Reverenciado em evento de Eduardo Bolsonaro como “o maior inimigo de Evo Morales”, boliviano-croata ganhou status de refugiado pós-Temer e aparece 67 vezes no Panamá Papers
Odia 19 de dezembro de 2016 foi totalmente fora do padrão das reuniões do Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE).
Juntos desde às 10h na sala 304 do prédio do Ministério da Justiça, em Brasília, para deliberar sobre a concessão da condição de refugiados para estrangeiros, o concorrido plenário viu o presidente da comissão, Gustavo José Marrone de Castro Sampaio, solicitar a retirada de todos os demais presentes para que apenas os sete membros votantes avaliassem um caso específico, como está na ata abaixo reproduzida.
Gustavo Marrone tinha sido nomeado seis meses antes para a Secretaria Nacional de Justiça e para a presidência do CONARE pelo então ministro do governo Michel Temer, Alexandre de Moraes. O atual integrante do STF foi sócio do pai de Gustavo Marrone durante 14 anos em um escritório de advocacia.
Um longo e caloroso debate, de “caráter sigiloso”, fechado entre as quatro paredes, sucedeu a sustentação oral da defesa do interessado, como está descrito na Ata da 118º Reunião Plenária do Conare, obtida pela reportagem.
Por fim, depois de horas, o CONARE deferiu a solicitação e “reconheceu a condição de refugiado para o solicitante”.
Nos “extensos debates”, de acordo com as informações apuradas pela reportagem com presentes que pediram para não se identificar, as razões que se opunham a concessão no caso em questão foram variadas.
Evasão de divisas, sonegação de impostos, acusações de financiamento de atentados terroristas. Votos vencidos.
O nome do personagem alvo de tanta controvérsia e inusitada reunião de portas fechadas do CONARE:Branko Goran Marinkovic Jovicevic.
Seis anos depois da chegada no Brasil e poucos meses depois do impeachment de Dilma Roussef e início do governo Temer, o personagem em questão passava ao status de refugiado. A condição permite passar a ter toda a documentação para residir legalmente no país, trabalhar e a ter acesso aos serviços públicos como a saúde e educação.
Com dupla cidadania, boliviano e croata, Branko Marinkovic é dono de umas maiores fortunas da Bolívia. Em registros na justiça, existem acusações de que tal fortuna foi construída em cima de roubo de terras dos índios Guarayno, fato contestado pelo acusado.
É o maior defensor da separação de Santa Cruz, a região branca daquele país, em histórica oposição as localidades como de La Paz e El Alto, de população indígena. Fundou e presidiu o Comitê Cívico Pro-Santa Cruz, que financia organizações como a União da Juventude Crucenista, organização paramilitar e fonte de oposição a Evo Morales desde da chegada ao poder em 2006.
O pai de Branko Marincovik chegou a Bolívia em 1945, fugindo da segunda guerra mundial. Diversas reportagens e documentários sobre Branko Marincovic apontam o pai como membro da Ustasa, o “Movimento Revolucionário Croata”, organização paramilitar fascista e nacionalista dos Balcãs. Fato também negado pelo filho com veemência em diversas entrevistas.
Embaixador dos EUA foi expulso da Bolívia apontado como fomentador da comunidade croata contra EvoA Bolívia tem representativa colônia croata e esteve na rota de ponto de encontro e conspirações de membros de organizações fascistas da Croácia e Itália. Na União da Juventude Crucenista, Branko Marincovic teve como aliado o reforço do membro honorário Marco Marino Diodato, italiano também morador da Bolívia e que, de acordo com denúncias do Ministério Público, organizou uma série de atentados e assassinatos para derrubar Evo Morales. Denúncias do MP local dão conta de que Diodato teria recrutado para os serviços mercenários assassinos profissionais no Brasil.
Muito antes da chegada de Evo Morales ao poder, em 2006, Marco Diodato já havia sido condenado e preso por tráfico de cocaína, como no processo 200107-1-340 da justiça boliviana.
Branko Marincovic é acusado também de ser o homem por trás do planejamento de um atentado no Hotel Las Américas, em Santa Cruz. Após o episódio, Evo Morales editou decreto permitindo expropriar propriedades de acusados de participação em tais atos. Em seguida o boliviano-croata deixou o país.
Os Estados Unidos não ficam de fora das acusações de articulação de organizações de ultra-direita em oposição a Evo Morales, as mesmas que lideraram o processo de derrubada do ex-presidente. Em 2006, logo após a eleição de Evo Morales, os EUA designaram como embaixador na Bolivia Philip Goldberg, vindo de posto no Kosovo e estimado pelos croatas por sua participação nas questões dos Balcãs e apontado como fundamental para o movimento independentista do Kosovo. Acusado por Evo Morales de fomentar a comunidade croata e os separatistas, foi expulso da Bolívia em 2008.
Branko foi apresentado em evento de Eduardo Bolsonaro como “O maior inimigo de Evo Morales”É um cenário com oposição formada por movimentos internacionais de ultradireita e cujo líder maior é Branko Marincovic.
Em dezembro do ano passado, depois da eleição de Bolsonaro, lideranças de extrema direita do continente se reuniram em Foz do Iguaçu para a Cúpula Conservadora das Américas. Branko Marincovic foi uma das estrelas, recebido com tapete vermelho pelo organizador e anfitrião, Eduardo Bolsonaro. A apresentação não fez por menos: “O maior inimigo de Evo Morales”.
Na ocasião, reiterou a necessidade de união dos aliados pelo continente para combater, de acordo com ele, governos integrantes do Foro de São Paulo.
Diante de tal cenário, a oposição no Brasil quer saber se existiu participação do governo Bolsonaro no processo de derrubada de Evo Morales. Sob a liderança do deputado federal Marcelo Freixo (PSOL-RJ), parlamentares apresentaram requerimento para que o chanceler Ernesto Araújo esclareça se manteve algum tipo de contato com a oposição boliviana.
Panama Papers encontrou 67 registros de participação de familiares do opositor de Evo Morales distribuídos em 13 empresasBranko Marincovic sempre negou também as acusações de evasão e lavagem de dinheiro. Por ocasião dos Panama Papers, o Consorcio Internacional de Periodistas de Investigación (ICIJ) encontrou 67 registros de participação de familiares do opositor de Evo Morales, distribuídos em 13 empresas.
Enquanto isso, nomes dos parentes como Tatiana Marincovic de Pedrotti, Vesna Marincovic de Hockman, Milan Marincovic Dauelsberg, Radmila de Marinkovic, Yasminka Catarina Marincovic de Jakubek, Sergio Pedrotti, Aleksandra Jakubek Marincovic, Mariana Jakubek Marincovic, Robert Jakubek Marincovic e Natasha Pedrotti chegam a aparecer até sete vezes no escândalo e o do próprio Branko Marincovic aparece apenas em uma empresa.
A Agência Sportlight de Jornalismo Investigativo encontrou os documentos relativos a empresa panamenha em que consta o nome de Branko Marincovic na Junta Comercial do Panamá. É a Granol S.A, com registro em 1º de novembro de 2001. Ter uma empresa em um Paraíso Fiscal não é um crime por si só, a questão é que muitas vezes ela mascara operações e crimes como lavagem de dinheiro, evasão fiscal e fraude. Em seu discurso contra Evo Morales, Branko Marincovic faz severo discurso anticorrupção.
No Brasil, Branko Marin tem duas empresas, ambas abertas em 2011, ligadas ao agronegócio e com sede em Mato Grosso do Sul: a Agropecuária Dalmacia e a Dalmacia Alimentos. O sócio de Branko Marincovic por aqui também é ligado a política boliviana. Paulo Jorge Bravo Alencar foi deputado e senador pelo “Movimiento Nacionalista Revolucionario”.
Há um outro registro do boliviano-croata na justiça brasileira ligado as questões no país de origem.
O maior opositor de Evo Morales entrou com o processo 0802370-55.2018.8.12.0008 em Mato Grosso do Sul contra a empresa Google para que o curta “Racismo Croata: La vida de Branko Marinkovic”fosse removido da internet alegando “direitos de personalidade”.
Outro lado:
A reportagem tentou contato com a defesa de Branko Marincovic, sem resposta. Caso qualquer comentário ou resposta sejam enviados, serão aqui publicados.