Ex-“trepidante” investigado por corrupção com Crivella ganhou quase três vezes mais no governo de Eduardo Paes

Uma década de ouro. Para alguns.
Mais exatamente R$ 201.589.038,41 (duzentos e um milhões, quinhentos e oitenta e nove mil, trinta e oito reais e quarenta e um centavos). Foi o valor dos contratos assinados por Elso Venâncio com a prefeitura do Rio de Janeiro entre agosto de 2009 até hoje. Os ganhos no período atual, com Marcelo Crivella, que totalizam R$ 58.670.828,19 (cinquenta e oito milhões, seiscentos e setenta mil, oitocentos e vinte e oito reais e dezenove centavos), estão sendo investigados pelo Ministério Público estadual por suspeita de esquema de corrupção, com pagamento de vantagens ilícitas pelos acordos.
Mas é no período dos dois governos Eduardo Paes (1/1/2009 a 31/12/2016) que a MKTPLUS Comunicação e a Sportplus Marketing Esportivo, empresas do ex-radialista, tiveram seus maiores ganhos.
Nos anos de Eduardo Paes, Elso Venâncio e seus sócios chegaram a R$ 142.918.210,22 (cento e quarenta e dois milhões, novecentos e dezoito mil, duzentos e dez reais e vinte e dois centavos) em contratos firmados (valores não corrigidos pela reportagem).
Enquanto Crivella negociava com a MKTplus, Paes teve como fornecedor tanto a MKTplus como a Sportplus, do mesmo grupo. Com os dois prefeitos, os objetos dos contratos giravam na maior parte das vezes na produção dos eventos das gestões.
Numa cidade em crise e com carência de verbas em áreas estratégicas, graves problemas na saúde e educação, ambos pagaram milhões para tais empresas envolvidas no esquema de corrupção com o pretexto de organizar festas, almoços, coqueteis, inaugurações e homenagens.
Um evento para entregar a chave da cidade ao Rei Momo durante o mandato de Paes valeu repasse de R$ 500 mil para o grupo de Elso Venâncio. No mesmo período, há registro de um almoço para o ex-presidente da CBF, Ricardo Teixeira, expulso da Fifa por corrupção, que custou R$ 50 mil ao contribuinte carioca. Uma confraternização de fim de ano da Casa Civil valeu R$ 212 mil e outros almoços e reuniões do secretariado levaram R$ 3 milhões. Crivella seguiu a toada e manteve o fornecedor para organização das festas da municipalidade.
Valor dos contratos de Elso Venâncio com Eduardo Paes através da MKTPLUS: R$ 87.121.600,73
Valor dos contratos de Elso Venâncio com Eduardo Paes através da SPORTPLUS: R$ 55.796.609,49
Total nos mandatos de Eduardo Paes: R$ 142.918.210,22
Valor dos contratos de Elso Venâncio com Marcelo Crivella através da MKTPLUS: R$ 58.670.828,19
Total de contratos de Elso Venâncio nos dois mandatos: R$ 201.589.038,41
A continuação do mesmo fornecedor que ganhou milhões nos anos de Eduardo Paes foi uma construção de Rafael Ferreira Alves, preso na operação e apontado como o cabeça e principal operador do esquema de Marcelo Crivella.
Mesmo sem ter qualquer cargo na prefeitura, Rafael Alves tratava sobre contratos de empresas fornecedoras, em troca de vantagens ilícitas. Nas mensagens encontradas nos celulares apreendidos pela justiça, foram encontradas conversas em que o operador de Crivella tratava sobre aditivos para a MKTPLUS. Assim como um esquema que, de acordo com a denúncia do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, “agilizava pagamentos a empresas específicas e interferindo nos processos de licitação, de forma a beneficiar aqueles empresários que assentiam em pagar propina ao grupo criminoso aparentemente gerenciado pelo homem de confiança do prefeito Marcelo Crivella, Rafael Alves, que, por sua vez, contava com o doleiro Sérgio Mizrahy para “branquear” os valores recebidos”. A peça fala até em “cartões usados para o abastecimento de combustível emitidos em nome da Riotur e da MKTPLUS COMUNICAÇÕES” encontrados na busca e apreensão realizada na casa de Rafael Alves.
“Corrupção passiva, peculato, fraudes a licitações, lavagem de dinheiro, crimes de responsabilidade e pertencimento a organização criminosa”Elso Venâncio e o filho Rodrigo, sócio do pai, estão citados pela justiça do Rio pelos crimes de “corrupção passiva, peculato, fraudes a licitações, lavagem de dinheiro, crimes de responsabilidade e pertencimento a organização criminosa”.
Elso Venâncio ficou conhecido como repórter esportivo da Rádio Globo. Numa época sem concorrência da internet e dos canais por assinatura e em que os responsáveis pelas coberturas dos clubes e transmissões de jogos da emissora alcançaram grande popularidade e ficaram conhecidos como “os trepidantes”. Eram aguardados com grande expectativa diariamente nos programas da noite para tratar sobre os bastidores dos times e atividades daquele dia. Se notabilizaram como “trepidantes” nomes como Kleber Leite, Loureiro Neto, Washington Rodrigues (antes de virar comentarista), Deni Menezes, Eraldo Leite. O “trepidante” Elso Venâncio atingiu fama naquele momento por cobrir durante 11 anos o Flamengo, carro-chefe da programação.
Igualmente conhecido por suas participações nas transmissões do histórico Flamengo de 81, Kleber Leite deixou o jornalismo e partiu para o mercado de publicidade. Pouco tempo depois foi Elso Venâncio. Nos anos 90 deixou de ser radialista e seguiu o caminho aberto por Kleber Leite, indo disputar o mercado de publicidade dos estádios de futebol. Ganhou diversas concorrências no Brasil, destacando-se no Rio e no Maracanã, administrado pela Suderj, que tinha Francisco de Carvalho, o Chiquinho da Mangueira, na presidência, que depois foi preso, denunciado por corrupção.
Em 27 de maio de 2015, Kleber Leite viu sua empresa, a Klefer, ser alvo de uma operação da Polícia Federal e do Ministério Público Federal, pedido da Justiça americana feito junto ao Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI) do Ministério da Justiça do Brasil e autorizada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). A ação era parte do processo que corre nos Estados Unidos e investiga o escândalo de corrupção da Fifa.
Ex-trepidantes Kleber Leite e Elso Venâncio: milionários e acossados pela justiça por escândalos de corrupçãoNo processo, conhecido como “Fifagate”, o “Co-Conspirador 6” é descrito como um “ex-funcionário da Traffic e dono da “Sports Marketing Company B”. Apenas Kleber Leite se encaixa em tais definições.
O processo da justiça americana traz denúncia do “Co-Conspirador 2” (cujas descrições apontam como sendo J. Hawilla, que depois veio a falecer), contra aquele que se encaixa em Kleber Leite: “Co-Conspirador 2, que considerou que “Co-Conspirador 6″, seu ex-funcionário na Traffic Brasil, roubava seu negócio com a CBF”.
Na sequencia, a ação prossegue descrevendo como se deu o conflito e o posterior acerto entre a empresa que chamam de “Sports Marketing Company B” e a Traffic, assim como os pagamentos de suborno posteriores para Ricardo Teixeira e depois para José Maria Marin com detalhes, sobre quantia, como se usou a rede bancária americana e datas.
O empresário não deixa o Brasil desde então, para não correr risco de ser preso no exterior. Em 27 de dezembro de 2016, a Agência Sportlight de Jornalismo revelou a existência de uma Klefer no paraíso fiscal das Bahamas.
Elso Venâncio e Kleber Leite concorreram por anos disputando o mesmo mercado mas chegaram a ser sócios. Os dois apareceram juntos na “SK1 Tecnologia em Entretenimento Copa do Mundo ltda”, aberta em fevereiro de 2013 e fechada um ano depois, em abril de 2014, com sede no endereço da Klefer, em Botafogo.
O tradicional quadro de jornalismo e sempre repetido “Por onde anda” irá encontrar os ex-“trepidantes” Kleber Leite e Elso Venâncio assim: ambos milionários e acossados pela justiça por escândalos de corrupção.
Outro lado:
A reportagem enviou para o ex-prefeito Eduardo Paes a questão abaixo:
Durante os dois mandatos na prefeitura do Rio, o senhor fechou contratos com a MKTPLUS Comunicação no valor de R$ 87.121.600,73. A empresa é investigada por seus contratos com a prefeitura pelos contratos na atual gestão de Marcello Crivella. Além dos contratos com a MKTPLUS, durante esses dois mandatos, o senhor também teve acordos com a SPORTPLUS MARKETING ESPORTIVO LTDA, do mesmo dono da primeira citada, no valor de R$ 55.796.609,49. O total em contratos com empresas desse grupo nos mandatos do senhor foi de R$ 142.918.210,22. Diante das atuais denúncias, gostaria que comentasse sobre a quantidade e valor dos contratos citados na gestão do senhor. E ainda a razão de tamanha concentração em uma mesma empresa.
Resposta de Eduardo Paes através da assessoria de imprensa:
“Os contratos com as referidas empresas foram realizados por diversas secretarias da administração municipal, todos através de processos licitatórios, pregões e atas de registro de preços. Vale destacar ainda que durante os oito anos de gestão, a prefeitura realizou diversos eventos paralelos em função dos compromissos assumidos, por exemplo, com os Jogos Mundiais Militares 2011, a Jornada Mundial da Juventude 2013, a Copa do Mundo 2014 e os Jogos Olímpicos e Paralímpicos Rio 2016.Tanto os editais, quanto os contratos foram referendados pela Procuradoria Geral do Município (PGM) e encaminhados ao Tribunal de Contas do Município (TCM)”.
Elso Venâncio:
A reportagem não conseguiu contato com Elso Venâncio através das empresas.
Lembram aquela velha expressão “carreira de sucesso”? Parece estar decadente, quase em extinção. Há os que abandonam suas trajetórias profissionais e se lançam de peito aberto à “nova politica” em pleitos eleitorais, com ex-juízes, médicos ou engenheiros e aqueles que se abrigam no guarda-chuva de esquemas com gente da mesma estirpe. Bem-vinda as descobertas do Ministério Público, Polícia e Justiça e ainda do nisso bravo e escasso jornalismo investigativo. Remédios ou vacinas, assim como para o combate ao Sars Cov 2, parecem ainda distantes.