General Pazuello alegou “uso não comercial” em vantajoso contrato com Infraero de empresa que faturava R$ 6 mil por aluno de paraquedismo

Foram 13 anos nas nuvens. Céu perfeito para os negócios.
Com aluguel irrisório, o general Eduardo Pazuello, homem de confiança e muito próximo ao presidente da República e agora ministro da saúde interino, manteve o “Clube Barra Jumping Paraquedismo” usufruindo das instalações do Aeroporto de Jacarepaguá, zona oeste do Rio de Janeiro, entre 1997 e 2010. Sob a fachada de “não realizar atividade comercial” e enquadrado como “entidade aerodesportiva”. No entanto, a reportagem encontrou inúmeros registros de bons lucros ao longo dessa quase década e meia.
Sem licitação e pagamento praticamente simbólico, o militar celebrou o primeiro contrato de concessão de uso do local com a Infraero, empresa pública, (Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária) em 1º de setembro de 1997. Sem qualquer obrigação de investimento. Na Receita Federal, a empresa aparece como aberta três meses antes da assinatura, em 26 de junho de 1997.
Além de desobrigar qualquer inversão de capital, o contrato continha os seguintes pontos: dispensa de licitação, duração de 12 meses e um valor mensal fixo muito abaixo do mercado, estabelecido então em R$300,00 (trezentos reais) de então, equivalentes a R$1.640,15 de hoje(mil seiscentos e quarenta reais e quinze centavos, corrigidos pelo IGP-M). O preço da venda de dois saltos duplos, como está descrito mais abaixo.
Com assinatura do agora general Pazuello representando o “Clube Barra Jumping Paraquedismo” na condição de presidente e Marcelo Araripe S.Oliveira, também militar e paraquedista, como vice.
O casamento e o contrato de Eduardo Pazuello, paraquedista de formação militar e que ainda não era general, posto que atingiu em 2014, com a Infraero, acontece em um momento em que a estatal ainda era recheada de militares e vinculada ao ministério da infraestrutura. No ano da assinatura, a Infraero fazia parte do ministério da aeronáutica e era presidida pelo tenente-coronel da aeronáutica, Adir Silva.
Do primeiro contrato de 1997 até 2010, novos contratos e aditamentos vieram. Sempre sem licitação.
Em 2004, no quinto aditamento, a empresa do general Pazuello obteve ainda uma redução no contrato, saindo de R$1.045,00 (atuais R$ 2.587,16) para R$731,50, atuais R$ 1.811,01 pelo uso da área do aeroporto de Jacarepaguá pela empresa.
Mesmo com o módico preço, a empresa passou por período inadimplente em 2004, o que levou, segundo a ação, a Infraero a chegar a pedir reintegração de posse. Mesmo inadimplente, novos aditamentos foram celebrados entre as partes.
Ação do MPF questionou contratos da empresa do general com a InfraeroDe novembro de 2007 em diante, outro integrante da família do general Eduardo Pazuello passa a representar o “Clube Barra Jumping” na relação com a Infraero, Luiz Guilherme Pazuello.
Em 2010, um pregão é realizado, desta vez para instalação comercial de atividade de escritório administrativo, com a função de “apoiar atividades de instrução e lançamento de paraquedismo ou escola de acrobacia aérea” do “Clube Barra Jumping”. Assim, além do uso das instalações para a empresa, uma sala seria parte do negócio.
É quando a relação comercial entre o “Clube Barra Jumping Paraquedismo” e a Infraero chama a atenção do Ministério Público Federal do Rio de Janeiro (MPF-RJ).
Em uma ação na justiça, o MPF afirma que “houve flagrante direcionamento no único processo licitatório realizado entre as partes”, com o edital determinando que as salas a serem licitadas fossem “destinadas única e exclusivamente a instalação comercial de atividade de escritório administrativo de apoio às atividades de instrução e lançamento de paraquedismo ou escola de acrobacia aérea”. Observa ainda o MPF que “Tal determinação restringiu o número de possíveis interessados e somente duas empresas se apresentaram, tendo cada uma vencido em relação a uma sala”. Para completar, a ação mostra que as duas empresas eram formadas por sócios a partir da composição do “Clube Barra Jumping Paraquedismo”.
General afirma que empresa “não teve uso comercial”A ação vai além. Enumera ano a ano da relação entre a Infraero e a empresa de Eduardo Pazuello, mostrando os valores do aluguel. E conclui que o agora ministro da saúde, “ao celebrar os contratos de concessão de uso nº2.97.65.042-4, nº2.98.65.012-6, nº2.99.65.047-2, bem como os cinco aditamentos e o contrato nº02.2007.065.007, com dispensa irregular de licitação, beneficiou-se de atos de improbidade de agentes da Infraero, causando prejuízos aos cofres públicos”. Além dos citados, alega que o de 2008 feriu ainda o princípio da isonomia, e que deveria ter sido declarada a nulidade da concessão.
Na defesa, o general Eduardo Pazuello e os demais sócios, assim como a Infraero, também ré, “sustentaram que a empresa Barra Jumping é considerada entidade aerodesportiva, segundo o art. 97, do Código Brasileiro de Aeronáutica e não realiza atividade comercial”. E que “a atividade de paraquedismo é classificada como operacional essencial do aeroporto, justificando a dispensa de licitação”.
Toda defesa está sustentada em cima do “Barra Jumping” ser um aeroclube e que, de acordo com o artigo 97 do Código Brasileiro de Aronáutica, tais clubes “uma vez autorizados a funcionar, são considerados como de utilidade pública”. Por entidade de utilidade pública se entende uma “organização (associação ou fundação) orientada para fins de interesse geral e que presta serviços, de maneira desinteressada, à sociedade”.
Em junho de 2016, o processo é julgado no Tribunal Regional Federal da 2ª Região, Rio de Janeiro. A tese da defesa de que não houve realização de atividade comercial prospera e tanto o general Pazuello, demais réus e Infraero saem vencedores, com a sentença de que é improcedente “a presente ação civil pública de improbidade administrativa, em virtude da ausência de comprovação de prejuízo ao erário ou má-fé dos agentes nos atos perpetrados”.
Perguntado pela Agência Sportlight de Jornalismo Investigativo sobre o ‘Clube Barra Jumping” ter fins comerciais ao longo do contrato, o ministro interino da saúde, general Pazuello, afirmou, através da assessoria de imprensa do ministério, que a empresa “não teve uso comercial”.
Levantamento em arquivos de jornais mostra ganhos da empresa do generalNo entanto, uma breve olhada nos arquivos de jornais encontra outra realidade, distinta da presente nos contratos com a Infraero e na alegação de “não utilização comercial” usada pela defesa na justiça. E bons ganhos.
Em 14 de agosto de 2005, uma chamada do “Clube do Assinante” do jornal O Globo, oferece desconto no chamado “salto duplo” de paraquedas do “Clube Barra Jumping”. Não chegou a ser um grande desconto, já que o preço normal descrito era de R$ 575,00 (atuais R$ 1.098,57, corrigidos pelo IGP-M) e o assinante do jornal disposto a saltar pagava R$ 517,50 (atuais) R$ 988,71.
Na data da promoção conjunta com jornal O Globo, o aeroclube do general pagava R$ 775, 00 (atuais R$ 1.480,68) de aluguel para a Infraero. Ou seja: com dois saltos duplos, o “Clube Barra Jumping” ainda tinha troco pro pagamento do aluguel. Ainda assim, como mostramos acima, naquele ano estava inadimplente com a empresa pública. Mas mesmo assim tinha aditamentos anuais do contrato. Estava em vigor o acordo assinado em 1º de setembro de 2004, quinto aditamento, valendo até 31 de agosto de 2006.
Também em 13 de julho de 2008, quando o aluguel era de R$ 880 (atuais R$ 1.710,88), um curso de pára-quedismo de oito aulas do aeroclube era exaltado em reportagem como “a melhor sensação do mundo” pela atriz Daniele Suzuki. Ao preço de R$ 3.000,00 (atuais R$ 5.832,54). Umas três vezes o aluguel em um único aluno.
De acordo com o preço dos saltos duplos e dos cursos de formação encontrado nos jornais, a conta não é difícil. Em 2011, uma reportagem do jornal O Globo fala em 500 paraquedistas formados pela empresa e 5.000 saltos duplos desde fundada até então. Além de um preço extra em cada salto duplo para quem pagasse por um serviço de filmagem e fotos da empreitada pelos ares.
Ao longo da mais de uma década em que o aeroclube desfrutou de módicos preços no aluguel, são diversas reportagens nos mais variados meios divulgando os preços do “Clube Barra Jumping”.
Em maio de 2011, o “Clube Barra Jumping” aparece baixada na Receita Federal. Segue o “Barra Jumping Voos Panoramicos Serviços de Salto Duplo e Serviços de Manutenção de Paraquedas”, em nome de Luis Guilherme Pazuello, baixada em 7 de maio de 2013.
Apesar do registro do litígio em uma licitação e contrato na vida pessoal, o general Pazuello foi saudado na chegada ao ministério por boa parte da imprensa como um “homem da logística” e que iria ser peça importante em ver licitações e contratos na nova pasta, em meio a tragédia da pandemia do corona vírus.
Na última terça, 19 de maio, data exata o Brasil registrou 1.179 mortes em um único dia, o general assinou a nomeação de nove militares para cargos no Ministério da Saúde. Na chegada ao ministério, o militar não fez por menos quanto a presença das forças armadas representadas ali por ele: “estou indo como instituição”. Como de fato ficou evidente com a rapidez na busca de cargos.
Outro lado:
Questionado pela reportagem, o General Pazuello, através da assessoria de imprensa do ministério da saúde, afirmou que a relação entre sua empresa e a Infraero, “não teve uso comercial”.
Mais um belo trabalho jornalístico de investigação!
Em meio ao caos e ao fascismo hoje presente neste país, trabalhos como este e outros desta agência, mostrarão ao longo da História, aos incautos, o lado oposto à lata de lixo da História!
Mais uma vez, grande abraço Lúcio. E OBRIGADO.
Se fuçar ainda se encontra muitas irregularidades do tipo.
Excelente trabalho, esclarecedor como sempre, grande abraço
Os sanguessugas também vestem verde-oliva!