Presidência nega informações sobre comitiva momesca da Marambaia. Reportagem entra com recurso. Leia:
No último dia 10 de fevereiro, o avião presidencial levantou voo de Brasília. Destino: Cadim (Centro de Adestramento da Ilha da Marambaia), uma base da Marinha na costa verde do Rio de Janeiro. Um paraíso de restrito acesso, localizado no lado oeste da Restinga de Marambaia.
Era sábado de carnaval. Nunca o frequente chavão “voo da alegria” foi tão apropriado. Inicialmente, o noticiário falou em 58 integrantes na comitiva da farra momesca de Michel Temer, Marcele Temer e Michelzinho. Diante da imensa repercussão com a dimensão da proporção do furdunço, a presidência anunciou que o número era demasiado. Que iriam apenas 40.
Num centro onde 320 militares vivem permanentemente para desempenho da segurança e dos serviços gerais, diante do espanto da nação com o tamanho da comitiva, o Gabinete de Segurança Institucional (GSI), se adiantou e comunicou que o número elevado se devia ao fato de que a equipe a acompanhar Temer no carnaval seria formada por “seguranças, médicos, enfermeiros, integrantes da comunicação e funcionários da cozinha da Presidência”.
Ainda assim, o número parece extremamente elevado. Muito mais apropriado para um “Baile da Marambaia” do que para os serviços gerais da presidência. Tudo, obviamente pago pelo contribuinte.
Diante do histórico do presidente de acolhidas pouco usuais nas dependências palacianas, que vão desde visitas de Eduardo Cunha, fora da agenda, em 26 de junho de 2016, nas trevas do Jaburu, até outros tantos abaixo enumerados (ver “íntegra do recurso” abaixo), era evidente o interesse público e jornalístico de se saber quem fazia parte de tal comitiva.
Que poderiam ir desde seguranças, médicos, cozinheiros citados, até quem sabe habitués das dependências palacianas, como Rocha Loures, Geddel, Moreira Franco e outros tantos com longa folha corrida. Passando até por funcionários nomeados no gabinete, como Leandra Brito, empregada como assessora do Gabinete de Informação em Apoio à Decisão, órgão responsável por levantar informações para o presidente, mas que reportagem do colunista Lauro Jardim, do Globo, descobriu ser a babá de Michelzinho.
”Sempre pela garagem, viu?”Assim, é evidente o interesse público de tais informações. Questões como quem eram os convidados de Temer para a folia, se a sra Marcele Temer tinha convidados, quem eram, se existiam políticos, empresários, envolvidos e denunciados na Lava Jato.
Ao contrário de outros carnavais, com outros presidentes, não houve cobertura nem interesse da imprensa em fazer plantão na Marambaia. Se nos anos 90, de Fernando Henrique Cardoso, a imprensa chegou a publicar fotos da primeira-dama, dona Ruth na Marambaia, com Lula também marcou cerrado até flagrar carregando isopor de cerveja, e na Reserva de Aratu (BA), não fez por menos com Dilma, colhida no banho de mar, com Temer não houve tal preocupação, nada se publicou.
Mesmo diante da conhecida névoa sobre os convidados de Temer a ingressar suas dependências, simbolizada exemplarmente no imortal diálogo do “Porão do Jaburu”, quando Temer deu as coordenadas para que Joesley sempre adentrasse ali fora da agenda: “sempre pela garagem, viu?”.
O diálogo ia além, e deixava explícito o drible na imprensa. Vale recordar:
Temer: “(lninteligivel) sempre pela garagem, viu?”
Joesley: “Funcionou super bem, à noite …”
Temer: “É.”
Joesley: “… onze hora da noite, meia-noite, dé … dez e meia, vem aqui.”
Temer: “(Ininteligível). Não tem imprensa.”
Diante de tamanhas máculas e o sistemático drible na agenda oficial, provavelmente inédito na história republicana, torna-se obrigatória a questão: quem era a trupe carnavalesca de Michel e Marcele na Marambaia que o dinheiro público sustentou?
Qual foi o tamanho da festa? Quem eram os convidados? Ainda que realmente sejam médicos, seguranças, etc, é obrigatório que seja público.
Em busca de algumas destas respostas, esta reportagem ingressou com pedido de Lei de Acesso à Informação ainda na quarta-feira de cinzas, 14 de fevereiro.
No pedido 00077.000219/2018-52, a solicitação: “a relação com o nome de todos os passageiros que fizeram parte da comitiva presidencial no voo no dia 10 de fevereiro. Caso tenha havido mais de um voo para a comitiva, a relação do nome dos passageiros dos dois voos”.
Na certeza de que tal comemoração de carnaval, com dinheiro do contribuinte, necessariamente deve estar sob alcance do escrutínio público. E que, nem de longe, cogita saber sobre a vida privada. Como está no recurso abaixo copiado, ninguém pretende saber como se brincou, se assitiram a homenagem da Tuiuti na televisão ao anfitrião da Marambaia, se brincaram de mímica, se tomaram umas e outras, se Dona Marcele e o presidente dizem no pé e outras questões mundanas. Saber apenas a relação dos convidados que viajaram com dinheiro público é evidente prerrogativa no estado de direito.
No entanto, ontem, dia 7 de março, exato um ano depois do encontro célebre da entrada pela garagem de Joesley, chegou a resposta da presidência ao processo de Lei de Acesso, através do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República. O pedido de acesso a informação sobre a lista dos que viajaram para Maramabaia na comitiva presidencial foi negado.
Como está previsto, esta reportagem formulou recurso, ao qual o Gabinete da Presidência tem 10 dias para responder. Na certeza de que a porta do estado de direito não é “sempre pela garagem” e que o desejo de “não ter imprensa” na entrada da garagem não pode ser regra, o recurso abaixo foi encaminhado. Segue:
Íntegra do recurso interposto por esta reportagem:
Prezado Sr Gestor do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República,
Prezado Secretário-Executivo Adjunto do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, responsável pelo acolhimento deste recurso em primeira instância,
Venho por meio desta breve formulação e pleito, recorrer da injustificável negativa ao acesso à informação solicitado no pedido 00077.000219/2018-52, cujo teor era a “relação com o nome de todos os passageiros que fizeram parte da comitiva presidencial no voo no dia 10 de fevereiro. Caso tenha havido mais de um voo para a comitiva, a relação do nome dos passageiros dos dois voos”.
A negativa ao acesso, que evoca o parágrado 2º do artigo 24 da Lei nº 12.527, está, em toda sua extensão, repleta de arbitrariedades, notabilizando-se pela absoluta falta de zelo e respeito ao estado democrático de direito e seus instrumentos de transparências, tais como a Lei de Acesso à Informação.
Formulada a partir de oito conceitos básicos para os chamados Dados Governamentais Abertos (DGA), a lei tem em sua essência e alma, a ideia de que “dado público é o dado que não está sujeito a limitações válidas de privacidade, segurança ou controle de acesso”.
Ora, assim sendo, resta claro que em momento algum a demanda formulada por este autor fere tal princípio básico e o parágrado 2º do artigo 24 da Lei nº 12.527, citado como justificativa.
Na medida em que tal parágrafo da lei determina veto ao acesso a “informações que puderem colocar em risco a segurança do Presidente e Vice-Presidente da República e respectivos cônjuges e filhos (as) serão classificadas como reservadas e ficarão sob sigilo até o término do mandato em exercício ou do último mandato, em caso de reeleição”, nada justifica tal resposta, considerando-se que o pedido é a solicitação da relação daqueles que usaram o transporte do estado, com custo de verba pública.
É notório que tal pedido não entra em momento algum na intimidade do Sr Michel Temer, da cônjuge, sra Marcela Temer ou filho, Michel Miguel Elias Temer Lulia Filho, mais conhecido como Michelzinho e de seus convidados. Não há qualquer pretensão em se saber o que fizeram na Restinga de Marambaia naqueles dias da folia carnavalesca ou ainda se a família assistiu junta ao desfile da Paraíso de Tuiuti com a respectiva homenagem ao patriarca. (pedido de recurso segue depois da imagem abaixo:)
Assim, portanto, é absolutamente indevido considerar qualquer risco a segurança ou ainda violação a privacidade da família do Sr Michel Temer no pedido.
É preciso considerar ainda que a viagem do Sr Michel Temer foi inicialmente noticiada na imprensa, como sendo a de uma comitiva de 58 (cinquenta e oito pessoas). Após a estrondosa repercussão, a notícia corrente é de que foram 40 integrantes da caravana momesca.
Ora, é imperativo para o normal funcionamento das instituições republicanas a transparência quanto ao nome e função de cada um diante do notoriamente robusto grupo envolvido nos dias de festa, dado ao já citado gasto por parte do contribuinte.
Novamente resta claro que tal pedido não fere de forma alguma qualquer norma de segurança ou intimidade, até porque não faz parte dos hábitos palacianos do atual ocupante a formalização em agenda pública dos encontros nos quais pretende privacidade. Como foram os encontros com Joesley Batista, na alcova do Jaburu, há rigorosamente um ano da data em que se formula esse pedido (Jaburu, 7/3/2017), ou ainda em seus encontros notórios com o ministro Gilmar Mendes, 27/6/2017, na casa do ministro, ou como o de 12/11/2017 com o mesmo Gilmar, tendo na véspera estado, também fora da agenda com José Yunes e Paulo Skaff, ou ainda em 15 de janeiro do ano corrente com o então diretor da PF, Fernando Segovia. Também antes da posse da PGR, Raquel Dodge, em 10/8/2017. E ainda outros tantos. Portanto, é notório de que os encontros palacianos feitos com intenção de negar transparência à nação foram fora da agenda. Salvo na comitiva da festa profana ter tido parte alguma figura do porte de um Rocha Loures, similar a um Eduardo Cunha ou ao coronel João Batista Filho, é mister que se dê transparência a tal relação de nomes.
Finalizando, fica a lembrança aqui das palavras definitivas do filósofo Norberto Bobbio, que tão bem tratou sobre temas afins ao pleno funcionamento do estado de direito, para quem, a república democrática “exige que o poder seja visível. As reuniões da assembléia devem ser abertas ao público de modo a que qualquer cidadão a elas possa ter acesso”. Em nome deste pleno funcionamento, é uma exigência da cidadania a divulgação de tais nomes.
Você foi o único a tocar neste assunto. Agora espero pelo nome do dono (s) dos cinco milhões de dólares roubados do aeroporto. Parabéns.
Parabéns Lúcio!