Irmão de ajudante de ordens de Bolsonaro investigado por transações financeiras do gabinete presidencial abriu empresa no paraíso fiscal mais sigiloso do mundo
Daniel Barbosa Cid, irmão do tenente-coronel Mauro Cesar Barbosa Cid, principal ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, abriu uma empresa em Delaware no ano de 2020. O estado americano é considerado o paraíso fiscal mais sigiloso do mundo. Mauro Cid é investigado pela Polícia Federal por suspeitas de transações financeiras feitas no gabinete do presidente da República.
Daniel Cid também é citado em outro inquérito da PF, o que apura o vazamento de informações de uma investigação sigilosa da instituição. Em 4 de agosto de 2021, Jair Bolsonaro divulgou dados de apuração da PF sobre acesso indevido ao sistema do TSE em uma live. Morador dos Estados Unidos, Daniel Cid recebeu as informações vindas do irmão e publicou em um site com servidor baseado no exterior.
Empresário do ramo de informática, Daniel Cid abriu a primeira empresa naquele país em 2005, no estado de Maryland, já inativa. Em abril de 2018, registrou outra, a Cleanbrowsing, com sede na Califórnia.
E em 2020, essa empresa foi incorporada sob o mesmo nome, passando a ser sediada em Delaware. O estado é o grande responsável por impulsionar os Estados Unidos como líder no ranking dos paraísos fiscais, na frente de tradicionais moradas de offshores como Suíça, Luxemburgo, Singapura, Ilhas Cayman e Panamá, de acordo com o relatório Financial Secrecy Index, publicado pela instituição inglesa Tax Justice Network.
Com uma população de 1 milhão de habitantes e o mesmo número de empresas registradas, Delaware é muito requisitada para sediar corporações porque não há taxação de impostos sobre venda (as “sale taxes”). E por uma outra característica:
Com um patamar de manutenção de sigilo inigualável ao redor do mundo, o estado transformou-se em o lugar mais procurado para abertura de negócios em que o proprietário, eventualmente, pode ocultar dinheiro obtido de forma ilícita ou integrar capital que já esteja oculto, abreviando assim o processo de lavagem e transformando em capital que aparenta ser lícito. Pela lei brasileira, não é ilegal ter empresa no exterior, desde que declarada na Receita Federal.
Apesar do grau de sigilo absoluto de Delaware, sem paralelo no mundo, a reportagem obteve a confirmação do registro do irmão do ordenança de Jair Bolsonaro porque, ao fundir a empresa da Califórnia, levando-a para Delaware, a junta comercial da Califórnia registra a presença do nome de Daniel Cid na empresa incorporadora de Delaware. E assim, através do registro californiano, foi possível confirmar a existência de propriedade no paraíso fiscal. Sem o que, jamais se chegaria ao nome do proprietário em Delaware.
Já as transações financeiras realizadas pelo principal estafeta de Jair Bolsonaro envolvendo o gabinete presidencial, foram levantadas pela PF em função dos sigilos telemáticos (emails, arquivos de celular e nuvem de armazenamento) e bancários terem sido quebrados, por ordem do ministro do STF, Alexandre de Moraes, na apuração de vazamento de investigação sobre a eventual existência de um hacker no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A apuração tramita no inquérito das milícias digitais. Mauro Cid virou alvo por ter atuado no episódio. Na análise desse material a PF encontrou as movimentações financeiras realizadas no gabinete da presidência pelo militar, consideradas suspeitas.
Entre os envolvidos na investigação, existiria a suspeita de que Mauro Cid também poderia ser um elo com grupos radicais americanos que financiariam a militância bolsonarista e atos antidemocráticos aqui realizados. O que aumentaria a lupa sobre empresa em paraíso fiscal.
As mensagens que levantaram suspeitas de investigadores continham conversas por escrito, fotos e áudios trocados pelo tenente-coronel com outros funcionários da Presidência e sugerem a existência de depósitos fracionados e saques em dinheiro. Tanto depósitos fracionados como transações em dinheiro, de maneira geral, ligam o alerta de transações suspeitas e tentativa de ocultação da procedência do dinheiro. No material analisado pela Polícia Federal, existe a indicação de que as movimentações financeiras se destinavam a pagar contas pessoais da família presidencial e também de pessoas próximas da primeira-dama, Michelle Bolsonaro. A assessoria da Presidência nega qualquer irregularidade nas transações e diz que os valores movimentados têm como origem a conta particular do presidente da República.
PAGAMENTOS FRACIONADOS EM NOME DE MICHELLE BOLSONARO CHAMARAM ATENÇÃO
Nas conversas por aplicativos de mensagens, integrantes da ajudância de ordens trocam recibos de saques e depósitos e abordam o pagamento de boletos. Uma das transações suspeitas apuradas pela PF com base nos diálogos está o pagamento de uma fatura de plano de saúde de um parente do casal presidencial. Há também o pagamento fracionado para uma tia de Michelle, que cuida da filha de Bolsonaro, Laura, quando a primeira-dama está em compromissos ou em viagens.
A investigação pretende concluir se despesas particulares foram bancadas com dinheiro público. As informações da quebra do sigilo ainda estão em análise da PF. Uma das hipóteses apuradas é saber se as transações têm origem em valores dos cartões corporativos da Presidência.
Em resposta quando da divulgação do episódio, a assessoria da presidência afirmou que as transações vistas como suspeitas pela PF têm origem em dinheiro privado de Jair Bolsonaro.
“Todos os recursos não têm origem no suprimento de fundos (o cartão corporativo). O presidente nunca sacou um só centavo desse cartão corporativo pessoal. O mesmo está zerado desde janeiro de 2019”, afirmou a secretaria de comunicação da presidência. “Cid não fazia transferência de conta a conta. Ele sacava o dinheiro para a conta do presidente não ficar exposta, com o nome dele no extrato de outra pessoa”.
A mesma justificativa foi dada para outras despesas. “Todos esses gastos são pessoais e diários da dona Michelle. Cabeleireiro, manicure, uma compra no site de roupa e outras coisas. A opção foi não colocar a conta do presidente no extrato da manicure, da fisioterapeuta ou outros gastos diários de uma família com 5 pessoas”, disse a assessoria. A autorização de Moraes atinge Cid e mira também transações suspeitas envolvendo ao menos outros dois ajudantes de ordem da Presidência.
PAI DOS IRMÃOS DANIEL E MAURO É GENERAL E FOI NOMEADO POR BOLSONARO EM MIAMI
O pai de Mauro e Daniel Cid também mora nos Estados Unidos. Os dois são filhos do general de exército Mauro Cesar Lourena Cid, íntimo do presidente Jair Bolsonaro e colega do presidente na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman) na turma que se formou em 1977. O filho ajudante de ordens também se formou na Aman, em 2000. No início do governo, o general Lourena Cid chegou a ser cotado para assumir o comando do Exército, mas a vaga ficou com Edson Leal Pujol. Em junho de 2019, o general foi nomeado pelo presidente como chefe do escritório da Apex em Miami. De acordo com o Portal da Portal da Transparência, o general Lourena Cid recebe R$ 36 mil da reserva remunerada. A chefia na Apex tem salário de US$ 9,6 mil, aproximadamente R$ 50 mil.
A intimidade do ajudante de ordens com o presidente faz com que, de acordo com relatos já publicados em reportagens diversas, Mauro Cid tenha assumido um papel muito maior do que o posto. Na verdade, seria um conselheiro-geral da presidência, discorrendo sobre economia, meio ambiente, saúde, questões jurídicas e sobre o que mais Bolsonaro tem dúvidas.
Outro lado:
Mauro Cid –
A reportagem tentou contato com o ajudante de ordens de Jair Bolsonaro através da secretaria de comunicação da presidência, sem retorno. Em caso de resposta, esse espaço será atualizado.
Daniel Cid –
A reportagem enviou e-mail para Daniel Cid, sem retorno. Em caso de resposta, esse espaço será atualizado.
Qto mais se aprofundam as investigações, mais estarrecedores são os fatos. Fomos desgovernados por 4 longos anos por uma Máfia Poderosa. #CadeiaJá para todos os envolvidos. Chega de proteger milico.
BOA REPORTAGEM