Conexão entre tráfico de drogas internacional e garimpo ilegal expõe política de mineração de Bolsonaro
Uma conexão entre o garimpo ilegal e o tráfico de drogas.
É o que representa um dos presos na “Operação Enterprise”, realizada no último 23 de novembro.
Na ocasião, a Polícia Federal realizou o “dia D” de uma das maiores operações de combate ao tráfico de drogas internacional já feitas no Brasil. Além de 10 estados aqui, desdobramentos em Espanha, Portugal, Colômbia e Emirados Árabes Unidos. A ação mapeou um sistema amplo de lavagem de dinheiro: empresas fictícias, utilização de ampla rede de “laranjas”, um sofisticado esquema de transporte aéreo com aeronaves e pilotos próprios, veículos de luxo, imóveis, infiltração nos portos e uma grande rede no exterior. No entanto, é possível que uma relevante ponta não tenha aparecido até aqui nas investigações que envolveram a PF, Receita Federal e Interpol: na imensa e complexa teia já desvendada, falta explicar o lugar do garimpo e da mineração na organização criminosa.
É que entre os 40 presos no último mês, está Silvio Berri Júnior. Um nome que vem de longe na história do crime.
A Agência Sportlight de Jornalismo encontrou 10 “permissões de lavra garimpeira” (PLGs) em nome dele, apontado como um dos líderes da quadrilha, o segundo na hierarquia. As 10 licenças foram assinadas no dia 3 de outubro de 2019 pelo superintendente de produção mineral da Agência Nacional de Mineração (ANM), do Ministério de Minhas e Energia (MME).
“Pemissões de Lavra Garimpeira” significam a autorização por parte da ANM para exploração mineral. No entanto, o trabalho final da “Operação Dilema de Midas”, do Ministério Público Federal (MPF) de Santarém e da PF, mostrou que as “PLGs” servem para atestar a legalidade do negócio do garimpo mas também podem ser a fachada usada para esquentar o ouro extraído ilegalmente em terras indígenas e unidades de conservação, formando um “amplo e sistemático esquema criminoso”.
A peça do MPF-Santarém detalha ainda que as “PLGs” são o instrumento que irão permitir a inserção do ouro de origem clandestina e extraído ilegalmente no mercado legal. Um artifício permite as quadrilhas um golpe que compõe o esquema para esquentar o ouro: a obtenção de uma permissão que não corresponde a área onde a extração é realizada. Na documentação pública encontrada pela reportagem sobre a “Operação Enterprise”, não se encontrou menção a participação de Silvio Berri no garimpo, que já se dava antes da resolução das pendências do processo de obtenção das “PLGs” por parte do traficante. Tampouco sobre a eventual papel da mineração na estrutura do tráfico de drogas e da lavagem de dinheiro dessa quadrilha.
Política de “liberou geral” de Bolsonaro para os garimpos favorece o crime organizado na Amazônia
A liberação ampla e irrestrita do garimpo, seja em terras indígenas ou em áreas de proteção, é reconhecidamente uma das principais obsessões de Jair Bolsonaro, indiferente aos crimes cometidos e aos criminosos que se aproveitam de tal política. E já não existem muitas dúvidas para autoridades de órgãos públicos de investigação nessa área e aos estudiosos do tema de que o crime organizado e o tráfico de drogas estão cada dia mais próximos ao garimpo. Utilizando as amplas oportunidades do setor. E agradecem pela política frouxa do presidente para a área.
Essa aproximação entre tráfico de drogas e o garimpo está cada vez mais presente no radar dos que operam na área e dos pesquisadores.
O delegado-superintendente da Polícia Federal no Amazonas, Alexandre Silva Saraiva, tratou sobre a questão na reportagem “Na rota do ouro, regra frouxa abre porta para o crime”, publicada pelo jornal Valor Econômico (Marcos de Moura e Souza) em 6 de setembro passado.
“Isso está no nosso horizonte e é muitíssimo provável. O garimpo ilegal de ouro e o narcotráfico são duas atividades ilícitas muito próximas, tanto geograficamente quanto em termos de elementos que participam de uma e de outra atividade. Organizações criminosas vão onde tem dinheiro fácil e a gente observa que existe um círculo na região: ouro, droga e madeira; ouro, droga e madeira. O capital ilegal flutua aqui nessas três pontas. É como um investidor lícito que diversifica seus investimentos. Só que nesse caso é no mercado ilegal”, afirmou o superintendente.
Preso na operação de novembro é prova da presença do tráfico internacional no garimpo
Se faltava alguma prova definitiva para se ter certeza de que o crime organizado e o tráfico internacional estão nos garimpos, a partir da materialização de Silvio Berri Júnior unindo as pontas, se encerra o campo de hipóteses tratado pelas autoridades.
No recente “Fórum Brasileiro de Segurança Pública”, o professor do departamento de geografia da UEPA, Aiala Couto, autor, entre outros, de “Um problema de fronteiras: a Amazônia no contexto das redes ilegais do narcotráfico”, destacou as características da estrutura de transporte do garimpo e o quanto ela se casa com o tráfico internacional de drogas. Um figurino pronto para um piloto de uma organização criminosa como Silvio Berri. “As redes aeroviárias contam principalmente com aeroportos privados, construídos legal e ilegalmente em fazendas. Mesmo assim, os traficantes usam também os aeroportos de Belém e Manaus principalmente para exportar o produto ilegal. E, se o estado do Amazonas é a porta de entrada de drogas e contrabando, o estado do Pará é distribuidor. No Pará as drogas e contrabando, principalmente de minério, são distribuídos dentro e fora do país”, afirmou.
Licenças ganhas pelo traficante estão em Jacareacanga (PA), onde fica a reserva dos Mundukuru
As 10 “PLGs” de Silvio Berri são para extração de ouro e cassiterita em Jacareacanga, sudoeste do Pará. Coração do triângulo que se completa com Itaituba e Novo Progresso e onde está uma parte do território dos Munduruku (na foto de abertura/Greenpeace), e da antiga Reserva Garimpeira do Tapajós e de outras unidades de conservação federal.
É um pedacinho de Amazônia onde a política de destruição encabeçada pelo presidente Bolsonaro e com boiada sendo tocada pelo ministro do meio ambiente, Ricardo Salles, já levou 200 km2 de floresta desde a posse do atual governo, de acordo com os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
As autorizações obtidas por Silvio Berri estão dentro de um contexto das novas diretrizes da política de mineração no governo Bolsonaro e não são fato isolado. Protocoladas na ANM em 11 de dezembro de 2018, menos de dois meses depois da vitória de Jair Bolsonaro, estavam assinadas às 14h56 do dia 3 de outubro de 2019.
O mês anterior a chancela da ANM aos pedidos de Silvio Berri, setembro de 2019, foi o marco do início de um rito quase sumário para novas autorizações. Ao interromperem a BR-163, garimpeiros obtiveram do Planalto o sonhado passaporte para a devastação dessas reservas, boa parte delas no estado do Pará, e receberam de presente a aceleração da concessão de permissões de lavra garimpeira como política de governo, como está descrito em reportagem da Revista Piauí (Marta Salomon), do último mês de outubro.
A Agência Sportlight de Jornalismo encontrou também registros de um anúncio de Silvio Berri no “Jornal de Santarém e Baixo Amazonas”, com data de “6 a 12 de abril de 2019”, tornando público que havia solicitado “Licença de Operação” para a Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Turismo de Jacareacanga em 14 de dezembro de 2018. Três dias depois do pedido de licença na ANM e antes mesmo de resolver a pendência da licença ambiental.
A aceleração tem método, faz parte do projeto de Bolsonaro e vem mudando “todo o regramento”, como explicou didaticamente Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente na famosa reunião de 22 de abril onde explicou como se “passaria a boiada” na legalidade. No último mês de setembro, o MME lançou o “Programa Mineração e Desenvolvimento” e o “Plano de Metas e Ações 2020 a 2023”, todos avançando ainda mais na direção das chamadas “áreas protegidas”.
Consequências do “vale-tudo” de Bolsonaro na mineração: 2020 já apresenta o maior volume de solicitações de “PLGs”dos últimos 24 anos
De acordo com reportagem do site “Infoamazonia” (por Hyury Potter, Eduardo Goulart de Andrade, Naira Hofmeister e Pedro Papini), somente nos primeiros dez meses, em meio a pandemia, 2020 já apresenta o maior volume de solicitações de “PLGs”dos últimos 24 anos, com 145 registros. Para muitos desses, o slogan do programa lançado por Jair Bolsonaro em outubro nunca foi tão exato: “Brasil, uma mina de oportunidades”.
Bolsonaro também reafirmou seu compromisso com todo tipo de ilegalidade cometida por criminosos que se aventurem na região ao comentar a possibilidade de criação de uma “Proposta de Emenda à Constituição” (PEC) para expropriação de propriedades rurais e urbanas que tenham cometido crimes ambientais. A proposta foi debatida no âmbito do Conselho da Amazônia e o presidente encerrou tal possibilidade assim: “se alguém levantar isso aí eu simplesmente demito do governo”.
Um mês depois da ordem de aceleração de Bolsonaro, Silvio Berri já era detentor das “PLGs”.
Perfil no Facebook em nome de Silvio Berri tem arte com os dizeres “Piloto de Garimpo”
Silvio Berri é piloto de avião. Em um perfil do Facebook em nome dele, aparece uma arte com os dizeres “Piloto de Garimpo”.
Mas sua atuação na quadrilha presa nos últimos dias ia além do núcleo de pilotos que operava para o esquema internacional. As investigações apontam como sendo um dos líderes, além do pomposo título que está na investigação da PF de “coordenador das atividades de transporte aéreo de carregamento de cocaína”.
As duas ocupações, tanto de piloto como a de líder do esquema criminoso vão ao encontro de seu histórico no crime ao longo de décadas. Foram essas as funções desempenhadas em uma das mais importantes quadrilhas de todos os tempos da cena criminosa brasileira, ao lado de criminosos lendários.
Silvio Berri é um dos maiores personagens da crônica policial brasileira, com assento ao lado de míticos nomes que passaram pelas páginas ao longo dos tempos.
Beneficiário de licenças foi braço-direito de Fernandinho Beira-Mar
Fugas espetaculares, tráfico internacional, lugar de destaque na cúpula do crime organizado ao lado de Fernandinho Beira-Mar e Ernaldo Pinto Medeiros, o Uê.
Aos 63 anos, carrega um prontuário grudado aos compêndios do crime organizado. O que não foi empecilho para obter suas concessões. A reportagem tentou contato com a ANM para saber se não existe nenhuma checagem e pesquisa sobre a vida pregressa de um solicitante de PLG mas não obteve resposta.
Em 1999, Silvio Berri ganhou as páginas do noticiário pela fuga do presídio de Campo Grande (MS). Um ano depois, estava em missão ao lado de Ernaldo Pinto Medeiros, o “Uê”, líder do Comando Vermelho. Em 21 de novembro daquele ano de 2000, Berri e Uê se encontravam em Vacaria, interior do Rio Grande do Sul (RS), para entregar um carregamento de 221 quilos de cocaína. O piloto tinha, entre outras funções, de acordo com processo que correu no Tribunal Regional Federal da Quarta Região (TRF-4), uma modalidade conhecida como “arremesso”, quando a droga é jogada da aeronave para algum ponto marcado. A ação de novembro de 2000 foi abortada porque Berri e Uê perceberam que o ponto era monitorado pela Polícia Federal e fugiram.
Com prisão decretada, Berri fugiu para o Paraguai. Embora toda a ação tenha sido documentada, fotografada e contasse com escutas de um grampo telefônico, de acordo com as próprias palavras do juiz relator, as provas não foram suficientes para a confirmação da denúncia do Ministério Público Federal e a condenação de réus envolvidos no caso anos depois.
Anos antes de condenar por “ato de ofício indeterminado”, Moro absolveu envolvido no caso apesar de “quadro delitivo narrado minuciosamente”
“O quadro delitivo narrado minuciosamente pelos testemunhos dos policiais federais e relatórios, pela própria dificuldade inerente ao caso, não foi traduzido em provas nos autos. Ante o exposto, nego dar provimento à apelação do Ministério Público Federal”.
Por ironia da história, a absolvição veio justamente pela pena de um magistrado que viria a ficar nacionalmente conhecido exatamente pelo oposto: uma condenação por “ato de ofício indeterminado”. Um caso onde sobrava convicção. O nome do juiz: Sérgio Fernando Moro.
Tempos depois, Uê foi assassinado a mando de Fernandinho Beira-Mar, todo-poderoso de uma facção criminosa. Mas Silvio Berri já tinha bandeado de lado, não estava mais com Uê, e trabalhava com Beira-Mar, de acordo com processos na justiça e investigações da época. Berri então passou a ser conhecido como o piloto e braço-direito de Beira-Mar. E dizia-se no mundo do crime e da polícia que, de tão próximos, acreditava-se que eram primos. Uma fama que chegou a valer uma das perguntas para Beira-Mar na famosa audiência pública do traficante na Câmara dos Deputados, em 15 de maio de 2001, quando a deputada Laura Carneiro perguntou a Beira-Mar se era mesmo primo de Silvio Berri.
Em 27 de setembro de 2002, dois anos depois da fuga para o país vizinho, Silvio Berri foi preso em uma blitz da polícia paraguaia montada nos arredores de Assunção. Depois de duas temporadas em presídios locais, foi extraditado em 10 de novembro de 2004 e entregue por agentes da Secretaria Nacional Antidrogas (Senad) no aeroporto Silvio Pettirossi a um grupo de agentes da Polícia Federal brasileira, como parte de um convênio de combate ao narcotráfico entre os dois países. Voltou a ser solto, preso e em 2017 ganhou liberdade condicional. Até sem preso novamente nos últimos dias.
A atual investigação da PF diz que 10 empresas foram abertas em São José do Rio Preto (SP) pelo grupo. Todas de fachada, com o objetivo de lavagem de dinheiro. A reportagem encontrou registro da Easy Games, sociedade de Silvio Berri com o filho, Diego, também preso na operação, aberta na cidade em janeiro desse ano e que apresenta como atividade econômica o “comércio atacadista de suprimentos para informática”.
Silvio Berri também constava em uma empresa registrada em 2009 e encerrada em 2018, que tinha sócia cujo nome está em um escândalo de pirâmide financeira usando bitcoins.
Outro lado:
Silvio Berri Júnior:
A reportagem tentou contato com dois advogados que constam na defesa de Silvio Berri nos diversos processos encontrados em nome dele na justiça. Os dois alegaram não defender mais o piloto. No dia da recente prisão, reportagens sobre o tema registraram que a defesa estaria a cargo de Claudio Cury. Nossa reportagem não conseguiu contato, mas, na ocasião, Cury afirmou aos veículos de comunicação: “não tive acesso a toda investigação, mas posso garantir que não há no processo prova de ligação dos meus clientes (Silvio e Diego Berri) com outros pilotos. Eles se conhecem, como todos nesse setor se conhecem. Meu cliente já cumpriu pena mas depois nunca mais se envolveu com isso”. Caso tenhamos alguma atualização da defesa de Silvio Berri, publicaremos aqui.
Agência Nacional de Mineração:
Foram enviadas questões para a ANM sobre existir algum tipo de análise do histórico dos solicitantes de licença mas não obtivemos resposta.
Excelente matéria.
Jornalista de verdade
Excelente matéria, Lúcio gigante!
Governo hipócrita!
Lúcio, parabéns. Seu trabalho e atuação ação são fundamentais nesse momento onde as pessoas estão descoladas da realidade. Um abraço!
De q adianta servidores exemplares no cumprimento de seu mumus publico qdo a lei promulgada por cinicos deputados (os verdadeiros chefes do crime) facilita a desojestidade e ma-fe. De acordo c a materia fica patente q o licenciamento ambiental sumário no qual td o procedimento é simplificado e online (muitas vezes eivado de fraude documental) é insuficiente p garantir a lisura no procedimento, bem como a falta de fiscalizacao no cumprimento da operacao de lavra. Estudos ambientais em desacordo com a realidade do lugar. Vexame!
Parabéns Lúcio por mais esta matéria.
Traficantes, milicianos comunados com o poder.