Filho de ministro do TCU comprou mansão cinematográfica na Flórida
No dia 15 de janeiro de 2019, um gigantesco caminhão carregando dois containeres abarrotados com caixas cruzou o portão de uma suntuosa mansão no condomínio Isleworth, na Flórida.
Uma mudança imponente, compatível com o cenário e com o perfil financeiro de quem deixava o lugar para trás.
Depois de 21 anos disputando o bilionário circuito profissional de golfe, o australiano Nicolas O´Hern resolveu pendurar os tacos.
Os últimos 12 tinham sido morando naquele cenário de cinema.
Mais do que seleto, o condomínio é também endereço, entre outros bilionários e celebridades, de Tiger Woods, Shaquille O’Neal e David Siegel, o empresário sempre presente entre os bem cotados da lista da Forbes.
Encravado em Windermere, a 16 quilômetros de Orlando, na famosa “região dos lagos” da Flórida, a própria natureza tratou de separar Isleworth do mundo dos não milionários. Um istmo, aquela faixa estreita de terra com lago dos dois lados, o que por si só já isola geograficamente os muito ricos.
O`Hern ocupava a cinematográfica residência desde 2007. As fotos, algumas postadas pelo próprio golfista em suas redes, mostram uma propriedade deslumbrante. Um palácio saído de filmes sobre reis e rainhas. Jardins, divisas com o campo de golfe do clube e com o lago, piscina, bar, uma sala com teto em altura que parece alcançar os céus, aposentos nababescos.
Em 2019, depois de figurar por anos no circuito principal e de algumas vitórias, numa carreira que teve como maior feito ter sido o único jogador a derrotar Tiger Woods por duas vezes na modalidade matchplay do esporte, aquela em que se chega a vitória contando as tacadas dadas a cada buraco, resolveu vender, arrumar os containeres e voltar para a Austrália.
Um candidato a ocupar a vaga do milionário golfista e a ser vizinho de Tiger Woods e de parte da nata do pib americano precisaria desembolsar US$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil dólares), equivalentes a R$ 7.875.000,00 (sete milhões, oitocentos e setenta e cinco mil reais).
No dia 9 de janeiro de 2019, a venda foi realizada. Pelo milhão e meio de dólares, os quase oito milhões de reais pedidos. Nota sobre nota.
Brasileiro comprou a mansão em 2019
Os registros de propriedade de Orlando obtidos pela reportagem mostram quem é o novo vizinho desses multimilionários.
Um brasileiro. É um brasileiro o novo morador do exclusivíssimo Condomínio Isleworth, proprietário de uma luxuosa gleba no istmo.
Tiago Cedraz Leite Oliveira é um advogado de ascensão meteórica na carreira. E controversa. E de ganhos controversos.
Hoje com 38 anos, teve sua licença emitida pela OAB em 2006. No ano seguinte já montou sua banca de advocacia em Brasília. No mesmo 2007, o pai, Aroldo Cedraz, ex-deputado federal pelo PFL, atual DEM, assumiu uma vaga no Tribunal de Contas da União (TCU).
Reportagem de Rubens Valente, na Folha de São Paulo de 25 de outubro de 2015, mostrou que, naquela ocasião, advogados do escritório de Tiago Cedraz atuaram em 182 ações no mesmo tribunal presidido pelo pai.
Em 2015, essa relação entre o escritório de advocacia do filho do ministro e a corte do pai virou um caso de polícia quando Ricardo Ribeiro Pessoa, da UTC, citou Tiago Cedraz em acordo de delação premiada, parte da Lava Jato. Na ocasião, o empreiteiro disse ter pago R$ 50 mil mensais ao advogado para receber informações do TCU. Conforme a delação, era Tiago Cedraz que intermediava a compra de votos no TCU. O pai não se fez de rogado: logo em seguida, pediu ao STF acesso ao depoimento, o que foi negado pelo então ministro Teori Zavascki.
A Operação Politeia mostrou que em um espaço de três anos, o jovem advogado construiu um patrimônio milionário, convertido em parte na compra de imóveis.
Operação policial citou R$ 13 milhões em propriedades no Brasil
Ainda sem contar com a nova propriedade revelada nessa reportagem, a operação cita a compra de cerca de R$ 13 milhões em imóveis, além de um jato Cessna com capacidade para 10 passageiros.
As ocorrências contra Tiago Cedraz não pararam aí. Em agosto do ano passado, o Ministério Público Federal (MPF-RJ), apresentou denúncia citando o filho do ministro como parte de um esquema com o ex-governador Sérgio Cabral, que teria desviado, no período entre 11/3/2016 e 29/6/2017, o valor de R$ 13.703.333,33 (treze milhões setecentos e três mil trezentos e trinta e três reais e trinta e três centavos) para o advogado, portanto, pouco antes da compra da casa. A fonte do desvio teria sido, de acordo com a peça do MPF, a Fecomércio-RJ. No esquema, teriam sido realizados “pagamentos de honorários advocatícios, por serviços que efetivamente não foram prestados”. A contrapartida da propina paga para Tiago Cedraz no esquema de Sérgio Cabral e vinda da Fecomércio, segundo o MPF, era “a pretexto de influenciar atos praticados por integrantes do Tribunal de Contas da União”, onde está o pai do advogado.
Antes de comprar a mansão no Butler Chain of Lakes (Cadeia de Lagos Butler) da Flórida, a propriedade mais suntuosa era em outro lago, o Lago Sul de Brasília. Uma chácara de 10 mil metros quadrados, comprada por R$ 7,2 milhões em 2013 junto ao embaixador dos Emirados Árabes Unidos no Brasil, Sultan Rashed Sultan Alkaitoob. No mesmo ano, Tiago Cedraz pagou R$ 2,95 milhões em um apartamento de 247 metros quadrados na Asa Sul, bairro nobre de Brasília.
De acordo com a mesma reportagem da Folha citada, na ocasião o advogado atuava para a hidrelétrica Itaipu, controlada pelo governo federal e, na mesma época, o TCU resolveu iniciar fiscalização “efetiva e direta” sobre as contas da companhia, fato inédito desde a inauguração de Itaipu.
Nem o bloqueio de quase R$ 2 milhões impediu compra milionária na Flórida
Em 2017, Tiago Cedraz chegou a ter R$ 1.779.859,32 bloqueados pelo Banco Central, como parte da Operação Abate II, em virtude dos ganhos de comissão de empresa americana no caso Petrobras. Na ocasião, o advogado afirmou que “reitera sua tranquilidade quanto aos fatos apurados por jamais ter participado de qualquer conduta ilícita”.
A compra da mansão na Florida em 2019, além de aumentar a já ampla coroa de propriedades de luxo, aponta para aquisições de patrimônio fora do país depois que passou a ser investigado por aqui.
Na região dos lagos da Flórida, além do natural sossego do privilegiado local, Tiago Cedraz encontra ainda outro tipo de conforto: um patrimônio com possibilidades de bloqueio pela justiça brasileira mais remotas.
OUTRO LADO:
A reportagem procurou contato com Tiago Cedraz por diversas formas para ouvi-lo sobre a aquisição da mansão na Flórida. No entanto, nos últimos anos, seus escritórios foram reformulados e ele se retirou da sociedade de alguns dos negócios. A reportagem tentou contato com alguns deles, sem êxito. Assim como em empresas com a participação do advogado.
Sem conseguir contato com Tiago Cedraz, a reportagem procurou o pai, Aroldo Cedraz, através da assessoria de imprensa do Tribunal de Contas da União (TCU). Além de solicitar que as questões sobre a propriedade fossem encaminhadas ao filho, a reportagem também procurou ouvir o ministro do TCU sobre as denúncias. A assessoria de imprensa do TCU confirmou o recebimento do e-mail e encaminhou para o gabinete de Aroldo Cedraz. E enviou a seguinte resposta:
“O ministro Aroldo Cedraz não vai se manifestar”.