Tudo por dinheiro: time de Beckham une herdeiro de financiador de terrorismo e parceiros de ditadores
Jorge Mas Canosa fez do ódio um poderoso e milionário ganha-pão.
Muito mais do que isso: canalizou tal sentimento para se tornar um arrecadador e financiador do terrorismo. E se transformar em um milionário.
Cinco décadas depois, seu filho, Jorge Mas Canosa Jr, usa parte da herança construída à custa de muito sangue alheio e ações criminosas na propriedade de um time de futebol.
Em sociedade com a mais midiática celebridade da bola, aquele que transformou a carreira de jogador em astro do pop: David Beckham.
Se a velha máxima encerra que “o capital não tem pátria”, no caso de Beckham tudo indica que não exista também muito pudor. Sem se importar com a origem da fortuna do seu parceiro de empreitada, o inglês se juntou a Canosa Jr para fundar o Miami Beckham United, agora na Major League, o equivalente a primeira divisão dos Estados Unidos e transformado em Inter Miami CF.
Os passos de Beckham no futebol dos Estados Unidos começam em 2007, ao ingressar para jogar no Los Angeles Galaxy. No pacote, assinou com a Major League Soccer (a liga que congrega as franquias), a opção em ter um desconto na taxa para se tornar um franqueado. A liga considerou que a imagem popstar do inglês valia o desconto: por 25 milhões de dólares, muito menos do que o preço habitual, Beckham pegou a senha entre os que podem estar no seleto clube e o direito a entrar mais de uma década depois. Teve visão: hoje um lugar na Major League não sai por menos de 150 milhões de dólares.
Começou a se articular para entrar em 2013, montando uma estrutura societária para fazer o então Miami Beckham United, como mostram os documentos registrados no equivalente a Junta Comercial de Miami.
Os demais sócios que constam como acionistas no site do clube ao lado de Beckham e Jorge Canosa Jr também não ficam muito atrás em controvérsias no entorno de seus nomes: Marcelo Claure, Jose Canosa, (filho de Jorge Mas Canosa) e Masayoshi Son, que serão devidamente apresentados ao longo dessa reportagem, cada qual com seu prontuário. (na foto que abre a reportagem estão Beckham, Jorge Canosa Jr e Marcelo Claure).
Jorge Mas Canosa Jr é herdeiro do imigrante cubano que viria a ser cidadão americano posteriormente. Jorge Mas Canosa, o pai, chegou aos Estados Unidos logo após o triunfo da revolução cubana de Fidel Castro, em 1959. Desde então trabalhou incessantemente para sabotar o governo cubano com atos de terrorismo.
Participou ativamente da fracassada invasão da Baía dos Porcos em 1961 e depois seguiu organizando ações criminosas contra a ilha. Ao mesmo tempo em que organizava tais ações, arrecadava milhões de dólares para executá-las. Documentos da CIA, do acervo da Universidade George Washington, como os exibidos aqui na reportagem, comprovam amplamente a participação de Canosa em atos terroristas contra Cuba.
Presidiu durante décadas a Fundação Nacional de Cuba Americana (FNCA), que ficou sendo a fachada legal e poderosa para os milhões arrecadados que alimentavam a sabotagem contra Cuba. E que o fizeram bilionário.
A folha corrida daquele que juntou a fortuna do sócio de Beckham é grande em atentados e terrorismo. Depoimentos do próprio irmão de Canosa, Ricardo, relatam seu profundo envolvimento com a “Representação Cubana no Exílio” (CIA RECE) e o braço militar dela, o “Comandos das Organizações Revolucionárias Unidas” (CORU), onde os vinte mais radicais homens dos grupos anticastristas se reuniam. Entre eles, e com ligação posterior comprovada a Canosa como está expresso nos documentos da CIA, estava Luis Posada Carriles, cujo codinome nos informes era “AMCLEVE-15”.
Carriles foi o autor de um dos mais famosos e brutais atentados da história da aviação, quando, em 1976, articulou a explosão de um avião comercial da estatal Cubana de Aviacion, matando 73 passageiros civis. Preso na Venezuela em prisão de segurança máxima, fugiu enquanto aguardava novo julgamento. O próprio Carriles viria a confessar que o financiamento da fuga foi feito por Mas Canosa.
Em 1997, o grupo organizou uma série de atentados contra hoteis em Havana, deixando vítimas. Em 2000, Carriles chegou a ser condenado por organizar com seu grupo um atentado contra Fidel Castro no Panamá.
Mas Canosa notabilizou-se ainda pela perseguição e ameaças a jornalistas que faziam reportagens que considerasse negativa a ele. Nos anos 80, jornalistas do Miami Herald foram seguidamente ameaçados de morte após uma série de denúncias contra ele.
Em 1988, um militar confessou ter recebido dinheiro de Mas Canosa para contribuir no financiamento da Operação Irã-Contras, que financiava a sabotagem da revolução sandinista, na Nicarágua.
Canosa morreu em 1997, deixando o filho e atual sócio de Beckham à frente de sua bilionária fortuna e da presidência da FNCA.
Canosa, a família e correligionários foram definidos por Joe Carollo, então prefeito de Miami e antagonista político, como integrantes de “uma pequena camarilha de milionários que fizeram um negócio muito lucrativo no combate ao comunismo”.
É da herança desse negócio que lucrou com o “combate ao comunismo” e se utilizou, atestado e documentado pela própria CIA, de métodos fora da lei, que David Beckham se tornou sócio.
PARCEIROS DO INVESTIDOR DO MANCHESTER CITY TAMBÉM ESTÃO NA SOCIEDADE COM BECKHAM E CANOSA
Marcelo Claure é outro acionista do time de Beckham. Boliviano de nascimento e também com cidadania americana, seus braços e tentáculos também estão estendidos na mão de políticos com métodos pouco afeitos a lei.
Ficou milionário no ramo da telefonia. Em 2013, se associou ao magnata japonês Masayoshi Son, fundador do Softbank, onde estão juntos. E agora com Beckham e Canosa no time de Miami.
É no Softbank que Claure e Masayoshi Son cruzam seus negócios com outro envolvido no futebol e também para lá de controverso. Khaldoon Al Mubarak é CEO do Mubadala, um dos maiores investidores do Softbank. E também presidente do Manchester City. Apenas para se dimensionar o tamanho da potência que representam (e riscos eventuais): o Softbank tentou comprar a FIFA com uma oferta de US $ 20 bilhões em 2018. E Khaldoon Al Mubarak tem fortuna estimada em 25 bilhões de dólares, encabeçando, ao lado de Silvio Berlusconi, a relação dos homens mais ricos a habitarem o continente europeu.
Que tem expandido seus braços no futebol em clubes ao redor do mundo. Recentemente, Al Mubarak se associou a Claure para a mais nova participação do City ao redor do mundo: o Bolivar, clube de Claure na Bolívia.
Assim como não tiveram problema na associação com Mas Canosa, Claure e Son também não viram qualquer impedimento na junção com Al Mubarak, do clã que tem o poder em Abu Dhabi e alvo de seguidas denúncias de violação dos direitos humanos.
O Manchester City vem nessa esteira. Já foi chamado de “clube-nação”, por representar interesses e a imagem de Abu Dhabi. A Anistia Internacional não fez por menos ao comentar a relação Manchester City e o executivo e presidente:
“Utilizam o clube inglês apenas como manobra de diversão para as diversas violações em Abu Dhabi, capital dos Emirados Árabes Unidos, uma ferramenta para construir uma imagem pública de progresso e de um Estado dinâmico e em constante evolução”.
O Inter Miami CF é o encontro de todos eles: Mas Canosa, Marcelo Claure, Masayoshi Son. E David Beckham.
Outro lado:
A reportagem tentou ouvir David Beckham e os demais sócios através da diretoria de comunicação do Inter Miami CF mas não obteve resposta.
Há anos atrás, quando a grana começou a entrar pesado no futebol, falei pra quem quisesse ouvir: “É o começo do fim. Não há paixão que resista. A menos que se seja totalmente idiota.” Lamentavelmente, eu tinha razão. Está cada vez pior e vai piorar ainda mais. Não tem volta. A ganância venceu o amor.