Nas asas do estado: em meio a uma pandemia, filha de Paulo Guedes andou na carona do pai nos voos oficiais da FAB
Em terra, Paulo Guedes tem como maior bandeira o fim do que chama de “privilégios estatais”. No ar, a filha voa de carona nas asas do estado.
Paula Drumond Guedes, herdeira do ministro da economia, integrou a comitiva do pai por 3 vezes nesse mês de julho. Em duas delas, os dois eram a comitiva inteira, pai e filha sozinhos ocupando todo o avião, em deslocamento feito com dinheiro público, como mostram os registros de voo da FAB obtidos pela reportagem através da Lei de Acesso à Informação.
Os dois viajaram juntos em voos da FAB. No último 2 de julho, uma sexta-feira, Paulo e Paula Guedes deixaram Brasília em direção ao Rio às 9h, com desembarque no Santos Dumont às 10h40. No dia seguinte, 3, sábado, voltaram para a capital, deixando o Rio às 16h20.
Nesse mesmo julho, no dia 8, uma quinta-feira, fizeram um bate-volta Brasília-São Paulo-Brasília que começou às 9h e retornou da capital paulista às 19h10.
Os voos solicitados por Paulo Guedes na FAB são prerrogativa legal concedida ao ministro de estado. Já a presença de Paula Guedes encerra uma outra contradição além da própria expressa em ser aquele que “ia acabar com privilégios” mas cuja filha voa de carona nas asas do estado.
Dois artigos do “decreto Nº 10.267”, assinado por Jair Bolsonaro em 5 de março de 2020, que dispõe sobre o transporte aéreo de autoridades em aeronaves do Comando da Aeronáutica, se aplicam ao caso do ministro. Um deles, ainda que esbarre em questão ética, autoriza a viagem da filha. O outro deveria impedir.
A flacidez do artigo 7 parece sob encomenda para abrir uma brecha imensa para qualquer voo da alegria ao determinar que “ficarão a cargo da autoridade solicitante os critérios de preenchimento das vagas remanescentes na aeronave, quando existirem vagas disponíveis além daquelas ocupadas pelas autoridades que compartilharem o voo e por suas comitivas”. Ou seja, em última análise, a autoridade, no caso em questão Paulo Guedes, pode levar quem ele quiser. Mas o artigo 6º, em seu 3º parágrafo, parece ser uma imensa casca de banana para o ministro no caso da carona da filha.
O que diz o artigo 6º, 3º parágrafo? Aqui: “a comitiva que acompanha a autoridade na aeronave do comando da aeronáutica terá estrita ligação com a agenda a ser cumprida, exceto nos casos de emergência médica ou de segurança.
E a agenda do ministro naquela sexta, 2 de julho, em que a filha viajou de carona, não tem nada que encaixe ela no artigo 6º, a “estrita ligação com a agenda a ser cumprida”. Ao menos a oficial. Resta a outra muleta frequentemente usada: encaixar tudo como medida de segurança e justificar a carona para o convidado.
De acordo com o que está gravado, nesse dia Paulo Guedes abriria seus compromissos às 10h30 em reunião com o diretor executivo do FMI e só teria mais uma programação, uma reunião com a Superintendência de Seguros Privados (Susep). Ambos já, de acordo com a agenda, já na sede do ministério da economia no Rio de Janeiro. E na parte da tarde, apenas “despachos internos”. Portanto, nenhum item compatível que justifique ligação da filha com essa agenda e sua presença no voo.
No entanto, após o contato da reportagem com o ministro, através da assessoria de imprensa do ministério da economia, Paulo Guedes informou que naquela noite “participou de uma conferência do Instituto de Formação de Líderes (IFL Brasil)”, “proferiu palestra sem fins lucrativos” e que Paula Guedes foi uma das organizadoras do evento. Tal informação não consta da agenda oficial do ministério, não tendo portando “estrita ligação com a agenda a ser cumprida”.
No caso da “agenda a ser cumprida” ser a palestra organizada pela filha, teríamos outra situação: a utilização da aeronave para cumprimento de compromisso da filha.
Na relação dos voos do ministério da economia, a presença de Paula Guedes é acompanhada com a descrição “membro fundador do Instituto de Formação de Líderes (IFL)”.
Em sua página na internet, o IFL se apresenta como um “centro de formação de lideranças que atua em diversas regiões do Brasil promovendo um ciclo de formação de alto nível baseado nos valores de liberdade, responsabilidade individual, livre mercado e propriedade privada”. No site, o IFL aparece, entre patrocinadores e apoiadores, com 15 empresas. Entre elas, gigantes como Gerdau, Localiza e Porto Seguro.
Já no dia 8 de julho, em que Paula Guedes acompanhou o pai no bate-volta Brasília-São Paulo em voo da FAB na mesma quinta-feira, a agenda do ministro em São Paulo é aberta com reunião com executivos do Eurasia Group, seguido de almoço com integrantes do “Esfera Brasil”.
O “Esfera Brasil” é apresentado no próprio site como “organização independente criada para promover o diálogo entre as entidades públicas e privadas” cuja missão é “gerar debates entre a classe produtiva e os Poderes constituídos do Brasil”. No almoço, parte robusta do PIB brasileiro estava presente. Banqueiros, o presidente da Ambev, do conselho do Bradesco, Luísa Trajano e outros tantos.
Na justificativa do ministério para a viagem do dia 8 dada a reportagem, está dito que “ela acompanhou o ministro em seu deslocamento”, não ficando claro se ela esteve nos eventos também ou apenas indo e voltando de Brasília para São Paulo. (ver íntegra da resposta em “outro lado” abaixo).
Além do IFL, Paula Guedes aparece à frente em mais duas empresas. Uma de tecnologia da informação e outra de análise de dados. Nessa última, a empresa se apresenta como “o maior banco de dados de força de trabalho do Brasil”.
“FAÇA O QUE BOLSONARO FALA MAS NÃO FAÇA O QUE EU FAÇO”: VOOS DA FAB MOSTRAM QUE PAULO GUEDES ADOTOU MEDIDAS RESTRITIVAS E SE CONFINOU EM 2020
A relação de voos de Paulo Guedes desde o início do governo de Jair Bolsonaro revelam outro dado curioso: enquanto o presidente vociferava contra as medidas restritivas e ofendia quem praticava o trabalho domiciliar, defendendo regime normal de trabalho em nome da economia, seu ministro da economia adotava o isolamento social e medidas restritivas para si mesmo.
Quando a notícia da pandemia se confirma efetivamente no Brasil, em março de 2020, o ministro faz seus primeiros e únicos voos naquele ano nos dias 16 e 19 daquele mês. No dia 19, faz um Brasília-Rio de Janeiro em voo da FAB e depois, até o fim do ano deixa de requisitar aeronaves da Força Aérea Brasileira, o que só volta a fazer depois de ser vacinado. Em 27 de março desse ano, Paulo Guedes é registrado tomando a primeira dose. E alguns dias depois, após mais de um ano de saída de cena, retoma, em 7 de abril, os voos pelo ministério.
Outro Lado:
Ministério da Economia:
“O ministro da economia, Paulo Guedes, participou de uma conferência do Instituto de Formação de Líderes (IFL Brasil) na noite do dia 2 de junho. Ele proferiu uma palestra no encontro da entidade sem fins lucrativos. Paula Drummond Guedes foi uma das organizadoras do evento. O retorno a Brasília foi no dia 3 de junho. Já no dia 8 de junho, ela acompanhou o ministro em seu deslocamento”.
Paula Drumond Guedes: a reportagem não obteve contato com a filha do ministro. Caso venha a ter alguma atualização, será acrescentada aqui.
Este é o governo de Bolsonaro, que diz que ia acabar com a mamata e privilégio do uso de dinheiro público. Em outros governos caso isso acontecesse, pro Paulo Guedes e Bolsonaro, isso era uma vergonha e indecente