Integrante do “Núcleo Roraima” do ministério da saúde, Élcio Franco já era investigado por compras na secretaria daquele estado
Os desdobramentos da CPI da Pandemia revelaram novos personagens e uma constatação: a força dos integrantes do “Núcleo Roraima” dentro do ministério da saúde.
Como Antônio Elcio Franco Filho, o coronel Elcio Franco, que apareceu na comissão parlamentar como responsável em contratos nebulosos na pasta. Mas não é a primeira vez. O protagonista das denúncias até aqui é nome reincidente na proximidade a escândalos envolvendo corrupção com verba da área. Há dois anos o mesmo aconteceu em sua brevíssima passagem como secretário da saúde de Roraima.
Foram menos de três meses. Nomeado em 3 de abril de 2019 e exonerado em 17 de junho.
A reportagem analisou, a partir do Diário Oficial de Roraima, todas as compras da secretaria na gestão do coronel e encontrou um caso milionário, também citado pelo Tribunal de Contas da União (TCU).
No dia 28 de maio, pouco antes de ser exonerado, o coronel assinou uma ata de registro de preços para compra de medicamentos no valor de R$ 45 milhões junto a Tidimar Comércio de Produtos Médicos Hospitalares Ltda, de Minas Gerais.
O contrato, com verbas oriundas do ministério da saúde, viria a ser assinado um ano depois, no fim de maio de 2020. Élcio Franco entrou como secretário-executivo na pasta comandada pelo General Pazuello em 11 de maio de 2020. Os dois também estiveram atuando juntos no período de intervenção federal em Roraima.
O TCU apontou erros graves na fase de tomada de preços do pregão assinado pelo coronel Élcio Franco, como está no processo 016.867/2020-3. “Há diversas falhas na condução do pregão, tais como não licitar por itens, critério de preço não previsto em lei (maior desconto sobre a tabela CMED), negociação dos preços posterior ao certame”, diz a peça.
De maneira geral, as lacunas eventuais na fase do “registro de preços” de uma licitação são determinantes para a construção de uma engrenagem de desvio de verbas e corrupção. O “registro de preços” é a fase onde empresas do ramo fazem orçamento para levantar o preço de mercado que vai ser o parâmetro do montante fixado para a concorrência. É um momento crucial do certame, onde os preços podem ser jogados para cima e superfaturados. É nessa fase que fica determinado o patamar do preço onde será desenvolvido o leilão final. No caso do contrato de Roraima, nem chegou a existir o leilão.
O livro “Uma análise diante das vulnerabilidades das licitações públicas no Brasil” (José Luciano de Oliveira, Descartes Almeida Fontes, Rodrigo Alexandre e Bruno Andrey) é bem didático quanto ao potencial dessa fase da licitação para que se processem os desvios:
“Nesta fase podem ocorrer diversos tipos de fraudes como montagem de licitação, acordo prévio, acerto de preços, superfaturamento e habilitação de empresas inexistentes”.
Em sua fase final, a “CPI da Saúde”, em andamento na assembleia legislativa de Roraima, também apontou falhas nessa fase do contrato. De acordo com os documentos em poder da comissão, a secretaria adotou como parâmetro para a compra de medicamentos a tabela da Cmed (Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos), não tendo levado em conta os parâmetros para preços mínimos de cada medicamento.
NA INTERVENÇÃO FEDERAL EM RORAIMA SE FORMOU O QUE SERIA O NÚCLEO PRINCIPAL DO MINISTÉRIO DA SAÚDE: GENERAL PAZUELLO, CORONEL ÉLCIO FRANCO E AÍRTON CASCAVEL
A passagem de Élcio Franco pela secretária de saúde faz parte de um contexto maior, até aqui pouco citado, e que agora, diante dos episódios e personagens do ministério da saúde, merece maior luz.
O coronel fez parte da intervenção decretada por Michel Temer no estado em 8 de dezembro de 2018, com duração até 31 de dezembro do ano seguinte. Se entender o governo Bolsonaro e como se deu a ocupação dos cargos militares passa por conhecer o núcleo da missão de paz no Haiti, assim como entender a ala de Braga Netto passa por esmiuçar a intervenção federal na segurança do Rio de Janeiro, rastrear a ala que se formou no entorno do general Pazuello na saúde passa pela intervenção federal de Roraima.
Com a distância dos holofotes que o afastamento geográfico de Roraima dos grandes centros garante, ali se formou o que viria a ser o mais importante núcleo de operação do general Pazuello na saúde. Michel Temer indicou dois secretários para o governo de intervenção, sob o comando do governador Antonio Denarium, sendo que um deles era Eduardo Pazuello, para a pasta da secretaria da fazenda. Pouco depois, em abril de 2019, o coronel Élcio, que posteriormente viria a ser o responsável pela logística da saúde em Brasília, era nomeado secretário da saúde do estado de Roraima. É na passagem da dupla em Roraima que um terceiro elemento se junta, dando origem ao trio que se formaria e seria o tripé chave do comando das ações do ministério da saúde, responsável por todas as compras, logística e ações agora investigadas pela CPI da Pandemia: Airton Antônio Soligo, o Airton Cascavel, apresentado em diversas reportagens deste site.
O núcleo Roraima se instalou sob a batuta de Pazuello. O general foi nomeado ministro da saúde em 16 de maio de 2020, deixando a secretária executiva da pasta. No seu lugar, como novo secretário, entrou Élcio Franco. Aírton Cascavel seria nomeado alguns dias depois, em 24 de junho, embora já estivesse atuando informalmente na pasta e deliberando ações, mesmo sem nomeação.
É nesse espaço de tempo, período em que o “núcleo Roraima” assume, que começam todas as ações de compra de vacinas. De compra e de omissões em compras. Agora investigadas na CPI da Pandemia.
Caixas-pretas, portadores de segredos da república, os membros do “Núcleo Roraima” não foram deixados na estrada em meio ao fogo das denúncias da CPI no senado.
O general Pazuello saiu do ministério da saúde em 23 de março de 2021. Depois de cogitado em uma série de cargos, acabou nomeado na secretaria de assuntos estratégicos no dia 1º de junho.
Nem o nome ligado a denúncias de corrupção que se avolumam impediu que Jair Bolsonaro nomeasse o coronel Elcio Franco para outro posto ao deixar o ministério em 26 de março, quando começavam as notícias de malversação de verbas na pasta. Em 23 de abril já estava abrigado na casa civil da presidência da república, onde está até hoje em cargo de confiança, independentemente dos escândalos.
Já Airton Cascavel deixou a saúde no dia 25 de março. Em 3 de maio, assumiu como secretário de saúde de Roraima, estado comandado pelo governador bolsonarista Antonio Denarium.
INVESTIGADO POR CORRUPÇÃO E MEMBRO DE CONSELHO FISCAL DE ESTATAL
A presença do coronel Élcio Franco em meio as denúncias não se dá apenas perto do presidente, na casa civil. Élcio Franco segue como integrante de conselhos de estatais. Na Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia (HEMOBRÁS), é integrante do conselho fiscal, posto que segue intacto mesmo com os escândalos. Os conselheiros participam de reunião mensal e recebem remuneração de R$3.083,75 por mensais por isso.
O coronel também é presidente do conselho deliberativo da Agência para o Desenvolvimento da Atenção Primária à Saúde (ADAPS), criada no governo Bolsonaro para ocupar o lugar do programa “Mais Médicos” e jamais conseguiu ocupar.
GENERAL AFASTADO POR SUSPEITAS DE CORRUPÇÃO NA SAÚDE TAMBÉM É DE CONSELHO FISCAL DE ESTATAL
Um outro membro do governo Bolsonaro que se viu as voltas com denúncias de corrupção e que ainda aparece em conselhos de estatais é o general George Divério. Assim como o coronel Élcio Franco, ele é o representante do ministério da saúde no conselho fiscal da Hemobras.
O general George Divério foi exonerado do posto de superintendente do ministério da saúde no Rio em 26 de maio desse ano. Foi nomeado na gestão Pazuello, em 20 de junho de 2020. Em novembro, num período de 2 dias, o coronel da reserva autorizou duas contratações que somavam cerca de R$ 28,8 milhões. Os contratos foram assinados com empresas que já haviam trabalhado para Divério quando ele estava na Indústria de Material Bélico do Brasil (Imbel) e com dispensa de licitação.
Em plena pandemia, os gastos desse porte utilizando duas empresas conhecidas e sem licitação foram para uma reforma no prédio do ministério da saúde no Rio, no valor de R$ 18,9 milhões e outra num galpão para guardar arquivos, estimada em R$ 9 milhões.
OUTRO LADO:
Coronel Élcio Franco: a reportagem tentou contato com o coronel através da assessoria de imprensa do gabinete da Casa Civil mas não obteve resposta.