Constrangimento causado por Bolsonaro em Al Gore poderá ser muito maior com Joe Biden
Entre o perplexo e o constrangido, Al Gore viu que a única coisa a fazer era encerrar o provavelmente mais bizarro encontro com chefe de estado que já tinha enfrentado em tantos anos nos salões do poder mundial.
Não foi preciso um segundo além do 1m34 que durou a conversa. Depois de um “não entendi o que você quis dizer” que já nasce clássico ao ouvir do próprio presidente do Brasil que “adoraria explorar a Amazônia junto com os Estados Unidos”, o vice-presidente americano durante os anos Clinton, tentando se refazer do visível estarrecimento, se dá conta de não estar diante de um interlocutor com maior discernimento e dá fim ao insano diálogo.
Já não tinha começado bem. Mesmo que pareça um disparate em tão pouco tempo ter cabido tanto “non sense” e desfile de aberrações, Al Gore iniciou a conversa tentando quebrar distâncias e falando de sua amizade com o par na luta pela ecologia, o brasileiro Alfredo Sirkis.
De cara recebeu uma mentira como resposta. Jair Bolsonaro retrucou dizendo que “lá trás fui inimigo de Sirkis na luta armada”. O que não era cronologicamente possível, já que a entrada de Bolsonaro no exército é em 1973 e Sirkis havia partido para o exílio em Paris no ano de 1971, em saída com escalas por Buenos Aires e Santiago. Al Gore ainda remediar a incapacidade de diálogo civilizado da outra parte emendando que “então tinha escolhido a pessoa errada” como citação para quebrar o gelo.
Jair Bolsonaro não se fez de rogado. O enredo que nem as páginas de literatura saídas do realismo fantástico que por vezes retratam bufões ditadores latino-americanos comportariam dobrou. Afirmou que “a história recém passada no Brasil dos militares foi muito mal contada. A verdade sempre aparece”.
Defensor da tortura e de genocidas como seu herói Carlos Alberto Brilhante Ustra, Bolsonaro encontrou o silêncio no interlocutor, conhecedor da barbárie dos tempos que o presidente brasileiro considera terem sido “mal contados”.
As cenas que viralizaram no dia de ontem, publicadas originalmente nas redes sociais do professor e pesquisador Guilherme Casarões, estão no documentário “O Fórum”, que retrata os bastidores de uma sessão plenária do “Fórum Econômico Mundial”, em Davos, 2019.
Embora pareça impossível, o constrangimento tem tudo para ser ainda muito maior. É o que promete eventual eleição de Joe Biden, oficializado como candidato democrata para enfrentar Donald Trump no dia 3 de novembro.
Biden protagonizou maior momento de constrangimento das forças armadas brasileiras na décadaO até aqui favorito e líder das pesquisas já foi o protagonista do momento de maior constrangimento internacional para as forças armadas brasileiras na década.
Em 17 de junho de 2014, na condição de vice de Obama, Biden encontrou a então presidenta Dilma Roussef e entregou 43 documentos que permaneceram anos sigilosos no departamento de estado americano e que relatam como a ditadura militar (1964-1985) matou e torturou adversários do governo no período. O ex-senador, em caso de vitória, irá encontrar no Palácio do Planalto aquele que garantiu a Al Gore que a história foi “mal contada” e admirador confesso dos métodos relatados nos documentos bem conhecidos por Biden.
Enquanto Bolsonaro aposta em recontar a história ao seu modo como está na conversa com Al Gore, Joe Biden promete encarar o passado como mostram os documentos de seu país. Como disse para Dilma na ocasião:
“Espero que tomando medidas para enfrentar o nosso passado possamos encontrar uma maneira de nos concentrar na imensa promessa do futuro”, afirmou.
Os motivos para constrangimentos futuros vão além, fora também Bolsonaro ser defensor ferrenho do republicano Trump: na ocasião do encontro com Dilma, Biden prometeu entregar mais arquivos.
Em 2014, os documentos foram destinados a Comissão Nacional da Verdade e traziam relatos dos assassinatos e torturas repassados pelo então cônsul dos Estados Unidos no Rio de Janeiro passados ao estado americano por cabograma. Entre eles, o detalhamento de como adversários eram assassinados em centros de detenção e tortura e a imprensa era usada para se passar para a população de que morreram em confronto enquanto tentavam escapar da custódia da polícia. “A técnica de tiroteio está sendo usada cada vez mais”, explica o diplomata aos seus superiores em uma das comunicações, onde arremata ser tal modo utilizado “para lidar com o aspecto de relações públicas de eliminação de subversivos e evitar acusações de tortura na imprensa internacional”, sendo possível constatar assim que até durante a ditadura existia algum constrangimento em se assumir o horror, o que não é verificável hoje com o presidente brasileiro, ardoroso defensor das práticas.
Documentos reafirmam o que se sabia: que a tortura no Brasil foi política de estadoNos documentos repassados para a Comissão da Verdade estavam ainda a descrição das técnicas de tortura, muitas delas aprendidas com militares dos próprios Estados Unidos em locais como a Escola das Américas, estrategicamente situada naqueles tempos fora do país, então no Panamá, mas pertencente ao departamento de defesa americano. Entre militares brasileiros que frequentaram estava o brigadeiro João Paulo Burnier, que planejou o atentado ao gasômetro do Rio de Janeiro para botar a culpa em “comunistas”. Plano frustrado pelo capitão Sérgio Miranda, o Sérgio Macaco. Algumas dessas técnicas foram aqui aprimoradas e repassadas a vizinhos do continente. Tais como os relatos de presos “colocados nus em um piso de metal por onde pulsa corrente elétrica” ou ainda o “pau de arara” e “telefone”. Estão descritos ainda métodos de execução impossibilitando a identificação dos corpos onde presos eram metralhados da cabeça aos pés, conhecido como “costurar” a vítima, além de afogamentos para obter confissões.
Em alguns dos documentos existem comprovações do que já se sabia desde então e que hoje mais ainda há farta comprovação: do quanto a tortura e assassinato foi uma política de estado, partindo de Brasília, como está descrito na página de uma dessas comunicações (o grifo em roxo é edição da reportagem):
Na ocasião do encontro com Dilma Roussef, Biden prometeu revisão mais ampla por parte do governo Obama dos registros ainda classificados como “altamente confidenciais” dos EUA sobre o Brasil, entre eles documentos da CIA e do Departamento de Defesa. E no diálogo com a presidenta, afirmou que a atitude era necessária para que o país pudesse revisar o passado, o que segue sem ser feito, assim como no Brasil. “Espero que tomando medidas para enfrentar o nosso passado possamos encontrar uma maneira de nos concentrar na imensa promessa do futuro”, afirmou.
Por ocasião da entrega dos documentos, houve uma série de questionamentos por parte dos integrantes da Comissão da Verdade porque boa parte veio contendo tarjas em partes mais sensíveis e de grande importância, e seguem como dívida do governo americano.
Os documentos confirmam ainda que, além de fomentar golpes e governos praticantes de tortura e genocídio, os Estados Unidos lavaram as mãos em nome das relações. Como em intervenção registrada do embaixador William Rountree, na qual diz ao departamento de estado daquele país “que protestar abertamente contra os excessos do governo militar brasileiro será contraproducente e prejudicará nossas relações gerais”. E recomenda ainda oposição a uma parte da legislação de direitos humanos dos EUA conhecida como “Emenda Tunney”, que vincularia a ajuda para outros países a uma certificação do governo de que o regime brasileiro “não estaria envolvido em violações dos direitos humanos”.
O governo americano de então seguiu fielmente as orientações do seu embaixador no Brasil, mesmo diante dos relatos do mesmo como o de 8 de junho de 1971, onde contou que os números de extermínio estavam crescendo, mostrando-se muito bem informado. E da existência de um “esquadrão da morte” formado por policiais e comandado por homens como Sérgio Fleury, citado nominalmente e que eliminava opositores. Mas não só isso: os documentos mostram como a impunidade e cumplicidade daquele que foi o esboço das atuais milícias foram determinantes para a situação a qual nos encontramos hoje de domínio territorial em amplas partes do estado por parte dessas facções criminosas com braço na força policial. E o quanto operavam preferencialmente nas áreas menos favorecidas pelo estado. O relato do embaixador americano tem ainda sua curiosa tradução para o “jogo do bicho”: numbers racket.
ola lucio tudo bem? gosto muito do seu trabalho, principalmente o doc memórias de chumbo, ouvi o podcast muito mais do que futebol falando sobre a nba, gostaria de falar sobre minha interpretação da fala de Lebron no twitter. Você fala no podcast que a fala dele é contra o trump mas na verdade a fala dele é sobre algo geral, do tipo “estou cansado disso cara”, dito isto acredito que seja importante falar sobre o movimento que o próprio Lebron vem sendo voz ativa que é o more than a vote, um movimento que instiga os americanos a votar (coisa que lá não é obrigatória). Como você mesmo disse no podcast, é importante mostrar que mesmo em um pensamento “americano/capitalista” a vontade de trazer pessoas para um questionamento e pensamento politico se faz importante em outra áreas como o esporte.
desde ja obrigado se vier a ler meu comentário, vindo apenas de uma vontade de conversar.
Pedro