegou a ser mencionada no Congresso Nacional em 2011, por controlar a Itapema, então retransmissora da Rádio Disney, acusada de ser a verdadeira proprietária do canal, algo vedado pela lei, que só permite a participação de estrangeiros no capital de meios de comunicação até o limite de 30%.
Em fevereiro de 2012, FHC criou a Goytacazes Participações, com finalidade de “outras sociedades de participações”, em parceria com a filha Luciana. PHC ingressou no quadro societário em janeiro do ano seguinte.
Outro lado:
A reportagem ouviu o Instituto FHC sobre as relações da WWP com a Braskem. “São empresas privadas legalmente constituídas e declaradas. Paulo Henrique não faz mais parte da WWP.” A reportagem informou para a assessoria do iFHC que, pelas bases de dados consultadas, tanto da Receita Federal quanto na Junta Comercial de São Paulo, a saída de PHC não constava até a presente data. O mesmo vale para o equivalente à Junta Comercial do Panamá.
Sobre a parceria com a empresa de Paulo Henrique Cardoso, a Braskem, por meio da assessoria de imprensa, enviou a seguinte nota para a consulta da reportagem: “A Braskem assinou acordo com a WWP em 2004, detentora exclusiva de tecnologia para a fabricação de resinas especiais de PVC. Por meio desse acordo, a Braskem produziu e distribuiu essas resinas voltadas para a aplicação de especialidades vinílicas até 2013, quando as relações comerciais foram encerradas. Como empresa privada, a Braskem seleciona suas tecnologias com foco em sua estratégia empresarial. Atualmente, a empresa possui pelo menos três dezenas de acordos assinados para uso de tecnologia de terceiros. O contrato assinado com a WWP representou menos de 0,01% do faturamento da companhia”.
Apenas para efeito de estimativa aproximada, tomando o ano de 2014, último a constar no site da Braskem com resultados financeiros ali publicados, a receita bruta no ano foi de 54,1 bilhões de reais e a receita líquida de 47,3 bilhões de reais.
Outras questões foram enviadas para PHC. Como a razão por só constar na WWP em 2004, após o governo do pai. E se confirmava a existência e participação da WWP no Panamá. Em caso de comprovação, a razão da empresa e se estava registrada na Receita Federal.
Através do iFHC, Paulo Henrique Cardoso limitou-se a dizer que “não faz parte mais da WWP e que a Ibiuna já foi encerrada. São negócios privados, todos devidamente declarados à Receita Federal”, ignorando o questionamento sobre a offshore do Panamá.
A reportagem perguntou também sobre Gregorio Centurión, se PHC conhecia as denúncias de corrupção do sócio. PHC ignorou as indagações sobre corrupção do ex-sócio. “Trata-se de empresa privada, com atuação regular e com todas as informações registradas na Junta Comercial de São Paulo.”
Indagado pela reportagem sobre a existência da Ibiuna, empresa no exterior em sociedade com o filho PHC, o ex-presidente FHC afirmou, através da assessoria de imprensa do Instituto FHC que “a empresa citada foi efetivamente aberta em Londres, para recebimento de proventos de palestras. Sempre foi devidamente declarada no Imposto de Renda. Foi encerrada em 2013. O saldo equivalente a 5,5 mil reais foi repatriado ao Brasil via Banco Central.”
Diante da resposta sobre o motivo da abertura da empresa, a reportagem pediu se era possível saber a data, contratantes e valores das palestras entre 2009 e 2013. A assessoria respondeu que “O iFHC é uma Fundação: está submetido à Curadoria de Fundações do Ministério Público de São Paulo, que audita as suas contas. A praxe sobre as palestras que o presidente faz, privadamente, é a de que quem as contrata divulga ou não os dados”.
A reportagem perguntou para PHC a razão para constar da sociedade com o pai na Ibiuna LLP, inscrita na Inglaterra, já que a empresa foi aberta para “recebimento de proventos de palestras” de FHC, sem resposta.
A Receita Federal não responde sobre casos específicos de registros de empresa. De acordo com a Receita Federal, “todas as pessoas jurídicas domiciliadas no Brasil, inclusive as equiparadas pela legislação do Imposto sobre a Renda, estão obrigadas a inscrever no CNPJ cada um de seus estabelecimentos localizados no Brasil ou no exterior, antes do início de suas atividades”.
Segundo o órgão, “em relação à Pessoa Jurídica que possui filial, sucursal, controlada ou coligada no exterior, a informação sobre as participações e os resultados apurados por essas participações no exterior são informados à Receita Federal por meio da Declaração de Informações Econômico-Fiscais da Pessoa Jurídica (DIPJ). A sanção pelo não cumprimento da obrigação relacionada à DIPJ é prevista legalmente”.
Arte originalmente publicada na revista Carta Capital em 5 de abril de 2016:
Muito saudável ver as máscaras caindo e as pessoas mostrando suas verdadeiras caras.
Pena por FHC, que não precisava emporcalhar a própria biografia com essas atitudes tão desagradáveis, para dizer o mínimo.
Pelo menos ele e a turma do PSDB têm algum neurônio e não sai resolvendo tudo a bala.
Já o atual, pelo amor de Deus!
A única coisa que tem de organizado é o vínculo com o Crime.
Tenho certeza de que é a primeira vez que faço este Comentário.
Trabalho muito bem feito, uma pena que isso tenha sido ignorado pela mídia nacional, isso talvez reflita o momento que o país atravessa hoje, não há imparcialidade no jornalismo – nesse caso falo das empresas e também de alguns profissionais – há uma seletividade enorme na hora de reportar os fatos e fica tudo por isso mesmo.
Um pena.