Funcionário concorria contra a própria empresa em licitação da CBV
O “Relatório de Inteligência Financeira (RIF)-15458” do COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) ilumina o caminho que o dinheiro percorria depois de deixar as fontes públicas (Banco do Brasil e Ministério do Esporte), passar pela Confederação Brasileira de Vôlei (CBV) e chegar até a S4G, empresa de Fábio Azevedo, braço direito de Ary Graça. E revela personagens com multifunções nessa teia. Como Jorge Roberto Miranda, da SMiranda Eventos e suas diferentes atividades, vividas ao mesmo tempo.
No RIF-15458, a SMiranda Eventos aparece como beneficiária de transferências por parte da S4G (R$ 46.579,59). Em outra situação, como no Convênio entre o Ministério do Esporte e a CBV, a Smiranda aparece na fase de tomada de preço disputando os valores com a mesma S4G de quem recebe transferências bancárias. E a reportagem encontrou registro do dono da Smiranda apresentado como funcionário da S4G no mesmo período em que concorria com ela na licitação do ministério.
Revelado em reportagem do “Dossiê Vôlei” de 27/3/2015, publicado na ESPN, o Convênio 776592/2012, envolvendo o Ministério do Esporte e a CBV, que trata sobre a contratação de empresa para o projeto de “Organização e Produção do Campeonato Brasileiro de Seleções Estaduais de Voleibol 2013”, mostra a engrenagem construída para a concorrência: as cinco empresas envolvidas nas diferentes fases do processo tinham laços com a entidade contratante, CBV. Uma delas, participante da fase final da licitação, é de uma sobrinha de Ary Graça, então presidente da CBV. As demais eram de pessoas ligadas a S4G, a própria CBV ou a Smiranda. Sendo que a própria S4G participou da fase de tomada de preços do certame. As cinco empresas envolvidas na licitação foram constituídas quase ao mesmo tempo, em menos de três meses, entre 10/9/2010 e 29/11/2010:
S4G GESTÕES DE EVENTOS – 10/9/2010 – Empresa do braço direito de Ary Graça
FIGTREE PRODUÇÕES E EVENTOS – 7/10/2010 – sobrinha de Ary Graça
MANGUINHOS PRODUÇÕES – 8/10/2010- ex-funcionária da CBV, estava na S4G na época da tomada de preços da licitação
SALTO PRODUÇÕES E EVENTOS – 15/10/2010 -Assistente da presidência de Ary Graça na CBV, estava na S4G na época da licitação
SMIRANDA PRODUÇÕES – 29/11/2010- Ex-CBV, da S4G na época da licitação, além da própria empresa aberta. Aparece no RIF recebendo da S4G.
Das cinco empresas, três delas (Salto, Figtree e Manguinhos) têm ainda outro ponto em comum. Na Receita Federal, consta como contato do trio de empresas o mesmo contador: Carlos Manuel Duarte Abreu. De acordo com relatório da CGU, Carlos Manuel Duarte Abreu era funcionário da CBV, além de assinar as demonstrações contábeis da entidade.
A Smiranda foi a vencedora da disputa de uma dessas frações do montante total em um contrato de R$ 4.749.931,48 (quatro milhões, setecentos e quarenta e nove mil, novecentos e trinta e um reais e quarenta e oito centavos) no convênio com o Ministério do Esporte, ficando com a “Organização e Produção”, no valor de R$ 213.545,44 (duzentos e treze mil, quinhentos e quarenta e cinco reais e quarenta e quatro centavos) por cada uma das oito etapas do projeto.
A fase de tomada de preços do convênio ocorreu em setembro de 2012, com Smiranda e S4G em disputa entre elas. E a licitação em fevereiro de 2013, com a Smiranda na disputa e se saindo vencedora.
O Ministério do Esporte, através de sua assessoria de imprensa, afirmou então: “Na fase da análise para celebração de proposta, a entidade levanta orçamentos para que sejam demonstrados os parâmetros de preço de mercado. Geralmente são utilizados três orçamentos de empresas diferentes. Após a formalização do convênio, quando for contratar produtos e/ou serviços, a entidade deve realizar os procedimentos licitatórios, conforme a legislação específica, podendo participar nessa fase tanto empresas que foram orçadas na fase de análise da proposta quanto qualquer outra empresa, desde que observando os valores de mercado”.
Na literatura sobre o tema, a tomada de preços, quando Smiranda e S4G se enfrentaram, é uma fase considerada crucial. “Nesta fase podem ocorrer diversos tipos de fraudes como montagem de licitação, acordo prévio, acerto de preços, superfaturamento e habilitação de empresas inexistentes”, como mostra “Uma análise diante das vulnerabilidades das licitações públicas no Brasil” (José Luciano de Oliveira, Descartes Almeida Fontes, Rodrigo Alexandre e Bruno Andrey).
No entanto, um e-mail entre Fábio Azevedo (S4G) e os responsáveis pelo time de vôlei de Volta Redonda, obtido agora por esta Agência Sportlight de Jornalismo Investigativo, e que está no processo 0022157-07.2013.8.19.0066, que o clube moveu na justiça contra a S4G, Fábio Azevedo, dono da S4G, em fevereiro de 2013, apresenta Jorge Roberto Miranda como funcionário da S4G. Miranda está copiado entre os destinatários do e-mail com endereço corporativo da S4G. “A S4G, na pessoa do Miranda (c/c), será a responsável por receber a demanda do Sylvio e providenciar a contratação dos referidos serviços”, diz a correspondência, escrita no mês em que o mesmo Jorge Miranda aparece concorrendo contra a S4G em nome da Smiranda. (no processo, o e-mail anexo ao pé desta matéria aparece com a data borrada mas a reportagem checou e confirmou a data como fevereiro de 2013). Ou seja: no mesmo período em que aparece em uma licitação da CBV no Ministério do Esporte concorrendo contra a S4G representando a Smiranda, aparece também em documento representando a S4G.
De acordo com o balancete da CBV, a Smiranda recebeu mais de R$ 1 milhão, durante cinco meses em 2013Não param por aí as múltiplas funções do sócio da Smiranda nesta teia. Quando os contratos da S4G são extintos, em 30/7/2013, em virtude dos conflitos internos gerados no momento em que os contratos assinados por Ary Graça vieram à tona, é a Smiranda que assina novos acordos com a CBV. De acordo com o relatório da CGU que mostrou os problemas da gestão da CBV, “imediatamente após a extinção dos contratos com a S4G Planejamento e Marketing e a S4G Gestão de Eventos em 30/7/2013, a CBV assinou em 1/8/2013, com vigência até 31/12/2013, contrato com a Smiranda Eventos ltda, cujo objeto é a prestação de serviço de gerenciamento, planejamento e produção dos grandes eventos do vôlei de quadra e praia no Brasil, ou seja, substituindo os serviços prestados pelas duas S4Gs. De acordo com o balancete da CBV, a Smiranda recebeu mais de R$ 1 milhão, durante cinco meses em 2013”.
O relatório da CGU aponta ainda “emissão de notas sequenciais” da Smiranda para a CBV. E descreve data, número e valor de 10 notas fiscais emitidas entre 5/11/2013 e 11/12/2013. Citando ainda que a Smiranda subcontratou também a Eco Graphics Serviços e Comércio ltda, sociedade da mulher de Fábio Azevedo, da S4G com o irmão do mesmo. Esta, por sua vez, de acordo com a CGU, recebeu ainda R$ 928 mil no mesmo ano, “prestando serviço a CBV por meio da S4G”.
Um outro relatório, da auditoria PWC, ao qual a reportagem teve acesso, identifica um adiantamento de R$ 60 mil em 3/4/2013 para a Smiranda, “para pagamento de despesas referentes a final da Superliga”. Mas, de acordo com o relatório, “o contrato 1757 com a Smiranda Eventos ltda foi firmado somente dia 1/8/2013, quatro meses depois desse adiantamento”. Em 15/5/2014, período logo seguinte as primeiras reportagens do “Dossiê Vôlei”, a SMiranda teve baixa. Na base de dados da Receita Federal, consta como causa a “extinção”.
A licitação do o Convênio 776592/2012 na qual Smiranda e S4G se enfrentaram é de valor três vezes maior do que a licitação que gerou a “Operação Águas Claras” e levou o presidente da CBDA, dirigentes e empresários para a cadeia. A operação flagrou fraude em concorrência da CBDA no valor de R$ 1,5 milhão.
A denúncia do Ministério Público Federal (MPF) no caso da licitação de valor três vezes menor foi por montarem organização criminosa. De acordo com o MPF: “1) a formação de uma organização criminosa (artigo 2º da lei 12850/13) pelos dirigentes denunciados e os sócio-proprietários das empresas Natação (Haller Ramos de Freitas Júnior e José Nilton Cabral da Rocha) e Competidor (Monica Pereira da Silva Ramos de Freitas, mulher de Haller, e Keila Delfini da Silva) para fraudar licitações para a compra de materiais esportivos, mediante o uso de documentos ideologicamente falsos, que resultaram em desvio de mais de R$ 1 milhão em recursos do Ministério dos Esportes para a CBDA, que os acusados desviaram para fins particulares, praticando também, portanto, os crimes de peculato (artigo 312 do cpb), fraude à licitação (artigo 90 da lei 8666/93) e falsidade ideológica (artigo 299 do cpb);
A Agência Sportlight de Jornalismo Investigativo enviou uma série de questões para Ary Graça e Fábio Azevedo para reportagens em execução. Entre elas, sobre as transações financeiras com a Smiranda. A resposta para as diversas questões, através da assessoria de imprensa, é a seguinte:
“Em relação a seu pedido de respostas para as perguntas relacionadas ao citado relatório do Coaf devo dizer que o relatório não é de conhecimento do Fábio. O Coaf não o informou de nada e não solicitou qualquer esclarecimento. Dessa forma, não há como responder perguntas, extraídas de um documento que o órgão mencionado não enviou ou deu ciência de sua existência. Não tenha dúvidas de que acontecendo isso ele terá então as respostas. O presidente Ary Graça também não tem conhecimento do relatório mas a resposta a sua pergunta é não. Não haveria razão para que ele tivesse conhecimento de movimentação financeira interna da S4G ou qualquer outra empresa prestadora de serviços”.
A reportagem enviou questões também para Jorge Roberto Miranda, da Smiranda, sem resposta.
Questões sobre o RIF e as empresas em questão acima também foram enviadas para a CBV, que respondeu através da assessoria de imprensa:
“A Confederação Brasileira de Voleibol (CBV) não foi notificada quanto ao relatório em questão nem recebeu qualquer solicitação de informações a respeito. Vale ressaltar que as empresas citadas em sua pergunta não mais prestam serviços à CBV. A CBV, desde 2014, vem trabalhando no aprimoramento dos seus processos internos, tendo adotado diversas medidas nesse sentido”.
Parabéns Lúcio mais uma vez , ajudando a mostrar a pouca vergonha que é o esporte no Brasil.Infelizmente não acaba aí, torcendo muito para que vc continue com essa força, muito obrigado pelo seu trabalho Bebeto
Bebeto já falava disso há muito tempo. Tenho o maior respeito por ele. Um grande abraço!
Só craques, Lúcio, Bebeto, e Chico Lins.
Parabéns pela pesquisa, Lúcio, como disse o Bebeto, espero que você tenha fôlego pra continuar a nos mostrar as mazelas do nosso esporte.
Abraço.
Que vergonha!