“Em nome do Paes”(2): Pai do ex-prefeito fez contrato de consultoria com a Transpetro na gestão Sérgio Machado
No auge do escândalo de corrupção protagonizado pela Transpetro, um dos mais rumorosos da Lava Jato, o advogado Valmar Paes, pai do ex-prefeito do Rio Eduardo Paes, recebeu mais de R$ 700 mil por dois contratos de “assessoria e consultoria” com a subsidiária da Petrobras.
Assinados durante a gestão de Sérgio Machado no comando da empresa. Em mais de uma década à frente da empresa (2003/2014), o ex-senador, ligado ao PMDB, então partido de Eduardo Paes, sistematizou um esquema de repasses de propina a terceiros via consultorias, assessorias e prestações de serviço, movimentando R$ 8,8 bilhões nos negócios feitos essencialmente com estaleiros e empreiteiras. O acordo de Valmar Paes e Petrobras, feito em 2012 e 2013, foi relativo a negócios de compra e venda entre a Transpetro e o Estaleiro Atlântico Sul (EAS), sociedade da Camargo Correia e Queiroz Galvão. Nos dois anos sem concorrência. Por inexibilidade.
Em 1º de agosto de 2012, próximo das eleições de outubro que confirmariam o favoritismo de Eduardo Paes (então no PMDB) para a prefeitura do Rio de Janeiro ainda no primeiro turno, Valmar Paes assinou o contrato 4600009204 com a Transpetro no valor de R$ 398.140,65 (trezentos e noventa e oito mil, cento e quarenta reais e sessenta e cinco centavos). Tendo como objeto “serviços técnicos de assessoria e consultoria referente as negociações entre Transpetro e Estaleiro Atlântico Sul” e com validade até 30 de outubro de 2013.
No ano seguinte, Valmar Paes volta a assinar contrato com a Transpetro, o 4600010444, para “assessoria e consultoria referente às negociações entre Transpetro e o Estaleiro Atlântico Sul, visando a continuidade dos contratos de compra e venda de navios”. No valor de R$ 318.512, 52 (trezentos e dezoito mil, quinhentos e doze reais e cinquenta e dois centavos), indo de 1º de novembro de 2013 até 31 de outubro de 2014.
No total, entre 2012 e 2013, Valmar Paes amealhou R$ 716.653,17 (setecentos e dezesseis mil, seiscentos e cinquenta e três reais e dezessete centavos) em contratos com a Transpetro, referentes ao estaleiro da Camargo Correia e Queiroz Galvão. Os contratos de Valmar Paes com a Transpetro não apareceram nas investigações ou denúncias que já não estão sob sigilo.
Antes da Transpetro, o advogado assinou outro contrato com objeto semelhante. E tem em seu histórico uma denúncia por assessoria e consultoria que na prática não se realizou, de acordo com a Controladoria Geral da União (CGU).
Em 2011, um ano antes do acerto com a Transpetro, Valmar Paes fechou contrato também de assessoria e consultoria com a Confederação Brasileira de Vôlei (CBV) no patrocínio do Banco do Brasil com a entidade esportiva. O pai do ex-prefeito é amigo desde a infância do então presidente da entidade, Ary Graça e eram colegas no conselho consultivo do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças (IBEF). O acordo entre Ary Graça e Valmar Paes foi no valor de R$ 2 milhões anuais por cinco anos, com total de R$ 10 milhões ao fim por tal consultoria. Acordo que viria a ser desfeito após ser denunciado mas Valmar Paes chegou a receber os R$ 2 milhões relativos ao primeiro ano. Ver trechos extraídos do relatório da CGU abaixo:
No relatório 201407834 a CGU afirmou sobre o contrato de assessoria feito entre Valmar Paes e CBV que “não há evidência da prestação do serviço contratado pela CBV”.
Na foto abaixo: Eduardo Paes e Ary Graça, ex-presidente da CBV
Um outro fato chama atenção nos contratos assinados entre Valmar Paes e a Transpetro na gestão de Sérgio Machado. Ambos foram assinados por Valmar Paes como pessoa física e não jurídica (pelo escritório de advocacia). Prática muito pouco usual inclusive na Transpetro. A reportagem analisou centenas de contratos. Não encontrou outro serviço de advocacia ou consultoria foi feito por pessoa física.
Questionada pela reportagem sobre tal contratação inusitada de Valmar Paes como pessoa física para o tipo de serviço prestado, a Transpetro, através da assessoria de imprensa, referendou o estranhamento da prática. “A Transpetro esclarece que atualmente não tem a prática de contratar pessoas físicas para assessoria e consultoria jurídica”. E fez questão de deixar claro que Valmar Paes não presta mais serviços para a empresa. “Vale ressaltar que o advogado em questão não presta mais serviços à companhia”. (ver íntegra da resposta em “outro lado” ao fim da reportagem).
Sérgio Machado ficou conhecido em todo país a partir de um dos mais famosos áudios da Lava Jato, obtido por reportagem de Rubens Valente na Folha de São Paulo (23/5/2016), onde, já sob acordo de delação premiada, gravou o interlocutor Romero Jucá propondo um “grande pacto nacional, com supremo, com tudo, para estancar a sangria da Lava Jato”.
Nos anos de presidência da Transpetro por Sérgio Machado, a parte maior do esquema de distribuição de propinas vinha de engrenagem montada a partir de negociação com estaleiros para pagamentos por fora em troca de contratos para a construção de navios. Depois de lançar o Programa de Modernização e Expansão da Frota (Promef), Sérgio Machado multiplicou o volume de dinheiro. E as propinas. Só para políticos do seu PMDB, atual MDB, mais de R$ 100 milhões de propinas distribuídas, como o próprio Sérgio Machado relatou em delação premiada.
Beneficiada no contrato da Transpetro analisado por Valmar Paes, a Camargo Correa teve seus negócios exponencialmente ampliados na gestão Eduardo Paes na prefeitura do Rio (então no PMDB, atual DEM) e do correligionário Sérgio Cabral no estado. A empreiteira ficou, entre outros negócios de bilhões, com a construção e concessão da Transolímpica através de subsidiária, e formou também no Consórcio VLT Carioca, para construção do Veículo Leve sobre Trilhos, via o Grupo CCR.
Já a Queiroz Galvão, integrante do chamado “Clube Vip”, que ganhava as licitações da Petrobras e sócia da Camargo Correa no Estaleiro EAS, foi parte do Consórcio Complexo Deodoro, formado com a OAS. Em junho de 2016, as obras de Deodoro foram alvo da Polícia Federal por falsificação dos documentos e da contratação de uma empresa que atuaria como laranja para simular o transporte e a disposição do material residuário das obras, em desvio de R$ 85 milhões.
O consórcio venceu a licitação com aceno de preço em R$ 643 milhões mas o custo final acabou em R$ 804 milhões.
Outro lado:
A reportagem enviou para a Transpetro, através da assessoria de imprensa, questões sobre os critérios, a expertise e a razão da escolha sem licitação de Valmar Paes. A entidade enviou a resposta abaixo:
Transpetro:
“A Transpetro esclarece que atualmente não tem a prática de contratar pessoas físicas para assessoria e consultoria jurídica. O referido contrato foi firmado sob o entendimento, na época, de que estariam presentes os pressupostos legais da inviabilidade fática de competição como justificativa para as contratações diretas mencionadas. Vale ressaltar que o advogado em questão não presta mais serviços à companhia”.
Valmar Paes:
A reportagem enviou questões sobre o tema diretamente para o advogado por e-mail e também através da asssessoria de Eduardo Paes, que confirmou o recebimento. Não houve resposta do advogado Valmar Paes.