Agência de comunicação que ganhou milhões no governo Bolsonaro contratou a filha do general Braga Netto
Detentora de contratos milionários com o governo Bolsonaro e vencedora da maior licitação da história da União do ramo no mesmo período, a empresa de comunicação FSB empregou a filha do general Walter Braga Netto. A contratação, via FSBPAR LTDA, um dos braços do grupo, ocorreu menos de dois meses depois de Isabela Braga Netto ter que desistir de um cargo com salário de R$ 13 mil na ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), vinculada ao Ministério da Saúde.
A nomeação no órgão do estado já estava aprovada pela Casa Civil, que analisa a idoneidade de todas as indicações feitas para funções federais de alto escalão. Na ocasião, o general, que viria a ser o candidato a vice na chapa presidencial esse ano, ocupava a titularidade da pasta que avalizou a efetivação da filha.
A admissão de Isabela Braga Netto na FSB foi em 8 de setembro de 2020 (permanecendo até junho de 2022), de acordo com documentos públicos do “Sistema Empresa de Recolhimento do FGTS e Informações à Previdência Social” (SEFIP). Em 22 de julho, exatos 46 dias antes de entrar na FSB, a filha do general tinha tornado pública a desistência para a vaga de gerência na ANS. O cargo era de “análise setorial e contratos com prestadores”. (Isabela Braga Netto é formada em design e especializada em Comunicação Visual). No entanto, o vazamento da notícia pela imprensa tomou grande proporção e gerou a desistência. A pandemia estava no auge. A repercussão negativa apontou para o conflito de interesses.
O VÍNCULO COM A FSB:
GENERAL BRAGA NETTO DEU AVAL PARA ADMISSÃO EM CARGO PÚBLICO “PAUTADA NA ÉTICA E NA TRANSPARÊNCIA”
No caso da contratação pelo órgão público, logo após a desistência, a ANS publicou comunicados afirmando que a nomeação teria “atendido todos os requisitos para o cargo”, e que seguia “requisitos técnicos e era pautada na ética e na transparência.”
“… o processo para a ocupação do cargo gerou repercussões distorcidas e ilações”, afirmou na ocasião o diretor de desenvolvimento setorial, Rodrigo Rodrigues de Aguiar. “Reitero que o processo seletivo foi conduzido no âmbito da ANS, sem sofrer ingerências externas”, completou.
TCU APONTOU SUSPEITAS DE DIRECIONAMENTO NA LICITAÇÃO MILIONÁRIA DO GOVERNO BOLSONARO COM A FSB
No último 2 de abril, a A FSB Comunicação e Planejamento Estratégico venceu a licitação aberta para a escolha da empresa responsável por promover a imagem do governo Jair Bolsonaro no exterior por um ano.
O valor total do contrato foi de R$ 60 milhões, apontado como o de maior licitação da história da União nessa área. A disputa já tinha entrado no radar dos técnicos do Tribunal de Contas da União (TCU) e do MP junto ao TCU, que chegaram a pedir por duas vezes a suspensão da concorrência por indícios de direcionamento.
Em dezembro de 2021, Johanns Eller, da coluna da jornalista Malu Gaspar, no Globo, publicou reportagem segundo a qual as outras duas concorrentes, Weber Shandwick e a Approach, já tinham entrado na disputa sem poder ganhar.
O direcionamento da licitação teria se dado, de acordo com os técnicos do TCU, porque só a FSB teria condições de atender a uma parte importante das exigências e vencer a concorrência. O governo exigiu que as agências comprovassem experiência de no mínimo três anos na realização de 70% dos serviços listados no edital. E dos 19 serviços listados, 11 se referem expressamente a tarefas prestadas para o governo federal, item que só a FSB poderia cumprir.
Na ocasião, a FSB respondeu para o jornal que não existia “direcionamento da concorrência e nem uma só empresa poderia cumprir as exigências”. A reportagem do Globo reafirmou suas informações anteriores. (Nota da reportagem, 23/11: após a publicação, a FSB enviou cópia do Acórdão do TCU (nº 1526/2022) que julgou a representação do MP/TCU improcedente).
EMPRESA FECHOU TAMBÉM CONTRATOS DE R$ 11,2 MILHÕES COM MINISTÉRIO DA INFRAESTRUTURA
A FSB Comunicação e Planejamento Estratégico, mesmo braço que assinou os R$ 60 milhões com o Ministério das comunicações em 2022, fechou também 2 contratos no valor total de R$ 11.234.820,28 em abril de 2020 com o Ministério da Infraestrutura, comandado por Tarcísio de Freitas. (Nota da reportagem e correção em 23/11: conforme publicação no DOU, 8/4/2020, o valor do contrato com o ministério da infraestrutura pago é de R$ 4.496.980,30. O Portal da Transparência dá o valor atualizado de R$ 5.617.410,14). Total de R$ 65.617.410,14.
EM PLENO ANO ELEITORAL, MAIS R$ 11,9 MILHÕES PARA PESQUISAS
No atual ano, outro braço do grupo, o Instituto de Pesquisa de Reputação e Imagem (IPRI), nome do Instituto FSB Pesquisa, fechou contrato de R$ 11.900.000,00 do governo Bolsonaro para realização de pesquisas. Sem licitação. Em pleno ano eleitoral, com a máquina do estado pagando atos que beneficiavam a campanha. (Nota da reportagem e correção em 23/11: a reportagem usou como fonte o Porta da Transparência, que não informa a existência de licitação. Após a publicação, a FSB enviou a referência do Diário Oficial da União em 27 de janeiro de 2022, onde está citado que o IPRI foi declarado vencedor da licitação por modalidade Pregão Eletrônico nº 4/2022).
Em 30 de julho de 2021, a Agência Sportlight de Jornalismo mostrou em reportagem que durante a passagem do general Braga Netto na Casa Civil, a filha pegou carona nos voos da FAB nos dias 4 e 24 de setembro de 2020, ambos partindo do Rio de Janeiro para Brasília. Já a mulher do general, Kathia Ancora Braga Netto, viajou Brasília/Rio no dia 3 de setembro daquele ano, com volta no dia seguinte e fez um ida e volta Brasília/Salvador nos dias 17 e 18. Nas asas da pasta do general, Jair Renan, filho do presidente da república, voou de Brasília para o Rio no dia 3 de setembro e voltou no dia seguinte, ambos também em 2020.
Outro lado:
A reportagem enviou pedido de resposta para a FSB. A empresa enviou nota assinada pela sócia Gabriela Wolthers, abaixo publicada na íntegra (*ver também nota da reportagem ao fim):
FSB:
“Como sócia da FSB, atesto que Isabela Oasse foi contratada pela empresa em setembro de 2020 para uma vaga de atendimento pleno de Comunicação Interna da empresa após passar por um processo de seleção profissional da área de Gente e Gestão no Rio de Janeiro. Formada em Design pela ESPM, especializada em Comunicação Visual, Oasse atendeu a todos os requisitos da vaga.
Oasse trabalhou na empresa até junho de 2022, quando pediu demissão por ter recebido uma proposta de outra empresa. Deixou a FSB assim como entrou: de uma maneira correta, profissional. Causa indignação que o simples sobrenome de uma ex-colaboradora seja usado para tentar atingir a FSB e a ex-colaboradora em questão.
A FSB não contrata e nem impede a contratação de colaboradores baseada em filiação. Graças a critérios estritamente técnicos de contratação, a FSB se tornou, em seus 40 anos de existência, a maior empresa de Comunicação da América Latina.
Importante ressaltar que o trabalho de Oasse, no Rio de Janeiro, nada tinha a ver com as contas públicas que a FSB atende no governo federal em Brasília, vencidas sempre após longos processos licitatórios, que são públicos e acompanhados pelos órgãos de controle da União”.
Gabriela Wolthers
Sócia da FSB Holding
Nota:
Após a publicação da reportagem, a FSB enviou a seguinte nota, aqui publicada na íntegra:
A respeito da matéria publicada nesta segunda-feira, dia 21 de novembro, cabe esclarecer:
1.
Com referência à informação de que o “TCU apontou suspeitas de
direcionamento na licitação milionária do Governo Bolsonaro com a FSB”,
cumpre-nos esclarecer que a representação apresentada pelo MP/TCU,
processo nº 042.481/2021-0 foi julgada IMPROCEDENTE, conforme Acórdão nº
1526/2022-TCU-PLENÁRIO, anexo. Portanto, após a instrução processual, o
Tribunal de Contas da União concluiu que não houve qualquer
irregularidade no processo licitatório, atestando sua higidez e
legalidade. Segue em anexo a decisão do TCU.
2. O valor correto do contrato firmado entre a FSB Comunicação e Planejamento Estratégico LTDA. e o Ministério de Infraestrutura é de valor total de R$ 4.496.980,30, conforme publicação no Diário Oficial da União do dia 8 de abril de 2020. Segue em anexo a publicação do Diário Oficial.
3. Não é verdade que a contratação de um instituto de pesquisas pela Secom se deu sem licitação. O IPRI (Instituto de Pesquisa de Reputação e Imagem), razão social do Instituto FSB Pesquisa, é o instituto de pesquisas responsável por fornecer pesquisas quantitativas de opinião pública para o Ministério das Comunicações. Como condição para a realização das pesquisas, o IPRI foi declarado vencedor da licitação por modalidade Pregão Eletrônico nº 4/2022, publicado no Diário Oficial da União em 27 de janeiro de 2022. O IPRI foi o vencedor da licitação por pregão eletrônico, disputada por várias empresas, ao apresentar o menor preço e a qualificação técnica e capacidade de atendimento requerida pelo edital. Segue em anexo o edital publicado em 25 de janeiro a respeito do pegrão eletrônico nº 04/2022.
General Walter Braga Netto:
Como o general Walter Braga Netto não ocupa mais cargo no governo federal no momento, a reportagem escreveu para ouvir o mesmo através do Comando do Exército, solicitando a resposta do general. O Comando do Exército enviou a resposta abaixo:
“Atendendo a sua solicitação, formulada por meio de mensagem eletrônica de 14 de novembro de 2022, o Centro de Comunicação Social do Exército orienta que, por se tratar de militar da reserva, seja procurada a assessoria do próprio General para tratar do assunto em tela”.
Nota da reportagem: tentamos contato com o general Braga Netto por outras vias depois de solicitar encaminhamento via Comando do Exército, sem sucesso. Qualquer atualização, será aqui publicada.
Isabela Braga Netto:
A reportagem não conseguiu contato com Isabela Braga Netto. Pediu a FSB que encaminhasse tal pedido. Caso seja enviado, será acrescentado aqui.
Nota da reportagem:
(*) Não é praxe da Agência Sportlight de Jornalismo comentar respostas de “outro lado”. No entanto, como a nota da FSB fala no “uso do sobrenome de colaboradora” por parte da reportagem “para atingir a FSB e a ex-colaboradora em questão, o esclarecimento se faz necessário:
Não iremos nos concentrar na possibilidade levantada de “tentar atingir a FSB e a ex-colaboradora em questão”. Por tão despropositada hipótese. Seria até patético um pequeno e modesto site de jornalismo, um bloco do eu sozinho feito artesanalmente, ter a intenção de “atingir” a “maior empresa de comunicação da América Latina”, como dito pela própria sócia. O mesmo desarrazoado e absolutamente desprovido de qualquer sentido razoável de “atingir” se faz em relação a noticiar a pessoa contratada em questão.
A única razão de publicar a reportagem acima é a mesma vigente em todas as outras reportagens deste site: o interesse público. Na certeza de que, como ensina a mestra Giannina Segnini, diretora na “Journalism School at Columbia University” e referência mundial do ofício, “jornalistas não investigam delitos, função de agentes dos órgãos públicos. Jornalistas investigam fatos de interesse público, sejam eles delitos ou não”. Tenham conflitos de interesse ou não. Condição fundamental para a sobrevivência das democracias e do estado de direito. Vale sempre lembrar, em um momento da vida brasileira em que tais valores estão massacrados e golpes de estado são fomentados.
Qualquer “PEP”, a “pessoa exposta politicamente”, ou “ocupantes de cargos e funções públicas”, conceito estabelecido universalmente desde 2006, está sujeita a esse escrutínio. Assim como, de acordo com a Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (ENCCLA), os “familiares” dessas PEPs. E, de acordo com as normas, são considerados familiares os “parentes, na linha direta, até o segundo grau, o cônjuge, o companheiro, a companheira, o enteado e a enteada”.
Diante do que, assim como já ocorrera no episódio da contratação da filha do general Braga Netto para órgão público, parece claro que os vínculos de qualquer PEP com empresa detentora de contratos com instituições do estado são de absoluto interesse público. E razão única da reportagem.
Lúcio de Castro
Agência Sportlight de Jornalismo