“Em nome do Paes”(1): Apartamento usado pelo ex-prefeito está em nome do pai e foi pago em parte com dinheiro vivo
Dinheiro vivo.
O apartamento utilizado por Eduardo Paes nos dois últimos anos teve uma parte paga em espécie.
O imóvel na Lagoa Rodrigo de Freitas, terceiro metro quadrado mais caro do Rio de Janeiro, está no nome de Valmar Paes, pai do ex-prefeito do Rio e atual candidato ao governo do estado e tem chamado atenção da vizinhança pelo aspecto de bunker, coberto em toda extensão da fachada por tapadeiras e cortinas permanentemente fechadas.
Com seis andares, sendo cinco apartamentos e uma cobertura duplex, foi erguido pela Mozak Engenharia no sistema de “Obra por Administração”, onde um grupo de condôminos se reúne e arca com o custo integral na proporção das frações de rateio da construção estipuladas previamente.
Oito investidores formaram o grupo de condôminos para erguer o prédio de cinco apartamentos, e pagaram aos quatro “outorgantes” que venderam o antigo casarão antes ali. Dos oito que compraram (outorgados), Valmar está denominado nas escrituras como o “Outorgado 8”. O único dos compradores a pagar parte em dinheiro vivo e cheques, como mostram os documentos públicos, obtidos em cartório pela reportagem.
Valmar Paes pagou aos quatro “outorgantes” exatos R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais) pela unidade que está em seu nome.
Assim divididos: R$ 1.686,000,00 (um milhão, seiscentos e oitenta e seis reais) em quatro cheques de R$ 421.500,00 (quatrocentos e vinte um mil e quinhentos reais), de origem de uma das suas inúmeras contas no Bradesco da agência Presidente Antônio Carlos, centro do Rio de Janeiro. E os restantes R$ 314.000,00 (trezentos e catorze mil reais) em quatro pagamentos de R$ 78.500,00 em “moeda corrente no país” para cada um dos quatro antigos proprietários, como está nos documentos na parte referente ao “outorgado 8”, Valmar Paes.
Ou seja, dinheiro vivo, de acordo com a escritura pública de compra e venda registrada no 15º Ofício de Notas. Os R$ 314.000,00 (trezentos e catorze mil reais) pagos em dinheiro vivo são quase iguais a renda declarada por Eduardo Paes na justiça eleitoral este ano, onde afirmou ser um homem de R$ 325.600,00 (trezentos e vinte cinco mil e seiscentos reais) e não ter imóveis.
Questionado pela reportagem sobre o fato de parte do imóvel ter sido paga em dinheiro vivo, Eduardo Paes, através da assessoria de imprensa, afirmou que “o apartamento citado, como o repórter mesmo afirma, é de propriedade do meu pai e eu não tenho informações a dar sobre a compra do imóvel”. (ver íntegra da resposta em “outro lado”, ao fim da reportagem).
O edifício foi construído onde antes existia uma das últimas mansões da Lagoa. A casa não era tombada pelo patrimônio, mas o espelho d’ água da Lagoa sim, o que torna necessária autorização para demolições de casas no local. Em 21 de dezembro de 2012 o processo teve entrada no “Conselho Municipal de Proteção do Patrimônio Cultural” da prefeitura, então sob comando de Eduardo Paes. Em 9 de maio de 2013 a autorização foi concedida.
Entre os outros sócios que racharam a empreitada estão outros nomes tradicionais do ramo imobiliário, como a própria Mozak, que ficou como responsável pelo empreendimento e Rogério Chor, um dos mais prósperos nesse mercado, à frente de nomes com a CHL, JBC e CR.
Eduardo Paes sempre esteve muito próximo em seus dois mandatos como prefeito (de 2009 a 2016) desta categoria de empresários. O primeiro projeto de lei do então prefeito foi logo após a posse e era sob medida para esta classe, com a resolução de desapropriação de dezenas de terrenos para implantação da Linha 1 do metrô. Quarenta propriedades na zona sul, a área mais cara da cidade, ganharam permissão municipal para receber novos prédios. A medida era para permitir edificações nos terrenos, de acordo com o gabarito de cada região.
Rogério Chor estava na lista dos primeiros beneficiados. E no centro de uma polêmica, denunciada pela Associação de Moradores e Amigos de Botafogo (Amab), com alvo certo: o projeto dava permissão para construir um prédio de 11 andares em terreno na rua Nelson Mandela, altura que contrariava as leis urbanísticas do bairro.
Um ano antes uma área no local foi vendida em leilão público do estado então governado por Sérgio Cabral por cerca de R$ 8 milhões para a construtora CHL, de Chor. Na ocasião, a Amab afirmou que o projeto seria apenas para favorecer o vencedor do leilão.
A presença da construtora de Chor na área foi muito maior. Na verdade, a rua Nelson Mandela foi aberta onde era canteiro de obras do metrô. A responsável pela abertura da via foi a mesma CHL de Chor, que tinha outros três terrenos na área, como está na denúncia encaminhada pelos moradores para a Câmara dos Vereadores à época.
Não demorou e no fim do primeiro ano de mandato de Eduardo Paes outro decreto com a lavra do prefeito dirigiu-se aos construtores. Assinado em 25 de setembro, o DM 31.165 impôs maior agilidade ao processo de legalização de empreendimentos imobiliários na cidade e foi efuzivamente comemorado pelo então presidente da Ademi-RJ (Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário do Rio de Janeiro), Rogério Chor.
Sócio na construção do prédio da Lagoa foi o maior doador na última campanha para prefeitoChor foi ainda um dos grandes investidores no projeto que Eduardo Paes chamou de revitalização da zona portuária, o “Porto Maravilha”, com diversas construções na área e, de acordo com dados da própria prefeitura, investimento de R$ 100 milhões na área, onde Paes chegou a desapropriar terrenos para depois serem leiloados.
O empreiteiro esteve nos dois lados do balcão durante os anos Paes na prefeitura. Além do homem de negócios, fez parte também do “Conselho da Cidade”, grupo que funcionou como consultor para revisão do Plano Estratégico do Rio, que definia novos rumos e diretrizes no planejamento.
Na campanha de prefeito em 2008, Rogério Chor doou R$ 150 mil para Eduardo Paes. R$ 100 mil através da “CHL Desenvolvimento Imobiliario” e os outros R$ 50 mil em partes de R$ 5 mil divididos por dez pessoas jurídicas diferentes do grupo, como mostram os dados do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) apurados pela reportagem.
Em 2012, a campanha de reeleição de Paes ficou marcada pela posterior delação de Leandro Andrade Azevedo, ex-diretor superintendente da Odebrecht, em depoimento ao Ministério Público Federal. Na ocasião, Leandro Andrade afirmou que Paes recebeu R$ 25 milhões por fora, em caixa 2. De acordo com a delação, Eduardo Paes tinha a alcunha de “Nervosinho” na lista da Odebrecht.
Depois de doar nas campanhas de Paes, Chor foi um dos maiores doadores de Pedro Paulo em 2016, o candidato de Paes, com R$ 200 mil, maior doador individual ao lado do representante do grupo Hypermarcas, investigado na Lava Jato.
Em 26 de julho de 2017, Chor tentou vender o apartamento da Lagoa em leilão, mas não houve lance. E em março desse ano passou adiante.
Aspecto de bunker gera curiosidade dos moradores da rua. Apartamento ganhou apelido de “Cafofo do Geddel”Embora provavelmente nem tenham conhecimento de que foi comprado com parte paga em dinheiro vivo, o apartamento em nome de Valmar Paes é alvo de intensos comentários e especulações por parte da vizinhança e já se tornou uma atração na esquina que dobra a frente para a Lagoa e uma pacata e tranquila rua.
Sem jamais ter sido habitado nem alugado, o imóvel único, de 175 metros quadrados que toma todo o primeiro andar parece mais uma inexpugnável fortaleza. Ignorando a vista para a Lagoa, o proprietário cobriu toda a extensão da fachada com tapadeiras e cortinas brancas. E, de acordo com o relato de vizinhos, seguranças permaneceriam no interior em tempo integral.
A onda de especulações cresceu ainda mais a partir do momento em que caixas começaram a entrar e tomaram o apartamento do chão ao teto, com especulações de quem seria o proprietário (uma imagem extraída do Google Maps e que já não está mais no ar mostra o amontoado de caixas. Ver abaixo). No humor tipicamente carioca, chegou-se a apelidar o imóvel com ares de bunker de “Cafofo do Geddel”.
O barulho dos boatos e curiosidade no entorno cresceram a partir da madrugada do dia 4 de janeiro último. Em meio a mais uma daquelas tradicionais chuvas de verão do Rio, uma tempestade de vento derrubou a árvore em frente. A árvore cravou a varanda do apartamento em nome de Valmar Paes.
De acordo com os mais diferentes relatos, os seguranças do apartamento saíram assustados até entenderem o ocorrido. Pela manhã, os mesmos seguranças teriam impedido a subida de soldados do corpo de bombeiro. Do lado de fora os comentários cresciam. Até que um membro da família chegou e os bombeiros foram autorizados a entrar.
Os vizinhos contam que, após a repercussão do episódio, as caixas foram retiradas. (Ver resposta de Paes em “outro lado” ao fim da reportagem).
Ouvidos pela reportagem, alguns moradores da rua afirmam que o apartamento foi usado também para encontros políticos do ex-prefeito, o que é negado por Eduardo Paes (ver íntegra de “outro lado” ao fim da reportagem).
Outro lado :
A reportagem enviou questões sobre o apartamento para Eduardo Paes através da assessoria de imprensa, que enviou a resposta abaixo:
Eduardo Paes:
“O apartamento citado, como o repórter mesmo afirma, é de propriedade do meu pai e eu não tenho informações a dar sobre a compra do imóvel. No ano de 2017 quando morei em Washington nos EUA usei o apartamento para guardar minha mobília e alguns pertences de minha família, tendo dormido lá em algumas vindas ao Rio de Janeiro. Quando voltei em definitivo para o Rio, aluguei o apartamento em São Conrado, que vivo hoje com minha família. Não fiz reuniões políticas nesse apartamento do meu pai. Muito menos no dia 15/11 de 2017 quando estava nos EUA e não no Brasil”.
Valmar Paes:
A reportagem enviou questões para o pai do ex-prefeito, Valmar Paes através do e-mail do advogado e também pela assessoria de Eduardo Paes, sem resposta.
Quando Lúcio de castro começa a mexer na sujeira, o esgoto fica a céu aberto e os ratos vão para rua. Excelente reportagem de um dos maiores repórter investigativo do Brasil!
Valeu, Lúcio. Estamos juntos! Que jornalista incrível…
Expoente do jornalismo investigativo. Máximo respeito