Intermediário da vacina de R$ 5,2 bilhões esteve no gabinete do líder do governo durante a pandemia
Trânsito livre.
Intermediário da vacina negociada pelo preço mais alto com o ministério da saúde, o dono do laboratório Belcher esteve no gabinete do líder do governo Bolsonaro em plena pandemia. Uma intenção para compra de R$ 5,2 bilhões chegou a ser assinada.
Ricardo Barros (PP/PR) recebeu o empresário Daniel Moleirinho Feio Ribeiro no dia 24 de junho de 2020, às 16h24, na sala que ocupa na câmara dos deputados, a 412 do anexo IV, como mostra o documento obtido pela reportagem através da Lei de Acesso à Informação. Os dois são conhecidos por terem notória relação pessoal entre eles. Antes da pandemia, mas já no atual governo, Daniel Feio Ribeiro também esteve na câmara em 9 de julho e 24 de setembro de 2019. Três idas em menos de um ano.
O sócio de Daniel Feio Ribeiro na Belcher, Emanuel Ramalho Catori, também marcou presença na câmara dos deputados desde o início do governo Bolsonaro, estando lá nos dias 20 de março e 24 de setembro, ambos em 2019 e sempre com o mesmo destino.
O líder de Bolsonaro no congresso será ouvido na CPI da Pandemia amanhã em razão de suas eventuais ligações com intermediações de vacinas e medicamentos, principalmente junto a Precisa Medicamentos e a Belcher Farmacêutica.
No caso da última, com sede em Maringá, área de atuação do deputado e apontada por ter ligações com o parlamentar, o principal alvo de investigação é a intermediação para obtenção da vacina Convidecia, do laboratório chinês CanSino Biological.
Em 4 de junho, o governo chegou a assinar, através do ministério da saúde, a intenção de compra de 60 milhões de doses do imunizante, num valor total de R$ 5,2 bilhões.
Seria a vacina mais cara entre todas adquiridas, saindo por US$ 17 (R$ 83,75), enquanto a Pfizer, depois de deixada de molho por meses nas negociações, foi comprada por US$ 12 (R$ 59,11) e a AstraZeneca saiu a US$ 3,16.
No entanto, em 17 de junho, os chineses anunciaram o rompimento de contrato com a Belcher para venda da vacina.
SÓCIO DA BELCHER CHEGOU A FAZER LIVE COM WIZARD E LUCIANO HANG
De acordo com as informações que circulam na CPI sobre essa negociação, além das relações pessoais com o líder do governo, o laboratório paranaense tinha bons padrinhos. Os empresários bolsonaristas Carlos Wizard e Luciano Hang, apontados como integrantes de um gabinete paralelo que atuou no ministério desde o início da pandemia, teriam sido lobistas da Belcher nas tratativas. Em nota, o laboratório desmente tal fato e ligações. No entanto, em março, Hang, Wizard e Emanuel Catori fizeram uma transmissão ao vivo sobre venda de vacinas para o Brasil.
Os vínculos do líder do governo Bolsonaro com os sócios da Belcher Farmacêutica vem de longe.
Daniel Moleirinho Feio Ribeiro, sócio da Belcher, é filho de Francisco Feio Ribeiro, presidente da Urbanização de Maringá (Urbamar), empresa ligada à prefeitura, quando Ricardo Barros era o prefeito (entre 1989 e 1992). Em 2018, Cida Borghetti, mulher do agora deputado, foi governadora do Paraná e o empresário assumiu cargo no Conselho de Administração da Sanepar, a empresa de saneamento paranaense. No governo Bolsonaro, Cida Borghetti assumiu um lugar remunerado no conselho de administração de Itaipu.
VENDAS DO LABORATÓRIO PARA GOVERNO FEDERAL COMEÇARAM SOMENTE COM BOLSONARO
A relação da Belcher com o atual governo não se esgota em vacinas. Antes de Bolsonaro, a empresa não tinha vendido nenhum centavo ao ente federal. A partir de 2019, passou a vender diversos produtos em transações de altos valores.
Por uma transação com o governo do Distrito Federal relacionada a venda de testes para detecção de covid-19, a empresa é citada na “Operação Falso Negativo”, da Polícia Federal. As investigações indicam que a Belcher forneceu propostas fictícias em um processo de dispensa de licitação.
DOCUMENTOS OBTIDOS PELA REPORTAGEM MOSTRAM QUE EMPRESA TENTAVA LIBERAÇÃO DE RESPIRADORES NA ANVISA
De acordo com outros documentos obtidos pela reportagem através da Lei de Acesso à Informação, por ocasião da data de 24 de junho de 2020, época da visita do sócio da Belcher ao gabinete de Ricardo Barros na câmara, a empresa tentava a aprovação na Anvisa de projetos para fabricação de ventiladores e respiradores pulmonares. A pandemia estava em plena curva de crescimento, ainda não existiam vacinas e os respiradores tinham virado objeto de procura e transações dos governos.
A Belcher entrou com pedido de aprovação para fabricação de respirador em 13 de abril de 2020, um mês depois da OMS se pronunciar caracterizando o covid-19 como pandemia, o que tinha ocorrido em 11 de março. No entanto, a solicitação da Belcher caiu em exigência de documentação na Anvisa, e na época da ida de Feio Ribeiro ao gabinete de Ricardo Barros ainda estava com pendências.
ALIADO DE BOLSONARO E DE BARROS, GOVERNADOR RATINHO JR INTERCEDEU JUNTO AO ITAMARATY PARA COMPRA COM A CANSINO
Outros documentos, obtidos pela reportagem também via Lei de Acesso à Informação, mostram que o governo do Paraná, comandado por Ratinho Jr, aliado de primeira hora e incondicional de Jair Bolsonaro e também de Ricardo Barros, intercedeu junto a embaixada do Brasil na China, solicitando apoio do Itamaraty junto a empresa farmacêutica CanSino em 12 de março de 2021, nas negociações para compras de vacinas do laboratório.
Quatro dias depois, em 16 de março, o secretário executivo do ministério da saúde, o coronel Élcio Franco, citado nos episódios investigados pela CPI relativos a intermediação de vacinas, recebeu o comunicado oficial de que o estado do Paraná estava intercedendo em negociações junto ao laboratório chinês.
OUTRO LADO:
DEPUTADO E LÍDER DO GOVERNO BOLSONARO RICARDO BARROS (PP-PR):
A reportagem enviou questões para o deputado mas não obteve resposta.
BELCHER FARMACÊUTICA:
A reportagem enviou questões para a empresa mas não obteve respostas. No entanto, em longa nota oficial emitida por ocasião do rompimento do laboratório chinês, a Belcher afirmou, entre outros pontos:
– Que seu contato com o laboratório tinha o “objetivo de viabilizar ao Brasil, ante a alta demanda e escassez global, mais opções de vacinas eficazes contra a covid-19 para reforçar a vacinação em massa a partir do Programa Nacional de Imunizações;
– “a Belcher não se tratava de mera intermediária da CanSino Biologics no Brasil para fins comerciais junto aos órgãos públicos. Mas, sim, uma parceira institucional e técnica legalmente necessária, responsável por assumir eventuais riscos farmacológicos e todas as obrigações legais e sanitárias relativas à vacina Convidecia no país, num intenso e continuado fluxo técnico junto à Anvisa e demais órgãos e instâncias competentes”;
– a Belcher não firmou contrato com o Ministério da Saúde para a aquisição de 60 milhões de doses únicas da vacina Convidecia; O Ministério da Saúde apenas emitiu em 4 de junho de 2021 uma carta de intenção de compra não vinculativa e com condicionantes, por ser requisito para o início formal das negociações comerciais junto à CanSino Biologics. Dentre os condicionantes, estão a autorização regulatória por parte da Anvisa e a entrega completa das 60 milhões de doses no segundo semestre deste ano; Ainda nesse contexto, o valor de U$ 17 dólares por unidade de vacina Convidecia – que é aplicada em dose única, gera diversos benefícios e diminui custos acessórios – foi estipulado pela CanSino Biologics, a partir de suas diretrizes internas e sem ingerência externa de qualquer natureza.
– não houve e não há interferência ou relação do Deputado Federal Ricardo Barros, de qualquer outro parlamentar, autoridade ou terceiro, com a interface institucional realizada regularmente pela Belcher junto ao Ministério da Saúde, ou qualquer órgão ou instância pública, para fins de apresentação, discussões e negociações inerentes à vacina Convidecia, produzida pelo laboratório chinês CanSino Biologics;
Não houve e não há, da mesma forma, interferência ou relação dos empresários Luciano Hang ou Carlos Wizard, com a interface institucional realizada regularmente pela Belcher junto ao Ministério da Saúde, ou qualquer órgão ou instância pública ou privada;
Não há, também, direta ou indiretamente, relação societária, formal ou informal, entre a Belcher e os empresários Luciano Hang ou Carlos Wizard, quaisquer de suas empresas, representantes ou terceiros. Não há, por fim, qualquer relação ou interesse comercial dos referidos empresários em face da representação no Brasil da CanSino Biologics e da vacina Convidecia, por parte da Belcher Farmacêutica;
Há, sim, o engajamento público e notório dos empresários Luciano Hang e Carlos Wizard, assim como de representantes de centenas de outras empresas, e apenas nesse contexto o envolvimento da Belcher Farmacêutica, para discutir e implementar apoio e doações da iniciativa privada ao processo de vacinação em massa contra COVID-19 no Brasil, em estrita parceria com o Sistema Único de Saúde – SUS e em reforço ao Programa Nacional de Imunizações, nos termos e limites da Lei n. 14.125/21, com o único objetivo de ajudar o Brasil a acabar o mais breve possível com a crítica fase pandêmica que enfrenta. É tão somente nesse mesmo contexto, que também está envolvido o empresário Alan Eccel;
Para que fique ainda mais claro, o público envolvimento da Belcher com os empresários Luciano Hang e Carlos Wizard, ou mesmo com Alan Eccel ou qualquer eventual outra autoridade ou terceiro, se deu, única e exclusivamente, no que tange ao plano de união da iniciativa privada com o poder público para viabilizar doações ao SUS, acelerar o programa de imunizações e retomar o desenvolvimento da economia e do Brasil. Qualquer narrativa de vinculação para além do exposto, pode ser tida como conclusão descabida e meramente tendenciosa;
Por fim, a Belcher Farmacêutica afirma categoricamente que toda a sua atuação e interface institucional, perante o Poder Público e suas parceiras nacionais e internacionais privadas, se deu como sempre se dá, com boa-fé e de forma totalmente ética, técnica, profissional e regular.