O capitão é herói maior desse país
Toda vez é assim. Nos primeiros acordes, nos primeiros versos…já conheço aquele nó.
Vai do “Brasil, meu nego…”, passa pelo chamado da luta onde a gente se encontra, chega até esse querer pelo país que não tá no retrato.
E vai explodir nos que foram de aço nos anos de chumbo.
O primeiro pensamento tem sempre dono quando chega aí. Sempre vai ser assim. Sempre vai tá contigo. Seguimos e seguiremos juntos.
Depois vem outros tantos.
Vem o Cid Benjamin, Dona Iramaia, vem em Frei Fernando, no Betto e no Tito, no Zé Duarte, que a história não conta mas eu sei, no velho Gregório arrastado em uma rua do Recife, mais altivo e digno que todos seus algozes, vem em Dom Marcos Barbosa que você não sabe mas também um dia a história há de contar. Vem em Inês Etienne, Zuzu, nos milhares de índios exterminados e que nem entram nas contas oficiais das vítimas… Vem em tanta gente.
E vem em Sérgio Macaco.
Nesse domingo tão sombrio, é ele que sintetiza todos os pensamentos.
Dez mil? Cinquenta mil? Cem mil?
Quantas vidas brasileiras foram salvas por um dos maiores heróis disso tudo?
Pensar no Capitão Sérgio Macaco é refazer a velha frase. Triste não é o país que precisa de heróis. Triste é o país em que o capitão herói é esse que tá aí e não o Capitão Sérgio Macacao.
Triste é o país em que talvez seja preciso explicar quem foi Sérgio Macaco.
Nesses tempos de google, vou me poupar de maiores digressões.
Foi o “Homem que disse não” e isso já basta.
Foi o homem que salvou milhares de trabalhadores que estariam voltando pra casa no fim daquele 12 de junho de 68.
A turma do Burnier, a mais alta patente em verde-oliva, queria explodir o gasômetro, ali colado na rodoviária, coração do caminho de quem tava deixando mais um dia de labuta rumo aos subúrbios e aos destinos da gente trabalhadora.
Era um plano simples. E infalível nesse Brasil onde até hoje basta botar tudo na conta de um mesmo inimigo. Um ato terrorista. De dimensão em vítimas maior do que o de Bin Laden. A ser praticado por agentes do estado.
Ninguém era mais preparado nas Forças Armadas do que aquele, que, ao contrário do outro, era exemplar capitão.
Homem das forças especiais, para-quedista do Para-Sar. Militar até a alma, de verdade. Nem nos melhores sonhos o outro capitão chegaria perto do destemor do Macaco em seus anos de serviço.
A ele estava destinada a missão. Explodia tudo e botava a culpa “nos comunistas”. E encerrava aquela disputa por corações e mentes.
A partir dali tudo valeria, como de fato veio a ser poucos meses depois, dada a senha dos escrúpulos às favas do 13 de dezembro daquele ano.
E o Capitão Sérgio Macaco disse não.
O resto vai no Google. Tua escola não te contou essa história mas ela tá aí.
A outra escola, a minha, verde e rosa, um dia vai contar. Nem que seja só pelo meu pedido.
Na nossa cantoria, pedirei pros poetas maiores Manu da Cuíca e Máximo, pedirei ao Tomás e ao Domênico pra, no meio daquela aliteração, botar lá: “Marias, Mahins, Marielles, Malês…Macacos”. Só uma vez. E brindaremos a esse brasileiro imenso.
E ainda há de ser contada em todas as classes. Para que nunca mais se ignore onde estavam terroristas. E aquele gasômetro que nem mais existe um dia terá Sérgio Macaco dando o nome e estátua.
Impossível pensar em alguém maior nesses tempos infames. Nossa gente há de saber sobre quem eram os terroristas, quem foi quem.
E quem foi o homem que disse não e impediu a maior tragédia da história do Brasil.
É claro que quem conhece essa história não aplaude a barbárie de alguém que louva algo assim. O que fizeram da gente pra que lá fora tenha gente aplaudindo isso? Brasil, meu dengo, volta a ser meu dengo…
Passarão.
Busquei no fundo do armário uma foto minha com o Capitão.
Logo eu que não gosto de fotos. Alma índia, a velha convicção que foto rouba a alma, dá azar…Pedi para muito poucos na vida, tem que ser muito herói…
Revisito o tempo rindo. Inapelável, nem precisa dizer, levou muita coisa que tá ali naquela foto.
Mas revendo a imagem depois de tantos anos, é Luiz Alexandre Velasco, o náufrago de Gabo, que me ocorre nos pensamentos. Aquele que Gabo nos lembra que “a vida o marcou, mas deixou nele a aura serena do herói”.
É assim Sérgio Macaco. O Homem que disse não. Que a vida marcou mas sempre esteve ali, com a aura serena do herói. Como a foto grita. Que salvou o Brasil de sua maior tragédia, dos milhares de Brumadinhos em número de vítimas, só que ali engendrados por facínoras. Terroristas a serviço do estado.
Nesse 31 de março, todos os meus pensamentos estão sintetizados em Sérgio Macaco, herói do povo brasileiro.
Capitão Sérgio Macaco:
– Presente, agora e sempre!
Ótimo texto, como sempre Lúcio! Eu com licenciatura em história, não conheci Sérgio nas aulas do ensino médio, e sim ainda na adolescência em livros, de zuenir Ventura, como “1968, o ano que não terminou”. Dado a mim por um ex padrão de minha mãe, que sobrou com os horrores da ditadura e me presenteou também com o livro “a caixa preta do golpe de 64”. Hj em sala de aula, falo sobre ele em minhas aulas! A história não pode ser apagada ou esquecida, como o atual capital presidente e os seus querem! Admiro demais seu trabalho, acompanho desde a espn, futebol nos tempos do condor, é maravilhoso! Obrigado por seu trabalho, jornalismo que você pratica é de extrema importância para nossa sociedade!
Linda e justa homenagem, Lúcio. Capitão Sérgio Ribeiro Miranda de Carvalho merece todas as honras.
Pobre deste nosso país que não reconhece, até hoje, a grandeza do seu gesto, da sua coragem. Ao contrário, veneram gente com as mãos sujas com o sangue de jovens patriotas, do povo sofrido. Verdadeiras hienas, sem um pingo de humanidade, praticantes da mais sórdida das covardias: a tortura.
E esses vermes consideram o Capitão Sérgio um “vermelho traidor”.
Que carreguem consigo a desonra eterna da covardia.
Esse é o verdadeiro capitão brasileiro. Belo texto Lúcio, digno do personagem.