Nepotismo e ligações perigosas: braço direito do general Pazuello fez do seu gabinete parlamentar a casa da sogra
A casa da sogra.
E da esposa também.
Uma festa.
A verdadeira farra do nepotismo.
E um manual de práticas não recomendáveis.
Tinha a sogra e a esposa. E muito mais:
Família dele, da cônjuge, pessoas próximas e com algum vínculo comercial, e alguns outros que viriam a ficar conhecidos por envolvimento em grandes escândalos. E ainda parentes próximos de políticos de fama pode-se dizer…controversa.
Assim era formado o gabinete parlamentar de Aírton Antônio Soligo, o Aírton Cascavel, o homem de confiança, braço direito e todo poderoso do general Pazuello no ministério da saúde, onde é assessor especial e dá as cartas, com voz nas principais decisões, além de articulador da campanha de vacinação contra a Covid-19.
Cascavel foi deputado federal entre os anos de 1999 e 2002, então pelo PPS. A mulher, Claudia Aparecida Pinheiro Soligo, foi nomeada de primeira hora do mandato. Em 1º de fevereiro de 1999 já estava no gabinete do marido como secretária parlamentar. E assim foi até o último dia de mandato, em 30 de dezembro de 2002. Quase quatro anos na conta do contribuinte, como mostram documentos obtidos pela reportagem através de Lei de Acesso à Informação.
No dia 3 de fevereiro de 1999, dois dias depois da nomeação de Claudia Aparecida, veio a mãe dela, Maria de Lourdes Araujo de Almeida, falecida em 2010. Mas Cascavel não chegou a ter que encarar, ao menos no local de trabalho, os eventuais problemas que muitas vezes existem, ao menos de acordo com o senso comum reinante ou mesmo no folclore, na convivência com sogras. Nos registros obtidos pela reportagem na câmara dos deputados, dona Maria de Lourdes não desempenhou sua função in loco. Com a sogra o contribuinte só arcou até março de 2000.
A prática do nepotismo não é considerada crime no Brasil, ainda que refutada em qualquer sociedade atenta minimamente a alguns preceitos de moralidade. Embora já tida como imoral, até 2008 o servidor público poderia nomear cônjuges e parentes até segundo grau. Em 2008, o Supremo Tribunal Federal (STF), aprovou súmula vinculante proibindo tais casos mas ainda persiste a possibilidade de terceiro grau adiante, mas com algumas exceções para políticos onde alguns parlamentares driblam a decisão através de diferentes subterfúgios.
Na época do mandato de Aírton Cascavel, sequer isso vigorava. Em 15 de março de 2000, em pleno mandato de Cascavel, a câmara inclusive rejeitou em votação a proibição do nepotismo. Foram 286 votos a favor da proibição do nepotismo, 153 a contra e 25 abstenções. Eram necessários 308 votos para cessar a prática.
Claudia Soligo já aparecia em cargo público ligado a mandato do marido bem antes de figurar como secretária parlamentar no gabinete do próprio em Brasília. Em 2 de agosto de 1996, ela aparece no diário oficial do estado de Roraima nomeada num “cargo de direção superior” – CDS-I, como “diretora do departamento de articulação municipal do gabinete civil”. O marido Aírton Aírton Cascavel era vice-governador de Neudo Campos.
Além de mulher e sogra, mais dois “Soligos” constavam do gabinete no mandato do então deputado federal Aírton Cascavel: Ademar Soligo e Rosiclei Maria Soligo, ambos como assessores.
Tinha parentes de Claudia Soligo também, como a tia Maria do Socorro Pinheiro de Carvalho e a prima, Renata Pinheiro.
E parentes de outros políticos, o que é outra prática comum até hoje no congresso nacional e significa o que se chama de “nepotismo cruzado”, ou seja, um parlamentar contrata parao seu gabinete o parente de outro para “driblar” o nepotismo.
Ana Luiza Jucá Serão, irmã do correligionário roraimense Romero Jucá, estava lá. Com cargo, com tudo.
Não foi só com a irmã de Romero como assessora parlamentar que a família Jucá aparece próxima a Aírton Cascavel. A segunda reportagem da série “A teia do general” mostrou que o filho, Rodrigo Jucá, é um dos proprietários da “Fazenda Brasilândia”, região do Bom Intento, zona Rural da capital Boa Vista, onde o homem-sombra do general Pazuello tem terras em que ele e Rodrigo Jucá foram denunciados pelo MPF-RR por grilagem e uma cadeia de irregularidades (ver links para a série completa ao fim da reportagem).
Tinha também assessor que depois viria a ficar famoso por aparecer em escândalos. Estava lá Márcio Henrique Junqueira Pereira, então já ligado a vida partidária e que depois seria deputado federal e indiciado por investigação criminal que envolvia organização criminosa. No ano em que ocupava o cargo com Cascavel, acumulava a nomeação como assessor e a função de diretor executivo do Sistema Imperial de Comunicações.
Teve mais envolvidos em corrupção que estavam como assessores de Aírton Cascavel. Mathias Ariel da Costa Martins veio a ser, posteriormente a passar pela assessoria parlamentar de Cascavel, secretário de obras de Roraima. Foi condenado por ato de improbidade administrativa por desvio de verba de um convênio entre a prefeitura de Rorainópolis e a Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa). De acordo com o MPF-RR, a prefeitura de Rorainópolis não concluiu a obra e ainda desviou parte dos recursos públicos federais, pagando por um serviço de engenharia que não foi prestado.
Em 2000, ainda no mandato federal, Aírton Cascavel se candidata a prefeito de Boa Vista mas não tem sucesso. Em 2002 volta para o mandato estadual, então com praticamente apenas 10% da votação que tivera pra deputado federal.
Depois dessa eleição de 2002, só volta a se candidatar para algum mandato no ano de 2014, quando fica apenas na suplência como estadual de Roraima. Nesse vácuo de disputas eleitorais, sempre esteve transitando fácil nas esferas de poder. Ocupou, como agora, espaços da administração pública nas mais diferentes funções. Em 2007, foi secretário de desenvolvimento agrário de Boa Vista. Depois, em 2018, durante a intervenção do governo federal em Roraima, os dois amigos se encontram no mesmo secretariado: Cascavel é nomeado para a “Fundação Estadual do Meio Ambiente e Recursos Hídricos” (FEMARH) e o general Pazuello recebe a pasta da secretaria estadual da fazenda.
A volta para a disputa por votos em 2014 e 2018, depois de anos muitas vezes ocupando cargos públicos, trouxe um Cascavel diferente na apresentação das declarações de renda aos tribunais eleitorais.
Se em 1998, 2000 e 2002 essas declarações eram preenchidas por um traço e espaço vazio, a disputa de 2018 mostra também que entre aquele ano e 2014, fez fortuna. E boa quantia em espécie. Em 2014 declara R$ 35.075,76, em dinheiro vivo e em 2018 vem com a informação de espantosos R$ 1.108.000,00 em espécie (atuais R$ 1.559.830,77 corrigidos pelo IGP-M). Por extenso: um milhão, cento e oito mil reais debaixo do colchão. A candidatura de 2014 já vinha lotada de bens: terras, imóveis, veículos e a declaração de participação em quatro empresas.
Outro lado:
A reportagem enviou pedido de resposta para Aírton Cascavel para comentar sobre o nepotismo e as contratações de seu gabinete parlamentar entre os anos de 1998 e 2002 através da assessoria de imprensa do ministério da saúde mas não houve resposta. E não obteve contato com demais citados. Caso os mesmos enviem qualquer pedido de resposta, será acrescentado aqui.
REPORTAGENS DA SÉRIE “A TEIA DO GENERAL”:
Não sou jurista, mas acho q o texto erra ao afirmar q nepotismo ñ é crime, dando a entender q sua prática é legal, embora imoral.
No Brasil, o chamado “nepotismo” não é crime porque não foi definido como crime no Código Penal ou em outra lei. Entretanto, o Supremo Tribunal Federal julgou que “a nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau” viola a Constituição Federal.
http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/menuSumario.asp?sumula=1227