Protagonistas do “Petrolão” e de outros escândalos eram sócios do Exército em empresa
Protagonista da Lava Jato e com lugar de destaque na denominada “Organização Criminosa” que atuou na Petrobras, o Grupo Schahin teve suas movimentações financeiras e relações societárias devassadas pela Força Tarefa do Ministério Público Federal do Paraná e didaticamente esmiuçadas na sentença do então juiz Sérgio Moro. Nas volumosas peças dos processos referentes ao caso, no entanto, não há menção a uma das sociedades encabeçadas por eles: durante exatas duas décadas, os irmãos Salim (foto acima) e Milton Schahin, condenados pelo agora Ministro da Justiça, fizeram parte da South America Ordnance. Sócios do Exército brasileiro.
A South America Ordnance, aberta em 1992 e fechada em 2012, tinha como acionistas a Schahin Cury Participações (parte do Grupo Schahin), a estrangeira Royal Ordnance (que depois viria a ser chamada de Bae Systems do Brasil) e Indústria de Material Bélico do Brasil (IMBEL). A IMBEL é uma empresa pública vinculada ao Ministério da Defesa por intermédio do Comando do Exército (CEX).
No ato de constituição, em 1992, a Royal ficou com 3.333 ações, a IMBEL majoritária com 3.334 e o Grupo Schahin, através da Schahin Cury Participações, com 3.333.
O General Armando Luiz Malan de Paiva Chaves ficou como presidente do conselho administrativo e representante da Imbel. A vice-presidência foi para Salim Schahin, pela empresa do Grupo Schahin. O objeto social, de acordo com os registros, era “Fabricação de armas de fogo, peças e acessórios (revólveres, pistolas, fuzis, metralhadoras, espingardas, carabinas, rifles para caça e esporte, etc). Munições, importação e exportação de produtos”.
Nos mesmos anos em que manteve sociedade com o Exército brasileiro, o Grupo Schahin estava mergulhado em um mar de lama. O modus operandi era o suborno de órgãos do estado para se beneficiar em vantajosos contratos, em diversos casos descritos mais abaixo na reportagem.
Por hora fiquemos no que recebeu maior notoriedade nos dias atuais e acabou levando os irmãos para a cadeia, depois de uma vida operando impunemente. O caso é parte do relato da Ação Penal Nº 501417093.2017.4.04.7000/PR, julgada na 13ª Vara Federal de Curitiba, comandada pelo então juiz Sérgio Moro. Pelos fatos narrados na sentença, os irmãos Salim Schahin (que é o representante do grupo na sociedade com o Exército), Milton Schahin e o filho deste, Fernando Schahin, cometeram os crimes de corrupção ativa, lavagem e gestão fraudulenta de instituição financeira, sendo condenados e presos no âmbito da Operação Lava Jato.
De acordo com os fatos apurados pela Força Tarefa do Ministério Público do Paraná, comandada pelo procurador Deltan Dallagnol, e confirmados na sentença de Sérgio Moro, a fraude se estabeleceu desta forma: o Banco Schahin concedeu em 14 de outubro de 2004 um empréstimo de R$ 12.176.850,80 (doze milhões, cento e setenta e seis mil, oitocentos e cinquenta reais e oitenta centavos) para José Carlos Bumlai, empresário, apontado como amigo direto do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
José Carlos Bumlai seria na verdade apenas um laranja (“pessoa interposta”, de acordo com os autos) para que o Grupo Schahin desse dinheiro ao Partido dos Trabalhadores (PT). O pagamento efetivo desse valor dado pelos empresários ao PT só viria, de acordo com a Força Tarefa, através de concessão da Petrobras para que o Grupo Schahin ficasse responsável pela operação do navio sonda Vitória 10.000, sem licitação e com direcionamento do contrato que tinha o valor total de USD 1.562.200.000,00 (um bilhão, quinhentos e sessenta e dois milhões e duzentos mil dólares). Além do dinheiro dado a Bumlai, os Schahin também concederam vantagens indevidas a dirigentes da Petrobras.
Em decorrência dos delitos apontados na ação já acima citada e também na 506157851.2015.4.04.7000, os irmãos Salim, Milton e o filho Fernando foram condenados e presos. Em 2017 fecharam colaboração premiada.
Os crimes julgados ocorreram pelo menos a partir de 2004, época em que a sociedade dos Schahin com o Exército brasileiro na South Ordnance seguia. Embora por diversas vezes na sentença o juiz Sérgio Moro cite a rede do grupo e a teia sofisticada desenvolvida pelos empresários, tal ligação empresarial com o Exército brasileiro não aparece. Tampouco nas investigações do Ministério Público do Paraná. Citam ainda a cadeia de offshores usadas para pagamento de propinas usadas pelos Schahin. A reportagem questionou a Força Tarefa do MPF-PR e ao agora Ministro Sérgio Moro as razões para que as relações e contratos do Grupo Schahin com o Exército, alguns valendo na mesma época que o “Caso Bumlai”, não tenham sido apurados, já que todos os passos do grupo foram cuidadosamente radiografados. Ver respostas abaixo.
Exército cobriu rombo da sociedade com SchahinA reportagem conseguiu levantar ao menos três empresas offshores dos irmãos Schahin no Panamá, duas abertas depois da sociedade na South Ordnance. A “Turasoria S.A.” foi aberta em fevereiro de 1999, a “Quibdo Corporation” em março do mesmo ano. A “Bakersville INC” foi aberta em 1984. Os dois abriram a “Schahin Support Services” no Texas (EUA) em agosto de 2012, fechada em 2014, já com a Lava Jato em curso.
Através da IMBEL, o Exército deu dinheiro para financiar a sociedade com os irmãos Schahin. O balanço patrimonial da South Ordnance mostra que, devido aos sucessivos anos fechados no vermelho, a empresa teve que se socorrer de empréstimos da IMBEL para seguir funcionando. O balanço descreve “empréstimos realizados pela sócia Indústria de Material Bélico do Brasil – IMBEL para a devida manutenção e existência da empresa”.
O Grupo Schahin esteve envolvido em um escândalo de corrupção ligado as Forças Armadas no íncio dos anos 2000, quando foi a empreiteira escolhida para tocar o “Projeto Sivam”. De acordo com as denúncias de então, pagamentos da empreiteira para utilização das instalações estariam sendo feitos sem contratos e por fora, como mostram jornais do período (abaixo, Jornal do Brasil, 29 de maio de 2000).
O envolvimento com corrupção e suborno a agentes do estado foi uma marca do modus operandi do Grupo Schahin. Ainda em 1992, mesmo ano da sociedade com o Exército na South America Ordnance, os empresários foram denunciados na justiça pelo Ministério Público Federal por fraudes em licitações da Eletropaulo. E nos mesmo 1992, os Schahin foram denunciados pela Polícia Federal por financiamento ilegal da campanha do então prefeito de São Paulo, Paulo Maluf. No esquema desenvolvido, em operação triangular, o grupo, juntamente com a Andrade Gutierrez, fazia pagamentos para a empresa Pau Brasil, do pianista João Carlos Martins, que repassava para Paulo Maluf.
Outro lado:
Exército:
A reportagem enviou questão para o Comando do Exército através da assessoria de comunicação para saber se a instituição tinha conhecimento das diversas operações fraudulentas e escândalos de corrupção dos sócios.
Resposta:
“A Indústria de Material Bélico do Brasil é uma empresa pública vinculada ao Ministério da Defesa por intermédio do Comando do Exército. Das informações obtidas junto à IMBEL, a respeito de sua participação na empresa South America Ordnance (SAO), tem-se que se tratou de uma joint venture constituída no ano de 1992 e extinta em 2012. O Comando do Exército não tinha conhecimento de quaisquer práticas ilícitas envolvendo os sócios da SAO”.
Força Tarefa do Ministério Público do Paraná:
A reportagem enviou questões para a Força Tarefa do Ministério Público do Paraná através da assessoria de imprensa. Seguem as questões e respectivas respostas:
1-
Os fatos investigados pela Força Tarefa do MPF-PR que foram base pra Ação Penal Nº 501417093.2017.4.04.7000/PR, julgada na 13ª Vara Federal de Curitiba, mostraram ampla rede de corrupção utilizada pelos irmãos Milton e Salim Schahin para obter benefícios espúrios através de contratos com o estado. Tendo sido todos os negócios e ramificações do Grupo Schahin investigados, gostaria de enviar por meio desta a seguinte questão: a South America Ordnance, sociedade do Grupo Schahin que tinha entre os acionistas também o Comando do Exército, não entrou no radar das investigações, ainda que detentora de diversos contratos com o estado através da Indústria de Material Bélico do Brasil (IMBEL)?
R-
“As informações públicas sobre as investigações relacionadas ao grupo Schahim estão nos autos”.
2-
A sociedade não foi identificada ou esta Força Tarefa entendeu que não deveria apurar se as práticas ilícitas se extendiam além da Petrobras?
R-
“Investigações sempre se debruçam sobre fatos específicos e quem são seus autores, e não sobre empresas, grupos empresariais ou pessoas. Os fatos que já foram identificados e, consequentemente, são objeto de apuração, de caráter público, constam nos autos que tramitam perante a 13ª Vara e podem ser analisados pela imprensa”.
Ministro Sérgio Moro:
A reportagem enviou para a assessoria de comunicação do Ministério da Justiça a questão abaixo, com a ressalva de saber ser um fato pretérito ao agora ministro ocupar cargo na pasta. No entanto, como a sentença foi do então juiz, só ele poderia responder e não a atual ocupante da 13ª Vara de Curitiba. Mesmo assim a resposta enviada foi a seguinte:
R- “Os processos da Operação Lava Jato estão a cargo da 13ª Vara, de Curitiba. Suas questões devem ser encaminhadas para lá”.
Parabéns pela reportagem Lúcio! Mais uma!
Pago pra ver alguém das forças armadas se pronunciar sobre isso! Será que não vale a investigação sobre quem eram os dirigentes da IMBEL nessa época, quem eram os interlocutores com poder de comando no Ministério da Defesa e no Comando do Exército? Dá calafrios só de pensar no que se pode achar…
Abraços
Quais nomes comandavam essa Imbel? O que fazem hoje em dia?